Cabo Verde, Uma Data Island No Atlântico

PorLuis Carlos Silva,10 nov 2025 8:06

​Tenho acompanhado com especial atenção o impacto da Inteligência Artificial (IA) sobre a economia global. O tema fascina-me pela sua complexidade e pela oportunidade que representa para os países em desenvolvimento saltarem etapas e fazerem o leapfrogging que tantas vezes lhes foi negado por constrangimentos estruturais.

A IA, pela sua natureza transversal, pode redefinir as hierarquias económicas do mundo, permitindo que nações pequenas, mas estáveis e visionárias, encontrem o seu lugar na nova geografia digital.

As projeções mais recentes do The Economist, baseadas em dados de McKinsey e Goldman Sachs, são categóricas: a Inteligência Artificial deverá desencadear um crescimento explosivo da economia mundial, muito acima do ritmo histórico de 1% a 3% anuais. A sua adoção em larga escala poderá acrescentar vários pontos percentuais ao PIB global, reposicionando cadeias produtivas e abrindo novos mercados. Não é uma evolução incremental, é uma mudança estrutural que redefine a fronteira entre economias emergentes e desenvolvidas.

A atribuição do Prémio Nobel da Economia de 2025 a Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt veio sublinhar esta realidade. Mokyr demonstrou que o crescimento sustentado decorre de condições culturais e institucionais favoráveis à inovação, argumentando que “sociedades abertas a novas ideias e tolerantes à mudança tendem a sustentar processos inovadores por mais tempo”; Aghion e Howitt desenvolveram a teoria da “destruição criativa” de Joseph Schumpeter, explicando como o progresso tecnológico substitui o velho pelo novo, um processo que, na era da IA, atinge uma escala sem precedentes.

Vivemos, portanto, um momento em que a teoria se confirma na prática. A destruição criativa é agora exponencial. Indústrias inteiras desaparecem em meses; profissões transformam-se; cadeias de valor desmaterializam-se. A IA é o mais potente mecanismo de renovação económica alguma vez observado.

Ao mesmo tempo, o debate ético e económico é inevitável. Daron Acemoglu, um dos autores de Porque Falham as Nações, lembra-nos que o verdadeiro desafio não está em adotar tecnologia, mas em orientá-la. A IA só criará prosperidade se for usada para aumentar (e não substituir) a capacidade humana. O progresso precisa de direção, e essa direção é política.

Durante a preparação da minha intervenção para a Universidade de Verão da JpD, essa convicção consolidou-se: a IA não é apenas um tema tecnológico. É também uma questão de infraestrutura, de regulação e de soberania. A economia dos algoritmos exige uma base física robusta, precisa de energia, água, cabos, data centers e segurança jurídica.

Hoje, existem mais de dez mil data centers no mundo, mas apenas cerca de mil estão adaptados às exigências da IA, com arquiteturas baseadas em GPU clusters, ligações de alta largura de banda e refrigeração líquida. Cada unidade de hiperescala pode custar entre 5 e 10 mil milhões de dólares, e os investimentos globais em infraestrutura de IA deverão ultrapassar 200 mil milhões, até 2030.
A revolução digital é também física, feita de betão, aço, silício e energia.

É neste contexto que África enfrenta um dilema estratégico. O continente representa menos de 2% da capacidade mundial de armazenamento e processamento de dados. A ausência de uma estratégia continental integrada, a dependência energética e o desfasamento regulatório limitam o investimento e a soberania digital. Nenhum país africano, isoladamente, tem escala nem recursos para ser competitivo. A resposta tem de ser coletiva, partilhada e integrada.

Nenhum país africano conseguirá ser soberano em matéria de dados se continuar a pensar como ilha. Cabo Verde pode ser o arquipélago que os une.

Entre a fragmentação africana e a concentração global, Cabo Verde pode ser o porto seguro dos dados africanos. A sua posição atlântica, a estabilidade institucional e a conectividade colocam-no numa posição ímpar. Cinco cabos submarinos — EllaLink, Equiano, WACS, Share 2 e Atlantis-2 — ligam o país à Europa, à África e à América do Sul. Dispomos de dois Tech Parks, dois Data Centers em operação e uma taxa de penetração de Internet de 93%, reforçada pela chegada da Starlink.

A visão de Data Island não é uma metáfora de isolamento, mas uma plataforma de confiança e neutralidade digital. Cabo Verde pode funcionar como ponte entre continentes, assegurando armazenamento, gestão e distribuição de dados sob regras claras e previsíveis. Esta é uma oportunidade de posicionamento geoestratégico e económico que pode redefinir a nossa relevância em África e no Mundo.

Mas o futuro digital não dependerá apenas de infraestrutura. Dependerá, sobretudo, de regulação inteligente. O nosso quadro legal ainda está em construção — e isso é uma vantagem. Podemos transformá-lo num instrumento de competitividade se o orientarmos por três princípios: Liberdade, Agilidade e Flexibilidade.

Enquanto a Europa avança num modelo rígido e preventivo, a China impõe uma regulação centralizada e instrumental e os Estados Unidos seguem um caminho liberal e experimental, Cabo Verde pode construir um modelo próprio — adaptativo, aberto e transparente.

Cabo Verde pode testar modelos de regulação “sandbox”, atraindo empresas globais sob supervisão transparente e garantindo segurança sem travar a criatividade. Este é o ponto de inflexão. A flexibilidade regulatória pode ser para nós o que a escala é para os grandes países: a verdadeira vantagem competitiva.

O futuro premiará quem conseguir combinar confiança com inovação, estabilidade e velocidade.

E se dúvidas restassem sobre a nossa capacidade de sonhar grande, basta lembrar o feito dos Tubarões Azuis. Eles mostraram ao mundo que o tamanho de Cabo Verde não define os seus limites. Define apenas o ponto de partida. O mesmo espírito que levou a nossa seleção ao Mundial pode inspirar-nos a construir o nosso futuro digital: com coragem, visão e confiança.

Ser uma Data Island é ser uma plataforma de confiança.

Num mundo onde a soberania vai-se medir em bytes, Cabo Verde tem tudo para ser pequeno em território, mas grande em ambição: no desporto, na economia e no futuro digital.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1249 de 05 de Novembro de 2025.

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Autoria:Luis Carlos Silva,10 nov 2025 8:06

Editado porAndre Amaral  em  10 nov 2025 8:06

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