Não estamos a falar de ilegalidades, porque se o fosse, esses órgãos seriam fechados, mas sim de irregularidades, salvaguardou a presidente da ARC, à margem da audição sobre o funcionamento dos órgãos de comunicação social (OCS) perante a Comissão Especializada de Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos, Segurança e Reforma do Estado.
Para isso contribui, por um lado, o facto de a regulação – e suas maiores exigências - ser relativamente recente, sendo necessário um certo período de graça, pedagogia e o diálogo, para o cumprimento das regras. Por outro, a situação financeira extremamente difícil que os OCS vivem.
Da aferição que a ARC pode fazer sobre os OCS, e que consta nos seus relatórios, “todos eles” estão nessa situação e muitas vezes sem dinheiro sequer para “as obrigações imediatas”.
Sendo assim, “como poderão ter condições para a inovação tecnológica, porque a lei exige, e o regulador também, que haja software moderno para fazer gravações, para ter registo de acordo com a lei, para efeitos de direitos de autor?”, interroga.
Os baixos salários – “10 contos de salário não é indigno, não é salário. É uma gratificação” e o facto de algum OCS trabalharam essencialmente, ou apenas, com estagiários, foram outras situações com que a ARC se deparou nas suas missões de fiscalização.
Entre os OCS que se apresentam em situação de maior vulnerabilidade são as rádios comunitárias. Hoje há 10 rádios desta natureza em actividade em Cabo Verde (entre 16 que estão licenciadas) e basicamente todas elas atravessam graves dificuldades. Em dois casos foram encontradas situações de promiscuidade com o poder local (autarquias que apoiavam financeiramente rádios, sendo que estas acabam por ficar sob seu controlo), que estão também em processo de resolução.
Entretanto, os incentivos do governo de apoia às rádios comunitárias foi recentemente alargado, mas no entender de Arminda Barros, estes são ainda insuficientes e muitas vezes as próprias rádios desconhecem como aceder aos mesmos.
As missões de fiscalização percorreram todas as ilhas de Cabo Verde, com excepção da Brava, que neste momento não tem nenhum título activo.
Jornalismo sentado e a voz dos políticos
Cabe também à ARC regular os conteúdos da OCS, tendo sido apresentadas algumas conclusões sobre os mesmos, durante o ano de 2017.
Destaca-se, neste quesito, que mais de metade das notícias da televisão, mas também da rádio, se referem de forma directa ou não, ao governo. A percentagem desce para 10% quando se trata de notícias onde o governo aparece de forma exclusiva e directa.
Em relação às fontes, e embora pela positiva, sejam essencialmente usadas fontes identificadas estas são quase sempre fontes únicas - o que não permite o cruzamento de informações - e da área política.
“É uma constatação de uma verdade que vem sendo a mesma há muitos anos a esta parte: nós fazemos um jornalismo sentado. Corremos atrás de entidades políticas”, comentou Arminda Barros no final da audição.
Mudar o cenário, redefinindo agendas, é uma tarefa que tem essencialmente a ver “com a vontade dos editores, das direcções dos órgãos de trazerem para as antenas, para as páginas de jornais, outras vozes”, apontou.
Pelo destaque dado aos actores políticos, e face à minoria que as mulheres representam neste sector, as vozes são também essencialmente masculinas.
É necessário, no seu entender, dar espaço a outras vozes, mas também outros lugares, uma vez que o espaço informativo é também dominado por uma única ilha: Santiago.
Além da preponderância da ilha que acolhe a capital, há outras ilhas que simplesmente parecem ausentes das notícias como a Brava ou Maio, comprometendo o pluralismo que o cenário mediático deve ter.
“Não há notícias de [algumas] ilhas. A obrigação do Estado é garantir esse pluralismo, pelo menos sobretudo ao nível dos órgãos públicos”.
“Portanto essa é a recomendação da ARC, a nível do pluralismo político partidário, dar voz a todas as formações e a nível da diversidades, vozes, , lugares, devem estar presentes", instou a presidente da ARC.
Maioria das queixas vem de partidos
Manter os títulos que já há em Cabo Verde e promover o surgimento de novos é desígnio da ARC, garantiu a presidente perante a Comissão. Para isso a acção tem sido de diálogo, compreensão face as dificuldades conhecidas e alguma flexibilidade, por exemplo, a nível de alguma flexibilidade de prazos.
Apesar dessa postura, há exigências de que a ARC não abre mão como sejam, entre outras o registo do OCS na mesma, a exigência de jornalistas profissionais (com carteira) nas redações e ter um director.
No decorrer deste ano, o controlo a essas infracções será intensificado. Quanto à actividade referente a 2017o Conselho Regulador da ARC aprovou: 95 deliberações, 1 diretiva, 1 comunicado 1 recomendação e 3 pareceres. De acordo com o relatório de Regulação, um dos cinco apresentados à Comissão deram entrada na ARC: 10 queixas/reclamações e foram abertos 7 processos de queixas/reclamações contra órgãos de comunicação social, 4 averiguações oficiosas e 3 processos de contraordenação. Foram ainda apresentadas 3 impugnações judiciais junto ao Tribunal Judicial da Comarca da Praia.
A maioria das queixas foi formulada por partidos políticos sem assento parlamentar, nomeadamente o Partido Popular e o Partido Social Democrático, e quantos processos de contraordenação dizem respeito a publicação de uma sondagem sem que a mesma tivesse sido depositada na ARC, e dois por publicidade de bebidas alcoólicas durante horários proibidos pela lei. Os relatórios estão acessíveis no site da Autoridade (http://www.arc.cv).
Entretanto, a lei das sondagens continua a ser uma dor de cabeça para os OCS e, consequentemente, também para a ARC.
Trata-se de uma “lei muito exigente em relação às informações que a peça jornalística tem de conter”, e cujo conteúdo é regulado pela ARC. Exigente, complexa, e que em as exigências da lei, pela sua extensa descrição, não se alinham com as especificidades do texto jornalístico.
Factualidade tem sido cumprida
Na audição, a Comissão Especializada de Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos, Segurança e Reforma do Estado apresentou-se desfalcada, tendo apenas comparecido cerca de metade dos nove deputados que a integram. Da parte da presidente da Comissão, Joana Rosa, destacou-se o incentivo à promoção de um debate sobre as dificuldades de funcionamento dos órgãos.
Destaque ainda para a intervenção do deputado Walter Évora que questionou o conselho da ARC sobre um tema quente: as Fake News.
Da análise da ARC avançou-se que a factualidade tem sido cumprida de uma forma geral, não tendo sido identificados casos em que uma notícia falsa ou adulterada tem sido difundida. Contudo, questões como o referido uso de fontes únicas ou fontes secundárias foram também apontadas como fragilidades da OCS.