Nos últimos dias, o nosso país voltou a sentir na pele a vulnerabilidade extrema de viver numa linha de fronteira com o clima. Em Santiago, as chuvas e ventos abriram crateras nas estradas, arrastaram veículos, bloquearam acessos e isolaram comunidades inteiras. Houve uma vítima mortal e casas inundadas, enquanto famílias esperavam, com medo, a próxima enxurrada. A meteorologia deixou de ser rotina para se tornar ansiedade, risco e inquietação.
Ao mesmo tempo, a Europa enfrentou a tempestade Cláudia, uma das mais destrutivas dos últimos anos. Em Portugal, ventos extremos, um tornado no Algarve, inundações súbitas e estragos severos provocaram várias vítimas mortais. Em poucos dias, rios transbordaram, carros foram arrastados e centenas de pessoas foram evacuadas. O que antes era exceção tornou-se parte de um novo padrão meteorológico.
E não podemos esquecer Agosto em São Vicente, quando chuvas torrenciais transformaram ribeiras em rios de lama, arrastaram pontes e estradas e tiraram vidas. O país viveu dias de luto e solidariedade, diante de imagens que ficaram gravadas na nossa memória coletiva, um aviso claro, repetido vezes demais.
A coincidência não explica nada. A ciência explica tudo.
Estes fenómenos não são fatalidades nem acidentes isolados. Há décadas que os cientistas alertam para a intensificação dos eventos extremos: mais chuva em menos tempo, tempestades violentas, ventos mais fortes, secas prolongadas e calor sufocante. O que era “mau tempo” tornou-se ameaça permanente. O que era raro tornou-se frequente.
O mundo vive hoje na linha da frente. Mas são as ilhas e os países com menor capacidade económica que sofrem com maior intensidade. Somos nós que perdemos casas mais frágeis, estradas mais expostas, empregos mais vulneráveis. Somos nós que sofremos primeiro e recuperamos mais devagar.
Quando o céu “chora”, repete o aviso que ignorámos durante demasiado tempo. E o nosso povo chora também.
Belém, o palco da COP
Enquanto estas tempestades atingem vidas reais, o Brasil acolhe a COP30, talvez a conferência mais decisiva desde o Acordo de Paris. O que está em discussão já não são metas abstratas: é sobrevivência. É o futuro de países como Cabo Verde, que vive entre o Atlântico e a incerteza, e de países como Portugal, que descobrem que a Europa temperada já não é muralha contra nada.
Desta conferência saiu o Pacote de Belém, um conjunto de decisões que, embora insuficientes, representa avanços importantes. Entre eles está o compromisso internacional de triplicar o financiamento global para adaptação até 2035, um passo vital para países vulneráveis. Foi criado um mecanismo de transição justa, garantindo que a mudança para modelos de baixo carbono não deixa ninguém para trás. E foi lançado o roteiro Baku–Belém, que pretende mobilizar 300 mil milhões de dólares por ano para países em desenvolvimento, com ambição de chegar a 1,3 biliões com financiamento público e privado.
Pela primeira vez, foi ainda aprovado um quadro de indicadores para medir o progresso global da adaptação, uma reivindicação antiga dos pequenos Estados insulares.
No entanto, faltou o essencial: um plano global para moderar a dependência dos combustíveis fósseis de forma compatível com a segurança energética e o desenvolvimento económico. Sem essa visão integrada, a promessa financeira corre o risco de não gerar resultados duradouros.
A COP30 precisa de coragem. Precisa de transformar promessas em mecanismos permanentes e verificáveis. E Cabo Verde deve estar lá não como país que pede, mas como país que propõe, arquipélago que compreende o oceano, que testa soluções reais e que sabe que resiliência é construção, não destino.
“O futuro é uma escolha” — Cabo Verde e o Atlântico
Imagino um Cabo Verde que deixe de ser apenas vulnerável para se tornar pioneiro em adaptação climática, um país que transforma risco em oportunidade, limitação em força, geografia em estratégia. Vejo um arquipélago com infraestruturas resilientes, drenagem preparada para chuvas intensas, habitação segura e comunidades costeiras equipadas com sistemas modernos de alerta precoce. Vejo um país que cuida do oceano e dele tira valor com responsabilidade. Vejo uma juventude capaz de liderar inovação, ciência climática e tecnologia verde.
A recente Ocean Week e o Ocean Summit, em Mindelo, mostraram que este futuro não é teoria. Há talento, há capacidade técnica, há visão.
E o país já começou esse caminho. O Orçamento de Estado para 2025 colocou a adaptação no centro das prioridades nacionais. O Governo lançou o Programa de Ação Climática e Ambiental com uma dotação inicial de 750 milhões de escudos, financiado por um fundo fiduciário do FMI. Há diagnóstico, vontade política e primeiros passos. Transformar intenção em impacto exige agora escalar o financiamento, criar um mecanismo orçamental autónomo, fortalecer a capacidade técnica no terreno e integrar instrumentos modernos de gestão de risco, como seguros paramétricos e linhas de contingência.
“A melhor altura para agir é sempre agora.”– Martin Luther King Jr.
A crise climática exige respostas em todas as frentes: ciência, política, economia e cidadania.
Um novo caminho político
As últimas tempestades mostraram que nenhum pequeno Estado insular enfrenta este desafio sozinho. A força que não temos isoladamente, teremos juntos. E é por isso que defendo uma nova arquitetura política: uma aliança real, permanente e estratégica entre os trinta e nove pequenos Estados insulares em desenvolvimento. Unidos, esses países seriam uma força diplomática sem precedentes, capazes de influenciar resoluções, impor prioridades, exigir financiamento sólido e defender mecanismos específicos para adaptação e proteção oceânica. Não é simbolismo. É poder real.
Cabo Verde deve estar na linha da frente dessa liderança, não como país que solicita, mas como país que propõe. Como ponte atlântica entre continentes, como voz estratégica entre oceanos, como defensor de uma diplomacia azul que coloque o mar no centro das negociações internacionais. Precisamos de propor um fundo permanente de adaptação para ilhas vulneráveis, defender mecanismos globais de proteção e transformar a nossa geografia em vantagem política.
É isso que nos cabe fazer agora. É isso que decidirá se seremos espectadores ou protagonistas. O tempo de esperar acabou. O tempo de unir, propor e liderar começou agora.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1252 de 26 de Novembro de 2025.
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