Cabo Verde na Encruzilhada Monetária: A importância do aumento das taxas de juro para a estabilidade macroeconómica

PorGilson Pina,17 nov 2025 9:05

Gilson Pina, PH.D. Economista – Doutorado em Economia
Gilson Pina, PH.D. Economista – Doutorado em Economia

Nos últimos anos, Cabo Verde tem vindo a consolidar a sua integração na economia global, beneficiando de fluxos de capitais, comércio e investimentos que impulsionam o crescimento e a modernização da economia nacional. No entanto, esta abertura, em particular a liberdade total de circulação internacional de capitais, traz também importantes desafios para a gestão macroeconómica, nomeadamente no que diz respeito às políticas monetária e cambial.

A política monetária de Cabo Verde opera num enquadramento institucional singular, caracterizado por um regime de câmbio fixo, em que o escudo está ancorado ao euro, e por uma liberdade total na circulação de capitais. Embora este arranjo ofereça benefícios significativos em termos de previsibilidade e integração financeira, impõe também fortes restrições à autonomia da política monetária, exigindo uma coordenação estreita com as condições externas, nomeadamente as da Zona Euro.

Neste contexto, o recente aumento da taxa de juro em Cabo Verde assume uma importância estratégica fundamental. A medida tem como objetivo reduzir a diferença entre as taxas de juro domésticas e as praticadas nas principais economias de referência, nomeadamente a Zona Euro e os Estados Unidos da América, onde as taxas subiram significativamente para conter a inflação global.

Num mundo financeiro globalizado, as decisões de política monetária dos bancos centrais não são tomadas em vão. Para economias pequenas, abertas e com taxas de câmbio fixas, como a de Cabo Verde, estas decisões constituem um ato de equilíbrio delicado. O recente ciclo de aperto monetário protagonizado pelo Federal Reserve (FED) nos EUA e pelo Banco Central Europeu (BCE) colocou o Banco de Cabo Verde (BCV) perante a necessidade estratégica de aumentar a sua taxa de juro de referência, após esta ter permanecido baixa durante todo o período da crise pandémica e inflacionária (ver o gráfico). Esta medida, longe de ser meramente técnica, é crucial para salvaguardar a estabilidade económica e cambial do arquipélago.

A relação é direta e está fundamentada na teoria económica. Num regime de liberdade total de circulação internacional de capitais, o dinheiro flui para onde o risco é compensado pela melhor remuneração. Quando as taxas de juro na zona euro e nos EUA sobem e Cabo Verde mantém as suas inalteradas, o diferencial entre as taxas aumenta. A paridade das taxas de juro constitui um princípio fundamental. A manutenção de um diferencial significativo entre as taxas domésticas e as taxas externas incentiva movimentos de capitais em busca de rendimentos superiores, afetando a balança de pagamentos e, consequentemente, as reservas internacionais, o que pode ter implicações a longo prazo para a estabilidade financeira do país.

Imagine um investidor, cabo-verdiano ou estrangeiro, a decidir onde aplicar as suas poupanças. Se os depósitos em euros ou dólares oferecerem um retorno mais atrativo e com um risco percebido mais baixo do que os depósitos em escudos, a decisão é óbvia: há uma forte motivação para vender escudos e comprar moedas estrangeiras. Este movimento exerceria pressão sobre a Balança de Capitais, o que resultaria na saída de capitais financeiros do país e esvaziaria as reservas cambiais. Da mesma forma, levaria a uma desvalorização cambial implícita. Embora a taxa de câmbio seja fixa em relação ao euro, a pressão vendedora sobre o escudo força o BCV a intervir, comprando escudos e vendendo divisas. Se as reservas não forem robustas, a credibilidade da paridade fixa com o euro fica comprometida.

Aumentar a taxa de juro interna não é, portanto, uma opção, mas uma necessidade defensiva. Trata-se de um sinal claro ao mercado de que Cabo Verde está empenhado em manter a atratividade dos seus ativos financeiros, travando a fuga de capitais e preservando as suas preciosas reservas internacionais.

A paridade fixa do escudo cabo-verdiano com o euro constitui a pedra angular da estabilidade macroeconómica do país. Esta âncora não só controla a inflação importada como também proporciona previsibilidade ao comércio internacional e ao turismo, atraindo investimento estrangeiro, que vê reduzido o risco cambial.

No entanto, uma âncora cambial só é credível se for acompanhada de políticas monetárias congruentes. Manter uma política de taxas de juro excessivamente expansionista (com taxas de juro baixas) quando os principais parceiros comerciais e a moeda-âncora estão a apertar é como tentar segurar um barco numa tempestade com uma âncora de plástico. Aumentar as taxas de juro é reforçar o cabo dessa âncora, demonstrando ao mercado que o BCV tem as ferramentas e a vontade para defender a paridade.

É inegável que o aumento das taxas de juro tem custos económicos a curto prazo. Torna o crédito mais dispendioso para as famílias e empresas, podendo abrandar o investimento e o consumo. Contudo, no contexto cabo-verdiano, o custo de não agir seria incomparavelmente maior.

Há três aspetos essenciais a considerar nesta situação. Em primeiro lugar, uma desvalorização abrupta do escudo, ou mesmo o simples temor desta, desencadearia uma espiral inflacionista, uma vez que os produtos importados ficariam muito mais caros, o que corroeria o poder de compra da população e a competitividade das empresas que dependem de importações. A inflação alta é, por si só, um imposto sobre os mais pobres e um entrave severo ao crescimento sustentável. Em segundo lugar, as reservas funcionam como um colchão de segurança para o país. Permitem financiar as importações essenciais e garantir a estabilidade do sistema financeiro. Ao aumentar as taxas de juro para travar a fuga de capitais, o BCV protege este colchão, que é vital para a resiliência de uma economia insular e dependente do exterior. Por último, uma política monetária proativa e alinhada com os ciclos globais transmite uma imagem de maturidade e credibilidade aos investidores internacionais e às instituições financeiras. Esta credibilidade constitui um ativo intangível que atrai investimento produtivo a longo prazo, muito além dos movimentos especulativos a curto prazo.

O aumento da taxa de juro pelo Banco de Cabo Verde, em resposta ao endurecimento monetário global, não é um fim em si mesmo. Trata-se de um instrumento de defesa num mundo de capitais voláteis. A redução da diferença de taxas de juro em relação à Zona Euro e aos EUA não é um mero exercício académico, mas sim uma condição fundamental para preservar a liberdade total de circulação de capitais, um pilar da integração económica de Cabo Verde, bem como para proteger a âncora cambial, que é a garantia histórica de estabilidade de preços. Em suma, foi uma medida necessária para evitar uma crise cambial, cujas consequências sociais e económicas seriam devastadoras.

Neste momento, a prioridade de Cabo Verde deve ser a consolidação da sua estabilidade macroeconómica. Sem estabilidade cambial nem confiança na moeda, não é possível alcançar um crescimento sustentável. Embora estreito e pedregoso, o caminho do aperto monetário é o único que conduz a um porto seguro num oceano financeiro global cada vez mais turbulento. A ação do BCV é, assim, um passo corajoso e necessário para assegurar o futuro económico da nação.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1250 de 12 de Novembro de 2025.

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Autoria:Gilson Pina,17 nov 2025 9:05

Editado porSheilla Ribeiro  em  17 nov 2025 12:19

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