Cabo Verde chamou a atenção para as mudanças climáticas e os impactos nos pequenos países insulares na última sessão ordinária da União Africana. Como sublinhou, na passada sexta-feira, o ministro da Indústria, Comércio e Energia, “em Cabo Verde, quando não são chuvas diluvianas que destroem infra-estruturas e esforços empreendidos durante vários anos, são secas extremas pondo em causa a sobrevivência de muitas famílias, principalmente aquelas que vivem da agricultura e da criação do gado. E é o que nos está a acontecer de 2017 a esta parte, em que não choveu praticamente nada no país, contribuindo assim para que estejamos a enfrentar uma das piores secas dos últimos 36 anos”.
Segundo Alexandre Monteiro, “este é um exemplo concreto em quão nefasto podem ser os efeitos das Mudanças Climáticas, ao que apelaríamos uma maior atenção e uma sensibilidade cada vez mais forte da nossa organização sobre esta matéria”.
A 31ª Sessão Ordinária da Conferencia dos Chefes de Estado e do Governo da União Africana, que decorreu em Nouakchott, na Mauritânia, sob o lema do combate à corrupção, mas o governante cabo-verdiano aproveitou para deixar um alerta sobre um tema que continua na ordem do dia. Também este fim-de-semana, a FAO e o El País voltaram a publicar mais um livro da colecção “O Estado do Planeta” e o destaque vai exactamente para as alterações climáticas, a agricultura, a água e como a relação entre eles complica o desafio de alimentar a população mundial. As conclusões são preocupantes.
Nos países mais pobres, um prato de comida básico pode custar grande parte do ordenado diário de uma pessoa e em alguns casos ultrapassa esse valor [entende-se que um prato de comida básico contém legumes, carboidratos (arroz, feijão, lentilhas, pão, etc.) azeite vegetal, tomates, cebola e água]. É o mesmo que dizer que vivemos num mundo de disparidades (em Nova Iorque uma pessoa gasta 0,6% do seu rendimento diário em alimentação, enquanto que no Sudão do Sul esta percentagem é de 155) em que a pobreza, junto com os conflitos ou os desastres naturais, deterioraram o poder aquisitivo dos mais vulneráveis ao ponto de deixarem de poder comer. Em Cabo Verde o cenário também se mostra complicado, se usarmos como média de rendimento o salário mínimo nacional – 11.000$00 – e o compararmos com o preço, por exemplo, de um prato de cachupa – uma média de 250$00 - vemos que um cabo-verdiano gasta 68% do seu ganho diário num prato de comida.
É já uma certeza que as mudanças climáticas prejudicam essencialmente os mais pobres [90 por cento da população pobre a nível global – pessoas que vivem com menos de 1,25 dólares por dia – vive no Sudeste Asiático e Pacífico e na África subsaariana]. Três em cada quatro desses mais pobres sobrevivem graças a actividades muito sensíveis ao clima, como a agricultura e a criação de gado, e têm muito menos recursos para proteger-se dos impactos.
Em relação à África subsaariana, e segundo os dados da FAO, as mudanças climáticas aumentarão a incidência dos anos extremamente secos. Mas os choques não se farão sentir apenas na agricultura, até 2050, a descida da produção pesqueira na África Ocidental reduzirá o emprego no sector em 50 por cento. Além disso, o abate de árvores, a degradação e os incêndios vão reduzir drasticamente as zonas florestais da sub-região do continente.
No meio de todo este equilíbrio cada vez mais precário, a grande questão que se põe é se com o contínuo crescimento do número de habitantes no planeta, teremos água potável suficiente para toda a gente. Uma pergunta para a qual ainda não há resposta. O mundo contém, aproximadamente, 1.400 milhões de quilómetros cúbicos de água, mas apenas 0,003% desta enorme quantidade é água doce (cerca de 43.022 quilómetros cúbicos), ou seja, água que pode ser usada para beber, para a higiene, para produzir alimentos e para os processos industriais. A nível mundial, estima-se que 70% deste recurso é usado na agricultura (para produzir alimentos), 19% na indústria e 11% são para uso doméstico. Mas nem toda esta água está acessível, na verdade, apenas estão disponíveis para uso humano entre 9.000 e 14.000 quilómetros cúbicos.
Cabo Verde e a Água
Em Cabo Verde, a água é um dos recursos pelo qual a população reconhecerá os efeitos da mudança do clima, considerando as prováveis alterações nos modelos de precipitação e consequente disponibilidade de água, como se lê na terceira comunicação nacional de Cabo Verde para as alterações climáticas, de Dezembro de 2017. No país, existe uma sazonalidade bem marcada com estações secas e chuvosas, de forma que no final do período seco pode-se observar caudais, subterrâneos e superficiais, muito abaixo da média e inclusive ausência de água em algumas fontes.
As águas subterrâneas estão entre os recursos naturais de maior importância. O uso crescente das águas subterrâneas, a redução do volume de água potável e consequente procura, a salinização e a contaminação dos aquíferos costeiros tem-se tornado num dos problemas mais preocupantes nas questões de gestão dos recursos hídricos subterrâneos, uma vez que são considerados reservatórios estratégicos.
As mudanças climáticas ocorridas no país, refere também o documento, sucedem-se a um ritmo cada vez mais acelerado, em que se assiste a uma crescente vulnerabilidade social, ambiental, económica e política.
Cabo Verde, de modo geral, possui uma reduzida oferta de água e esse recurso natural encontra-se distribuído de maneira diferente no território nacional e tem diferentes origens.
Dentre as origens de água doce destacam-se os recursos hídricos superficiais e subterrâneos. Outras fontes de recursos hídricos poderão também ser avaliadas, como a dessalinização de águas salobras ou salinas e a reutilização das águas residuais, em alguns concelhos, na irrigação.
Para determinar o volume de água que será necessário disponibilizar para fazer face às crescentes necessidades de consumo, levou-se em conta o Plano Estratégico Nacional de Água e Saneamento (PLENAS) que pretende atingir 40litros/habitante/dia em abastecimento por chafariz e 90litros/habitante/dia em ligações domiciliárias à rede pública.
Tendo por base os valores de referência praticados pelas Nações Unidas (1997) verifica-se que na ilha de Santiago a disponibilidade hídrica subterrânea por habitante é de 278 m3/habitante/ano, nível considerado como escassez, enquanto as ilhas de Santo Antão e do Fogo apresentam disponibilidade de recursos hídricos nos níveis considerados de stress (500 a 1000 m3/habitante/ano.
Segundo a mesma fonte, a situação em termos de disponibilidade hídrica para o país é considerada como de escassez (disponibilidade hídrica menor do que 500 m3/habitante/dia), e as restantes ilhas (Sal, Maio, Boa Vista, São Vicente) apresentam uma média pluviométrica inferior a 100 mm, indicando a necessidade da implementação dos respectivos planos directores de recursos hídricos, necessidade de intensas actividades de gestão e de grandes investimentos atendendo aos indicadores de sustentabilidade para os recursos hídricos da ONU.
Em Cabo Verde, os usos mais comuns e frequentes dos recursos hídricos são: água para uso doméstico, irrigação, e uso industrial.
O declínio na produção agrícola em áreas que dependem exclusivamente da água das chuvas levaria ao agravamento do problema da segurança alimentar.
A decadência na produção afectaria não apenas o consumo e nutrição da população dependente da agricultura, como também levaria a uma consequente redução nos níveis de renda limitando o poder de compra dessa população o que se traduziria num agravamento do nível de pobreza no país.
Os volumes explorados nas quatros ilhas onde mais chove, tendo em conta os pontos de água facturados durante o ano 2016 foram os seguintes:
Santiago – 5.961.175,15 m3
Fogo – 1.012.782,69 m3
Santo Antão – 976.364,00 m3
São Nicolau – 351.846,00 m3
Desses volumes, 49% foi utilizado na agricultura, 43% no abastecimento, 6% para fins industriais e 2% para dessalinização.
Segundo os dados do IMC-2016, 64,1% da população cabo-verdiana abastece-se através da rede pública de abastecimento, 8,1% através de vizinhos, 13,2% através de chafariz, 5,5% através de autotanques e 9% ainda abastece a partir de outras fontes. O meio urbano apresenta melhor cobertura de água em termos de rede pública com 69,2%, já o meio rural apresenta um valor de 53,8%.
Senegal recebe primeiro Fórum Mundial da Água na região subsaariana
A nona edição do Fórum Mundial da Água, o maior evento internacional sobre o tema, marcará pela primeira vez o encontro na África subsaariana. O 9º Fórum Mundial da Água, co-organizado pelo Conselho Mundial da Água e o Governo de Senegal, irá acontecer na região metropolitana de Dakar durante a terceira semana de Março de 2021, sob o lema “Segurança Hídrica para a Paz e o Desenvolvimento”. O evento mobilizará líderes mundiais, especialistas e a sociedade civil para abordar o acesso à água potável e ao saneamento, assim como assuntos relacionados de maneira integrada.
“O propósito do Fórum Mundial é aproximar especialistas e profissionais no tema dos tomadores de decisões. Nós queremos que ministros, chefes de Estado, deputados, autarcas e presidentes de câmaras municipais participem activamente do Fórum, troquem experiências e conhecimentos e mobilizem a si mesmos em prol do uso racional da água e a segurança hídrica global”, explicou o presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga.
A variabilidade climática continua a ter efeitos devastadores à escala global. Secas e inundações aumentaram em todo o mundo e a previsão é que piorem até o ano de 2030. O Conselho Mundial da Água entende que assegurar o abastecimento hídrico significa aumentar fluxos financeiros para a infra-estrutura da água, reforçar a governação e a gestão eficiente e desenvolver o conhecimento e as capacidades.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 866 de 4 de Julho de 2018.