A vulnerabilidade dos países pobres

PorJorge Montezinho,8 jul 2018 7:02

Água, agricultura, segurança alimentar, preço da comida. As mudanças no clima da terra continuam e não se vêem soluções no horizonte. Pelo contrário, os cenários traçados para o futuro são cada vez mais sombrios, e os que menos têm são os que mais se arriscam a ficar sem nada.

Cabo Verde chamou a aten­ção para as mudanças climá­ticas e os impactos nos peque­nos países insulares na última sessão ordinária da União Africana. Como sublinhou, na passada sexta-feira, o ministro da Indústria, Comércio e Ener­gia, “em Cabo Verde, quando não são chuvas diluvianas que destroem infra-estruturas e es­forços empreendidos durante vários anos, são secas extremas pondo em causa a sobrevivên­cia de muitas famílias, princi­palmente aquelas que vivem da agricultura e da criação do gado. E é o que nos está a acon­tecer de 2017 a esta parte, em que não choveu praticamente nada no país, contribuindo as­sim para que estejamos a en­frentar uma das piores secas dos últimos 36 anos”.

Segundo Alexandre Monteiro, “este é um exemplo concreto em quão nefasto podem ser os efeitos das Mudanças Climáticas, ao que apelaríamos uma maior atenção e uma sensibilidade cada vez mais forte da nossa organização sobre esta matéria”.

A 31ª Sessão Ordinária da Conferencia dos Chefes de Es­tado e do Governo da União Africana, que decorreu em Nou­akchott, na Mauritânia, sob o lema do combate à corrupção, mas o governante cabo-verdiano aproveitou para deixar um aler­ta sobre um tema que continua na ordem do dia. Também este fim-de-semana, a FAO e o El País voltaram a publicar mais um livro da colecção “O Esta­do do Planeta” e o destaque vai exactamente para as alterações climáticas, a agricultura, a água e como a relação entre eles com­plica o desafio de alimentar a po­pulação mundial. As conclusões são preocupantes.

Nos países mais pobres, um prato de comida básico pode custar grande parte do ordena­do diário de uma pessoa e em alguns casos ultrapassa esse va­lor [entende-se que um prato de comida básico contém legumes, carboidratos (arroz, feijão, lenti­lhas, pão, etc.) azeite vegetal, to­mates, cebola e água]. É o mes­mo que dizer que vivemos num mundo de disparidades (em Nova Iorque uma pessoa gasta 0,6% do seu rendimento diário em alimentação, enquanto que no Sudão do Sul esta percenta­gem é de 155) em que a pobre­za, junto com os conflitos ou os desastres naturais, deterioraram o poder aquisitivo dos mais vul­neráveis ao ponto de deixarem de poder comer. Em Cabo Ver­de o cenário também se mostra complicado, se usarmos como média de rendimento o salário mínimo nacional – 11.000$00 – e o compararmos com o preço, por exemplo, de um prato de ca­chupa – uma média de 250$00 - vemos que um cabo-verdiano gasta 68% do seu ganho diário num prato de comida.

É já uma certeza que as mu­danças climáticas prejudicam essencialmente os mais pobres [90 por cento da população po­bre a nível global – pessoas que vivem com menos de 1,25 dó­lares por dia – vive no Sudeste Asiático e Pacífico e na África subsaariana]. Três em cada qua­tro desses mais pobres sobrevi­vem graças a actividades muito sensíveis ao clima, como a agri­cultura e a criação de gado, e têm muito menos recursos para proteger-se dos impactos.

Em relação à África subsaa­riana, e segundo os dados da FAO, as mudanças climáticas aumentarão a incidência dos anos extremamente secos. Mas os choques não se farão sen­tir apenas na agricultura, até 2050, a descida da produção pesqueira na África Ocidental reduzirá o emprego no sector em 50 por cento. Além disso, o abate de árvores, a degradação e os incêndios vão reduzir dras­ticamente as zonas florestais da sub-região do continente.

No meio de todo este equilí­brio cada vez mais precário, a grande questão que se põe é se com o contínuo crescimento do número de habitantes no pla­neta, teremos água potável su­ficiente para toda a gente. Uma pergunta para a qual ainda não há resposta. O mundo contém, aproximadamente, 1.400 mi­lhões de quilómetros cúbicos de água, mas apenas 0,003% desta enorme quantidade é água doce (cerca de 43.022 quilómetros cúbicos), ou seja, água que pode ser usada para beber, para a hi­giene, para produzir alimentos e para os processos industriais. A nível mundial, estima-se que 70% deste recurso é usado na agricultura (para produzir ali­mentos), 19% na indústria e 11% são para uso doméstico. Mas nem toda esta água está aces­sível, na verdade, apenas estão disponíveis para uso humano entre 9.000 e 14.000 quilóme­tros cúbicos.

Cabo Verde e a Água

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Em Cabo Verde, a água é um dos recursos pelo qual a popu­lação reconhecerá os efeitos da mudança do clima, conside­rando as prováveis alterações nos modelos de precipitação e consequente disponibilidade de água, como se lê na terceira comunicação nacional de Cabo Verde para as alterações climá­ticas, de Dezembro de 2017. No país, existe uma sazonalidade bem marcada com estações se­cas e chuvosas, de forma que no final do período seco pode-se observar caudais, subterrâneos e superficiais, muito abaixo da média e inclusive ausência de água em algumas fontes.

As águas subterrâneas estão entre os recursos naturais de maior importância. O uso cres­cente das águas subterrâneas, a redução do volume de água potável e consequente procura, a salinização e a contaminação dos aquíferos costeiros tem-se tornado num dos problemas mais preocupantes nas ques­tões de gestão dos recursos hí­dricos subterrâneos, uma vez que são considerados reserva­tórios estratégicos.

As mudanças climáticas ocorridas no país, refere tam­bém o documento, sucedem­-se a um ritmo cada vez mais acelerado, em que se assiste a uma crescente vulnerabilidade social, ambiental, económica e política.

Cabo Verde, de modo geral, possui uma reduzida oferta de água e esse recurso natu­ral encontra-se distribuído de maneira diferente no território nacional e tem diferentes ori­gens.

Dentre as origens de água doce destacam-se os recursos hídricos superficiais e subter­râneos. Outras fontes de recur­sos hídricos poderão também ser avaliadas, como a dessalini­zação de águas salobras ou sa­linas e a reutilização das águas residuais, em alguns conce­lhos, na irrigação.

Para determinar o volume de água que será necessário disponibilizar para fazer face às crescentes necessidades de consumo, levou-se em conta o Plano Estratégico Nacional de Água e Saneamento (PLENAS) que pretende atingir 40litros/habitante/dia em abasteci­mento por chafariz e 90litros/habitante/dia em ligações do­miciliárias à rede pública.

Tendo por base os valores de referência praticados pelas Na­ções Unidas (1997) verifica-se que na ilha de Santiago a dis­ponibilidade hídrica subterrâ­nea por habitante é de 278 m3/habitante/ano, nível considera­do como escassez, enquanto as ilhas de Santo Antão e do Fogo apresentam disponibilidade de recursos hídricos nos níveis considerados de stress (500 a 1000 m3/habitante/ano.

Segundo a mesma fonte, a situação em termos de dispo­nibilidade hídrica para o país é considerada como de escassez (disponibilidade hídrica me­nor do que 500 m3/habitante/dia), e as restantes ilhas (Sal, Maio, Boa Vista, São Vicente) apresentam uma média plu­viométrica inferior a 100 mm, indicando a necessidade da implementação dos respectivos planos directores de recursos hídricos, necessidade de inten­sas actividades de gestão e de grandes investimentos aten­dendo aos indicadores de sus­tentabilidade para os recursos hídricos da ONU.

Em Cabo Verde, os usos mais comuns e frequentes dos recur­sos hídricos são: água para uso doméstico, irrigação, e uso in­dustrial.

O declínio na produção agrí­cola em áreas que dependem exclusivamente da água das chuvas levaria ao agravamento do problema da segurança ali­mentar.

A decadência na produção afectaria não apenas o consu­mo e nutrição da população dependente da agricultura, como também levaria a uma consequente redução nos níveis de renda limitando o poder de compra dessa população o que se traduziria num agravamento do nível de pobreza no país.

Os volumes explorados nas quatros ilhas onde mais chove, tendo em conta os pontos de água facturados durante o ano 2016 foram os seguintes:

Santiago – 5.961.175,15 m3

Fogo – 1.012.782,69 m3

Santo Antão – 976.364,00 m3

São Nicolau – 351.846,00 m3

Desses volumes, 49% foi uti­lizado na agricultura, 43% no abastecimento, 6% para fins industriais e 2% para dessalini­zação.

Segundo os dados do IMC-2016, 64,1% da população cabo­-verdiana abastece-se através da rede pública de abasteci­mento, 8,1% através de vizi­nhos, 13,2% através de chafariz, 5,5% através de autotanques e 9% ainda abastece a partir de outras fontes. O meio urbano apresenta melhor cobertura de água em termos de rede públi­ca com 69,2%, já o meio rural apresenta um valor de 53,8%.

Senegal recebe primeiro Fórum Mundial da Água na região subsaariana

A nona edição do Fórum Mundial da Água, o maior evento internacional sobre o tema, marcará pela primeira vez o encontro na África sub­saariana. O 9º Fórum Mundial da Água, co-organizado pelo Conselho Mundial da Água e o Governo de Senegal, irá acon­tecer na região metropolitana de Dakar durante a terceira se­mana de Março de 2021, sob o lema “Segurança Hídrica para a Paz e o Desenvolvimento”. O evento mobilizará líderes mun­diais, especialistas e a socieda­de civil para abordar o acesso à água potável e ao saneamento, assim como assuntos relacio­nados de maneira integrada.

“O propósito do Fórum Mundial é aproximar especia­listas e profissionais no tema dos tomadores de decisões. Nós queremos que ministros, chefes de Estado, deputados, autarcas e presidentes de câ­maras municipais participem activamente do Fórum, tro­quem experiências e conheci­mentos e mobilizem a si mes­mos em prol do uso racional da água e a segurança hídrica global”, explicou o presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga.

A variabilidade climática continua a ter efeitos devasta­dores à escala global. Secas e inundações aumentaram em todo o mundo e a previsão é que piorem até o ano de 2030. O Conselho Mundial da Água en­tende que assegurar o abasteci­mento hídrico significa aumen­tar fluxos financeiros para a in­fra-estrutura da água, reforçar a governação e a gestão eficiente e desenvolver o conhecimento e as capacidades.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 866 de 4 de Julho de 2018.

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Autoria:Jorge Montezinho,8 jul 2018 7:02

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  9 jul 2018 11:15

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