O novo assentamento de Chã das Caldeiras

PorJorge Montezinho,14 jan 2018 6:16

​Até agora, a recuperação da actividade em Chã das Caldeiras fez-se com poucos meios, sem um planeamento urbanístico e sem um seguimento que garantisse a sustentabilidade dos novos desenvolvimentos.

Chã das Caldeiras não é um exemplo único no mundo, um território onde os vulcões, ao mesmo tempo que são uma ameaça, também constituem uma parte do meio de vida e contribuem para o desenvolvimento das comunidades. É assim na Sicília (Itália), onde a região do Monte Etna acolhe 20% da população da ilha; ou no Monte Ruapehu (Nova Zelândia), onde a população também tenta procurar um equilíbrio entre a agricultura e o turismo, entre uma erupção e outra.

O cenário que o desastre natural do Fogo deixou para trás oferece uma oportunidade para reconstruir o aglomerado rural de Chã das Caldeiras de forma mais eficaz, segura e sustentável. Contudo, a necessidade urgente dos habitantes de restabelecerem as suas residências na caldeira deu início a um processo de reimplantação, no qual não foram tidos em conta nem o planeamento urbano nem a legislação de ordenamento municipal em vigor nem a de protecção do Parque Natural.

Quando terminou a erupção, muitas famílias quiseram retomar aos poucos a sua vida na caldeira e iniciaram os trabalhos de autoconstrução sobre as recentes escoadas de lava e de reabilitação das casas e de algumas infra-estruturas que podiam salvar-se.

No relatório do plano detalhado para Chã das Caldeiras, encomendado à Gesplan, empresa pública do Governo de Canárias através da Resolução nº 75/2017, lê-se que em Outubro de 2017, existiam, aproximadamente, 85 novas construções, na sua maioria residenciais, localizadas de forma dispersa em zona de risco, sem satisfazer nenhuma medida de redução do risco. Previa-se também que este número possa aumentar dada a grande actividade de construção que se observava na zona.

Estas novas construções foram realizadas espontaneamente sem contar com infra-estruturas ou serviços básicos necessários, com materiais e recursos que não obedecem a nenhuma planificação nem controlo técnico, e à margem da preservação do património natural. “Isto tem consequências negativas, tanto no que respeita as condições de habitabilidade e de segurança da população residente como em relação ao equilíbrio ecológico e ao valor paisagístico da reserva”, diz o documento, consequências que afectam directamente o atractivo turístico, desvalorizando e comprometendo o crescimento económico sustentável ligado ao sector.

Os núcleos populacionais estão desprovidos de sistema público de saneamento, pelo que as águas residuais são lançadas directamente no terreno, à superfície, ou vazadas em fossas associadas às casas. Esta ausência de sistemas de recolha e depuração de águas poderá produzir a contaminação dos aquíferos considerados potencialmente exploráveis, situados na proximidade.

O abastecimento eléctrico é feito com geradores portáteis, na sua maioria individuais, embora também se observe a presença de algumas placas fotovoltaicas para uso doméstico. “Estes meios de produção de energia são sistemas temporários e insuficientemente dimensionados para garantir a continuidade da corrente durante as vinte e quatros do dia e, por isso, provocam intermitências no abastecimento”.

Da falta de organização das iniciativas de recuperação resulta o abandono das construções afectadas pela lava durante a erupção, que se encontram parcialmente soterradas e dispersas pelo território, provocando um impacto paisagístico importante. Estas construções são o resultado do processo de autoconstrução que teve lugar após a erupção de 1955, em circunstâncias similares às que se geraram na actualidade. “O baixo grau de resiliência das tipologias construtivas e os materiais utilizados depois da erupção anterior afectam, neste momento, o Meio Ambiente e a paisagem, pelo que existe a necessidade de integrar estas antigas construções no entorno através de procedimentos sustentáveis. Contudo, neste novo processo construtivo, devido à falta de regulamentação e controlo, estamos a assistir à repetição dos mesmos erros”, sustentam os técnicos da Gesplan.

“Além disso, está a gerar-se um cenário preocupante, no qual construções gravemente afectadas pelas escoadas vulcânicas estão a ser reocupadas, depois da lava que as inundou ter sido retirada manualmente. Nestes casos, se juntarmos a baixa qualidade e a inexistência de controlo das estruturas destas construções ao dano causado pela erupção, estamos perante uma situação de perigo real de sinistro”, sublinham.

Durante a última erupção, detectaram-se várias deficiências no que se refere ao sistema de gestão de emergências, desde a falta de recursos à organização da evacuação e aos problemas resultantes da ausência de planeamento urbano.

Logo às primeiras horas da erupção, os sistemas de comunicação falharam e a estrada nacional de acesso ficou cortada pela lava. As possíveis vias de evacuação eram dois caminhos pedestres situados no rebordo interior da caldeira, um em direcção ao sul, com o risco de desprendimentos do lado da Bordeira, e outro dirigindo-se a norte, com uma inclinação significativa.

A ausência de uma segunda via rodoviária de escape em direcção ao norte fez com que a evacuação tivesse de depender da abertura duma pista temporária através da caldeira. Reaproveitou-se um caminho que rodeia a parte de baixo da Bordeira, no qual se foram abrindo novos troços, à medida que as sucessivas escoadas iam sepultando os anteriores.

Apesar das deficiências registadas nos sistemas de prevenção e de resposta à situação de emergência provocada pela crise vulcânica, a baixa velocidade a que se movia a lava, o número pouco elevado de depósitos de cinzas e de piroclastos, e a distância da boca eruptiva foram determinantes para a evacuação da população. Foram estes os motivos porque não se registou nenhum falecimento, e que a maioria dos bens móveis pudesse ter sido retirada do interior dos edifícios, bem como parte das produções agrícolas. Todos estes bens foram salvos e ‘armazenados’ nas encostas mais elevadas do Monte Amarelo, antes da chegada das escoadas.

Embora um assentamento no interior da caldeira acarrete um risco elevado, e não obstante os esforços por parte das instituições governamentais para suster esta situação, as condições económicas, sociais e culturais dos habitantes de Chã das Caldeiras leva-os a regressar reiteradamente a este local. A convivência com os riscos vulcânico e a forte resiliência frente às catástrofes são parte intrínseca da identidade da população de Chã das Caldeiras.

No seguimento da erupção vulcânica, saiu do Conselho de Ministros a Resolução nº 13/2017, que “Reforça as Medidas Integradas de Gestão do Parque Natural do Fogo”, publicada no Boletim Oficial (BO) de 24 de Fevereiro de 2017 e a Resolução nº126/2017, publicada no BO de 14 de Novembro de 2017 que “reforça o sistema de fiscalização das edificações e da exploração dos recursos naturais no Parque Natural do Fogo (PNF) tendo em vista a criação para a implementação do Plano Detalhado de Chã das Caldeiras e do plano de gestão de toda a área protegida”.

Ainda mediante o Decreto Ministerial (Portaria) nº 22/2017, foram publicadas no BO nº 35 de 21 de Junho de 2017 as Medidas Preventivas para a elaboração do Plano Detalhado de Chã das Caldeiras. Estas medidas estão destinadas a evitar a modificação das condições existentes que possam comprometer ou dificultar a execução no futuro do Plano Detalhado. Este documento é redigido em cumprimento do Decreto Ministerial nº 22/2017.

O objectivo deste Plano Detalhado de Chã das Caldeiras é o planeamento urbano da área na qual se encontram as localidades de Portela e Bangaeira, desde a perspectiva de um ordenamento que dê resposta a uma possível situação de emergência vulcânica, controlo do impacto dos processos de urbanização sobre o meio natural e paisagístico e melhoria das condições de habitabilidade da população.

A área que compreende o Plano Detalhado de Chã das Caldeiras enquadra as localidades de Portela e Bangeira e estende-se até às imediações de Monte Amarelo. A principal característica relativamente à situação da área é a perigosidade que implica ao tratar-se de uma zona de risco vulcânico, avisam os técnicos espanhóis.

A superfície da área deste Plano Detalhado compreende um total de 60 hectares. As dimensões em relação à superfície estabelecem-se de acordo com o artigo 117º do Decreto-Lei nº 43/2010, publicado no BO a 27 de Setembro e que determina que “a área máxima de cada PD não pode ultrapassar os 60 (Sessenta) hectares”.

Os limites da área de ordenamento definem-se de acordo com os instrumentos superiores e têm em consideração a realidade física e territorial que se desenvolveu de forma progressiva e espontânea depois da erupção de 2014-2015, tendo em conta os diferentes objectivos do Plano Detalhado de Chã das Caldeiras [ver caixa].

A área de ordenamento procura considerar também as zonas agrícolas perto do núcleo rural, já que estas são o principal meio de subsistência dos residentes e uma condicionante fundamental da localização do núcleo populacional.

O modelo de ordenamento pretende criar um núcleo de população de baixa densidade, característica dos aglomerados rurais de Cabo Verde, que permita revalorizar o espaço geológico protegido e promover as práticas tradicionais vinculadas à agricultura, fomentando a presença dos espaços de carácter natural dentro da área. Define-se desta forma um modelo de ordenamento para a totalidade dos espaços públicos de encontro e relação em função das dinâmicas sociais da população.

A rede viária e espaços livres serão determinantes quanto à prevenção perante o risco. Portanto, a sua dimensão e localização fundamenta-se em parâmetros associados a esta. Assim, essa estrutura define-se a partir de três aspectos fundamentais: a importância do espaço geológico e agrícola, as características sociais e culturais e a segurança em caso de erupção vulcânica.

O modelo de casa proposto deve-se à necessidade de resolver um problema de grande importância: as condições mínimas da casa, a sua forma de habitar e o problema que os critérios de autoconstrução empregados na actualidade criam no território. Por isso, estabelece-se um modelo que cumpra com as condições mínimas de habitabilidade quanto a divisões e dimensões.

Procura, também, estabelecer critérios que criem uma maior integração dessas construções no local em que se encontram. Por sua vez, este modelo é proposto tendo em conta a situação e condições familiares que, de forma frequente, sucedem em Chã das Caldeiras. Por isso, estabelece-se um modelo com capacidades de crescimento gradual em função das necessidades de cada núcleo familiar. Ao mesmo tempo, fornece-lhe condições bioclimáticas, de modo que, ao ser construída com materiais ligeiros e permeáveis, provoca uma regulação da temperatura do ar que circula através dele, criando uma ventilação natural dos módulos que compõem as divisões e que estão associados a esse elemento central.

No total, serão necessários dez anos para completar este projecto. Os habitantes de Chã não discordam dos modelos das casas ou de ordenamento propostos. São contra o local, um dos de maior risco em caso de nova erupção.


OBJETIVOS DO PLANO DETALHADO DE CHÃ DAS CALDEIRAS:

  • Criar infra-estruturas, recursos e equipamentos que suplantem e melhorem as que se perderam durante a última erupção e que favoreçam a integração ambiental da actividade humana e agro-pecuária.
  • Criação de espaços livres públicos na área que sirvam como referência para os percursos pedonais tanto no interior do aglomerado rural como nos caminhos do parque natural que nele nascem.
  • Estabelecer o ordenamento do aglomerado rural e as determinações das construções com base nas necessidades de evacuação e de resposta ao risco vulcânico.
  • Localização de novas edificações de forma ordenada e com base numa determinada tipologia.
  • Estabelecer as condições e limitações para a ampliação das construções.
  • Estabelecer determinações para o ordenamento da rede viária local, para a sua adaptação ao novo esquema viário nacional ao longo da área de ordenamento.
  • Estabelecer condições de integração paisagística, tanto para as edificações já existentes, como para as edificações de nova construção propostas para o PDCC.
  • Garantir a protecção, conservação e valorização das zonas de interesse paisagístico, geológico e ambiental; solos agrícolas e elementos patrimoniais com potencial turístico, histórico e / ou arquitectónico.
  • Fomentar e potenciar a compatibilidade e a interligação entre a actividade de habitação e agro-pecuária, conforme um modelo de desenvolvimento sustentável, auto-suficiente e de respeito pelo ambiente.
  • *Fonte: Relatório do Plano Detalhado de Chã das Caldeiras
    *Fonte: Relatório do Plano Detalhado de Chã das Caldeiras

    Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 841 de 10 de Janeiro de 2017. 

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    Autoria:Jorge Montezinho,14 jan 2018 6:16

    Editado porNuno Andrade Ferreira  em  11 dez 2018 3:22

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