Algumas melhorias, questões kafkianas e uma justiça que ainda “não satisfaz”

PorSara Almeida,27 out 2018 10:34

​Com o novo regimento da Assembleia Nacional, o debate sobre a Situação da Justiça já não teve honras de abertura do ano parlamentar, que, aliás, arranca agora mais cedo. A ligeira melhoria na morosidade, o processo kafkiano de introdução do SIJ e as alterações legislativas em curso são alguns dos temas aqui mostrados.

À voz dos Conselhos Superiores juntamos duas entrevistas aqui compiladas – uma à ministra da Justiça, Janine Lélis, e uma outra com a Presidente da 1ª comissão, a Deputada Joana Rosa – na senda de perceber a situação da Justiça.

Os relatórios Conselho Superior de Magistratura Judicial (CSMJ) e do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), que constituem por norma o ponto de partida do debate, foram entregues na Assembleia, em Setembro, divulgados e comentados desde então. A Comissão Especializada de Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos, Segurança e Reforma do Estado (CE- ACDHSRE) também já encetou, de 15 a 23 de mês, o habitual conjunto de audições com diversos responsáveis por instituições da justiça e visitas no terreno a diferentes entidades ligadas ao sector (Tribunais, Conservatórias, ONGs, Polícia, Cadeia e centro de detenção juvenil, entre outras). Concluídos estes trabalhos preliminares nos quais o debate se apoia, que dizer sobre o Estado da Justiça? E qual a visão da tutela/governo?

Morosidade decresce, mas ainda há muito a fazer

A morosidade é uma das principais queixas que, ao longo dos anos, se colocam com relação à Justiça. É motivo de falta de confiança na mesma, de sensação de uma certa impunidade, que leva à descrença e ao não recurso aos seus serviços. Uma queixa válida e que urge resolver, reconhecem todos os operadores de justiça.

É assim com alguma satisfação que se receberam os números apresentados pelos Conselhos Superiores (ver caixa).

“O retrato geral é de uma ligeira melhoria”, avalia Joana Rosa, Presidente da CE- ACDHSRE, também denominada 1ª Comissão.

Olhando o panorama, para a deputada importa agora, acima de tudo “fazer a avaliação do impacto da reforma legislativa levada a cabo com a revisão Constitucional de 2010 e posterior aprovação do pacote legislativo sobre o sector da Justiça (2011)”.

“Já passaram sete anos pelo que temos de avaliar os resultados dessa reforma”, reitera, salvaguardando que a mesma não foi ainda totalmente concretizada.

Falta, entre outros aspectos, instalar órgãos fundamentais como os juízos de pequenas Causas, ou o Tribunal de execução de pena, sendo que se “estas situações estivessem já resolvidas certamente teríamos outros resultados”, acredita.

De qualquer modo, a parlamentar destaca as melhorias verificadas, principalmente ao nível do Ministério Público, e “apesar de se poder constatar um número elevado em termos de processos que foram arquivados”. Essas melhorias terão tido correspondência com a instalação feita de “departamentos criados ao nível da reforma”, que permitiram melhores condições para o funcionamento deste órgão.

A satisfação da Tutela em relação a estes resultados é também relativa. “Há melhorias, mas ainda não satisfaz”, resume a ministra da Justiça. “Tendo em conta que a justiça é administrada em nome do povo, deve essencialmente dar respostas àquilo que é a exigência da sociedade, e não existe ainda essa percepção de satisfação em relação aos serviços da justiça”, explica Janine Lélis.

Seja como for, a ministra reconhece que há um salto na diminuição das pendências, a nível do Ministério Público.

Sobre se estamos perante uma questão qualitativa ou meramente quantitativa, para a ministra a resposta é relativa. Uma das percepções da tutela era de que o número das pendências seria elevado, em parte devido à acumulação de processos aos quais já não se poderia, por alguma razão (principalmente devido aos tempos devidos para instrução), dar resposta. Assim, seria importante “peneirar” os próprios processos, selecionando os que ainda reúnem condições para ser investigados e levados a cabo, para perceber a verdadeira dimensão das pendências. Essencialmente, para que o universo de processos a tratar seja o real e a Justiça, exequível.

Terá sido, aliás, nessa linha que o MP se organizou e criou uma equipa especial de redução de pendências. “Efectivamente um número significativo de pendências foram resolvidas”, e essa resolução passou também por arquivamentos e prescrição.

No ano judicial 2017/2018 o MP fez ainda “uma recontagem física dos processos, porque os números muitas vezes não batiam certo”. A Polícia Judiciária, por exemplo, devolveu-lhe mais de 12000 processos para apreciação. Isto porque há vários anos que aquela PJ já não pode investigar sem antes receber a delegação de competências do MP.

“Estamos num momento em que, realmente, [as coisas] começam a acontecer, começa-se a tentar pôr ordem e há aqui um esforço que deve ser reconhecido. Há trabalho feito e isso vê-se também pelo simples facto do MP insistir em fazer a fixação dos objectivos processuais por magistrado”, avalia a ministra.

Se no MP existe pois uma certa imposição no que diz respeito à produtividade dos magistrados, havendo um seguimento e um acompanhamento que é feito até que se chegue a um resultado final, o mesmo não acontece na Magistratura Judicial.

A esse nível, a contingentação de processos - que era de 300 processos por magistrados - encontra-se desfasada no tempo e “não sabemos se isto se aplica ou não se aplica”, aponta a ministra.

Nesse sentido, o Ministério da Justiça tem insistido em mostrar “ao CSMJ, que é quem faz a gestão dos tribunais, a necessidade de se fixar objectivos de referência processual para que afinal possamos perceber” melhor a situação, as necessidades e onde é que estas mais se fazem sentir. Esse exercício permitiria inclusive justificar o pedido de mais meios, por parte do CSMJ, que tem vindo a ser uma constante.

CSMJ reivindica mais juízes

Uma das recomendações do CSMJ é que, a par com a consolidação da bolsa de juízes, se aumente o número de juízes (bem como de oficiais de diligência), sendo que neste momento temos um ratio de 10 juízes por cada 100 mil habitantes e aspiração para dobrar o mesmo, plasmada no programa do governo.

Foi inclusive levantado um processo de recrutamento de dez novos juízes, entretanto já concluído (e é de referir que o procedimento concursal também se aplicou a 25 oficiais de justiça). No decurso desse processo, Bernardino Delgado, presidente do CSMJ disse em entrevista ao Expresso das Ilhas, acreditar que o procedimento deveria ser aproveitado “para reforçar ainda mais este sector recrutando mais juízes e oficiais de justiça”.

A perda de alguns juízes (por motivos diversos, nomeadamente para a reforma), a criação de novas estruturas (como o Tribunal de Pequenas Causas), bem como a necessidade de reforço de alguns Tribunais e da Inspecção, tornam ainda mais premente essa necessidade.

“Um juiz, em termos de impacto para o Orçamento Geral do Estado representa 2.000.000$00 (dois milhões de escudos) por ano, o que em face do impacto positivo que terá em matéria do cumprimento dos objectivos para o sector da justiça podemos dizer que não é nada”, acrescentou o presidente do CSMJ na referida entrevista.

Quanto à alegada falta de recursos humanos e recomendação, nesse quesito, do CMSJ, a tutela apela à necessidade de fazer uma “gestão provisional”, tendo em conta o recrutamento realizado de novos magistrados (entre 2007 e 2015, por exemplo, entraram para a Magistratura pelo menos 22) bem como a saída de outros, e por forma a não prejudicar o sistema. “Insisto sempre na necessidade de planificação sob pena de todos os esforços não se traduzirem naquilo que é a melhoria [da situação]”, sublinha Janine Lélis.

Tendo em conta, pois, que os meios devem ter como resultado o cumprimento de metas, a ministra exorta à apresentação de objectivos concretos e meios definidos para os alcançar, permitindo assim uma maior compreensão das verdadeiras necessidades do sistema.

Inspecção deficiente

Falando ainda na carência de RH, o CSMJ advoga que o exíguo quadro efectivo de juízes tem vindo a comprometer o funcionamento da inspecção na magistratura judicial cabo-verdiana. Além disso, e par com a falta de um sistema de incentivos para o cargo de inspector judicial, as exigências para o cargo de Inspector Superior (a lei a categoria de Juiz Conselheiro, enquanto requisito mínimo), também tem sido um impedimento ao preenchimento das vagas. A lei prevê três inspectores judiciais e actualmente só há um.

Uma lacuna que urge colmatar, até porque a “inspecção é importantíssima para os tribunais. Faz a avaliação dos juízes, dos tribunais do topo à base. Com o serviço de inspeção a funcionar de uma forma normalizada teríamos certamente resultados melhores, em termos de produtividade e decisões”, avalia Joana Rosa.

O CSMJ avançou com uma proposta de alteração da lei de Inspecção por forma a alargar o universo de juízes que podem ocupar esses lugares, algo que o governo acatou. Aliás, no Conselho de Ministros de 17 de Outubro foi aprovada a proposta de lei que altera essa Lei vigente, e que brevemente deverá dar entrada no Parlamento.

Esta alteração à lei, como explicita a ministra da Justiça, vai “dar mais margem de flexibilização para a composição da inspecção”, alargando o leque de quem pode assumir o cargo de inspector.

Contudo, tal poderá não significar a resolução do problema. Aliás, Joana Rosa considera que o alargamento do perfil do Inspector superior, por si só não resolve esta questão. Como exemplo, aponta o caso do Supremo Tribunal de Justiça, que já alegou, através do CSMJ, necessitar de assessores especializados, sem que no entanto tenha conseguido preencher as vagas.

Entretanto, no que toca ao MP, “o serviço de inspeção foi reforçado com mais dois inspetores e dois secretários, passando assim a dispor de três inspectores e três secretários”, lê-se no relatório desta instituição.

Quem quer ser assessor?

O STJ é, provavelmente, a instância que apresenta pior evolução nas pendências. Um elemento já identificado, já contemplado na lei, que poderia ter impacto altamente positivo na produtividade deste órgão é, precisamente a assessoria. Aos assessores, que por lei são integrados no Núcleo de Apoio, Documentação e Informação Jurídica (NADI) do STJ, compete-lhes apoiar os juízos conselheiros, libertando-os de trabalho de investigação e recolha de legislação e jurisprudência, agilizando todo o processo e acelerando as decisões, como referiu Bernardino Delgado ao Expresso das Ilhas.

Ora, a lei como referido contempla o cargo, mas não há interessados. Constou, há tempos, que havia sido aberto um concurso que ficou “deserto”. Essa informação não encontra eco na lei que estabelece este serviço, no que toca ao STJ (Lei n.º 80/VI/05, de 05 de Setembro), e que refere que os “Assessores do NADI são nomeados em comissão de serviço pelo Presidente do STJ”.

O problema também não será orçamental. No ano passado, aquando da visita da Ministra da Justiça ao STJ, questionou-se se a ausência de assessoria era uma questão orçamental. Informaram que havia garantia orçamental para contratação de 5 assessores”.

Porque esses cargos não foram preenchidos, é algo que ninguém ao certo parece saber responder.

O cargo parece não estar a atrair os profissionais de justiça e essa falta de interesse tem a ver, no entender de Joana Rosa, com a falta de incentivos do mesmo.

“Um assessor do STJ tem de ser um jurista sénior com uma capacidade muito notável e isso dificilmente encontrará uma pessoa disponível, com esse nível” para as contrapartidas dadas. Incluindo o salário. De cento e tal contos.

Janine Lélis, por seu turno, diz não entender a razão dessa falta de interesse, sendo que assessorar um STJ, em função do caminho que esse profissional trilhasse, “é algo de muito prestígio para o currículo de qualquer pessoa”.

Entretanto, o CSMJ recomenda também que se altere “a lei de molde a criar uma previsão normativa que acomode a assessoria nos Tribunais de segunda Instância”, designadamente nos Tribunais da Relação.

De acordo com a ministra, já se está a trabalhar nesse sentido e as alterações à lei de 2011, já o contemplam. Contudo, Janine Lélis apela a uma certa racionalidade, tendo em conta o caso do STJ (onde essa figura existe na lei mas não na prática), e o facto dos Tribunais da Relação terem começado a funcionar há, relativamente, pouco tempo.

À margem destas intervenções, recorde-se que a referida lei (a Lei n.º 88/VII/2011, de 14 de Fevereiro, que define a organização, a competência e o funcionamento dos tribunais judiciais, e cuja alteração também já foi aprovada no Conselho de Ministros de 17 de Outubro), no que toca à Bolsa de Juízes auxiliares (que ainda não está consolidada) prevê que enquanto estes “aguardam a distribuição de tarefas, desempenham funções de assessoria no STJ ou nos Tribunais da Relação”.

Localização de TR Sotavento não agrada

Também em relação ao número de juízes do Tribunal da Relação tem havido apelos à necessidade de um aumento. Neste momento são três, o que não permite a divisão em secções, sendo que a alteração à lei prevê igualmente alterações neste sentido. Por outro lado, sendo que o STJ ficou aliviado em termos de movimentação de processos pela instalação, em 2017, dos Tribunais da Relação, o seu número actual de Juizes (7) também poderá ser reequacionado.

“Isto é matéria de 2/3 (como aliás todas as questões da Justiça). Vai ao parlamento, para discussão, e penso que aí se pode encontrar a melhor opção para se fazer o justo equilíbrio”, aponta Janine Lélis, reiterando a necessidade, de fixação de objectivos, as referências processuais, para consubstanciar as propostas.

No que toca aos Tribunais da Relação, a maior crítica prende-se, porém, com a localização do TR de Sotavento. “Critérios estritamente políticos não deveriam presidir opções eminentemente judiciais”, aventou, em entrevista ao Expresso das Ilhas, o presidente do CSMJ, Bernardino Delgado, que reprovava assim a escolha de Assomada para a instalação deste órgão.

Entre as principais razões para considerar “absurda” esta opção está o “facto de o grosso dos recursos que são tramitados neste Tribunal serem oriundos do Tribunal da Comarca da Praia, o que, aprioristicamente, torna imperceptível esta opção quer do ponto de vista da sua capacidade de resposta quer da alocação de meios”, disse.

Na sua preparação para o debate sobre a situação da Justiça, a 1º Comissão visitou o TR, pela primeira vez. “Tivemos um encontro com os juízes desembargadores, podemos constatar os problemas e constrangimentos que esse tribunal tem vindo a registar, mas também alguma inquietação em relação à localização”, conta a Presidente da Comissão.

Entre os problemas apontados estão a deslocação dos desembargadores, e [principalmente] o facto de a maior parte dos processos (cerca de 70%) que sobem ao TR serem provenientes da comarca da Praia, corrobora Joana Rosa.

Entretanto, outros procedimentos relacionados com a “presença dos advogados, as conferencias que são feitas nesses tribunais, o pagamento do preçário inicial”, bem como a “própria segurança dos processos, pela forma como os processos são transportados”, entre outros, foram também apontados durante a visita.

“Há uma serie de questões que precisam ser equacionadas. Acho que essa situação não deve ser descurada, temos de a debater”, considera a deputada.

A ministra da Justiça, por seu lado, recorda que esta localização foi uma decisão do Parlamento (maioria de 2/3), com voz favorável do MpD e do PAICV, e tomada já em 2011.

Desde então e até à sua instação “não houve pronunciamento nenhum, não se levantou a questão”. Esta contestação surge depois de o executivo ter gasto 180 mil contos nas obras de remodelação do Palácio de Justiça de Assomada, para instalação do TR de Sotavento, observa a ministra.

Quanto às críticas que dizem que essa localização põe em causa a produtividade dos Juízes, Janine Lélis argumenta que a lei estipula que estes devem residir na sede das comarcas (usufruindo incluindo de subsídio de renda de casa, para poderem instalar-se “onde forem colocados em função das necessidades de gestão”).

E contra-argumenta igualmente o facto de a maior parte dos processos serem encaminhados da Praia: “O Supremo Tribunal de Justiça está na Praia e todo o território nacional manda processos para o STJ. Temos um TR em São Vicente e outro na Praia, mas todo o país remete os processos para esses TR”. De qualquer forma, sublinha, esta seria uma questão que ficaria resolvida se o muito esperado Sistema de Informação de Justiça já estivesse a funcionar.

SIJ

Ora, isto leva-nos a um processo Kafkiano: o Sistema de Informação de Justiça (SIJ).

É entre as “questões” de justiça, provavelmente a mais consensual, e não há quem não refira os ganhos substanciais que o SIJ trará ao sector.

Entre as vantagens desta plataforma está a tramitação electrónica, estatísticas actualizadas, mostrando onde estão as principais deficiências e facilitando a actuação da própria inspecção, permite o acompanhamento do estado do movimento processual, etc. A portabilidade e facilitação de gestão é pois evidente e o SIJ inclui ainda formulários de despacho electrónicos.

Apesar da expectativa, a criação e implementação deste sistema está-se a revelar (mais) um processo repleto de dificuldades e obstáculos novos a surgir a cada instante.

O projecto começou em 2006 e desde então, o Ministério da Justiça e o governo já investiram mais de 400 mil contos no SIJ, “que ainda não está a funcionar”.

“No SIJ, nós financiamos e quem materializa e executa o projecto é o Conselho de Gestão, que funciona por indicação de membros dos dois Conselhos. Inclusive, tem para o seu funcionamento, parte do orçamento do CSMP, explica Janine Lélis.

Actualmente, o sistema está – de acordo com um relatório entregue ao Ministério da Justiça pelo Conselho de Gestão -, ainda em fase bastante inicial. Uma situação de que o MJ se demarca precisamente por a gestão ser dos Conselhos.

A ministra também não avança datas para a entrada em funcionamento do SIJ, até porque já várias datas indicativas foram estabelecidas sem sucesso.

A cada passo uma dificuldade. Quando o actual governo entrou em funções, “a informação era de que ainda não se tinha avançado por que faltava uma alteração da lei para que os certificados pudessem ser feitos no exterior.” Isso foi feito.

Entretanto, em Março deste ano foi lançado o cartão de uso no sistema, que identifica o utilizador do mesmo, pemitindo assinar as peças processuais, para além de se credenciar no sistema. “Financiamos os cartões, 16 mil contos”, recorda a ministra.

Quanto à recomendação do CSMJ, que consta no relatório, de proceder a uma auditoria externa ao SIJ “antes da sua entrega definitiva por parte de Aveiro ao Ministério da Justiça e de esta instituição aos Conselhos Superiores das Magistraturas”, a Ministra da Justiça considera-a extemporânea uma vez que o sistema ainda não está a funcionar.

Como contraponto ao SIJ, mostrando um projecto que no, seu entender, correu bem, devido a uma eficaz planificação estratégica, a ministra refere o caso do cartão nacional de identificação, lançado pelo MJ no Paúl, em Janeiro, a título de projecto-piloto e que depois se foi alargando a todo o território nacional.

De qualquer forma, sublinha Janine Lélis, quando funcionar, o SIJ trará efeitos tremendos, positivos na Justiça em Cabo Verde. “Agora falta é funcionar”.

O SIJ foi também tema das audições da 1ª Comissão, sendo que, segundo Joana Rosa, “nem o o próprio CSMJ soube explicar o porquê de ainda não entrar em funcionamento.”

A Comissão conhece também os constrangimentos, da necessidade de alteração legislativa, à emissão dos cartões. “Agora, de repente, há outros problemas que vão surgindo...” Quanto às responsabilidades a serem assacadas, Joana Rosa reconhece que não se sabe quem as tem. “Temos é que acompanhar, chamar a atenção para a necessidade de se avançar com este processo, porque isso ajudaria, e de que maneira, os tribunais e as partes, e os cidadãos ficariam certamente mais satisfeitos. O processo seria bem mais ágil, menos moroso em termos de procedimento se estivesse no sistema”, refere.

Tribunais das pequenas causas e outras novidades

Entretanto, vai-se avançando no que está previsto na reforma do sector.

A ministra da Justiça, faz uma revisão salientado que o foco essencial do governo tem sido implementar a organização judiciária - “Por isso é que fizemos a instalação dos TR, que estava prevista desde 2011, fizemos as obras para garantir o funcionamento dos departamentos [acção penal e contencioso do Estado] do MP, estamos a avançar com o Tribunal das Pequenas Causas (TPC) e com o Tribunal de execução de penas”.

Em relação ao TPC, foi acatada a recomendação do CSMJ, que aumentou o valor das causas sob alçada deste órgão, de 250 contos (contemplados na previsão normativa), para 500. Isto porque os processos enquadrados no anterior valor não eram em número significativo para justificar a sua criação.

Agora, a sua criação, na Praia, e nesses moldes está contemplada na já referida Lei da organização e funcionamento dos tribunais, que será levada ao Parlamento.

Há, entretanto mais novidades no novo pacote legislativo, nomeadamente “a fixação dos objectivos processuais para a Magistratura judicial”. No entender de Janine Lélis, esta era uma questão que “não precisaria de estar na lei porque seria parte da gestão”, mas optou-se por um maior instigação, legal, “para materializar”.

Entretanto, e para além dessa lei, pretende-se o “desdobramento do Tribunal de Família na Praia (a capital passa a ter dois), e a criação na comarca de São Vicente do Juízo de Família, Menores e Trabalho. “

E há várias outras novidades.

“Não nos falta visão, nem estratégia, nem vontade, nem querer fazer. Temos é que ter os meios que se mostram necessários e fazer a priorização”, resume a Ministra da Justiça.

Julgamento de arguidos ausentes

Muitas alterações. Uma já feitas, outras em cursos. Na calha, para alteração no próximo ano, estão ainda ao Código Penal e o Código do Processo Penal (CPP).

Os relatórios dos Conselhos Superiores trazem este ano recomendações para alteração arguidos ausentes. Joana Rosa salienta este problema, que tem afectado a situação da Justiça, levando ao arquivamento ou pendências.

“A lei não permite julgamento nas ausências. O que os tribunais estão a propor é a alteração do código penal e do código do processo penal para permitir o julgamento desses casos, de pessoas que recebem [como medida de coação] o Termo de Identidade e Residência, fogem à justiça, não são julgadas e fica-se por aí. A proposta do presidente da Associaçao dos magistrados judiciais é no sentido da alteração do código penal pela introdução da figura de contumácia para criação de condições de julgamento desses arguidos”, explicita a deputada.

Para a ministra da Justiça, as recomendações para este constrangimento, que é pela primeira vez levantado, são pertinentes e serão levadas em conta na nova proposta legislativa do CP e do CPP, já prevista.

Investigação mais rápida e melhor

Do lado, especificamente, do Ministério Público, ressalta o presidente do CS e Procurador Geral da República, que o maior desafio é a” necessidade de reduzir o tempo de investigação”, por forma a dar respostas mais céleres.

Para responder a esse desafio, e de acordo com declarações aos jornalistas no fim da sua audição com a CE-ACDHSRE, impõe-se criar condições para que a Polícia Nacional possa ter condições para assumir a investigação criminal como uma das suas prioridades”, como recomenda o relatório desta instituição. Algo que aliás, a proposta para a Lei de investigação criminal já contempla.

Actualmente, a PN conta com mais de 1800 agentes, enquanto a PJ tem, com a entrada de 55 novos agentes, quase 200. Os dados mostram, entretanto, que mais de 80 por cento da criminalidade em Cabo Verde é de pequena e média dimensão. Mais ainda, a PJ, embora tenha jurisdição a nível nacional, apenas tem representação na Praia, São Vicente, Sal e Boa Vista, sendo que nesta última, está essencialmente orientada para questões aeroportuárias por causa do intenso tráfego turístico.

O que se pretende agora , explica a Ministra da Justiça, é fazer “uma melhor repartição das competências entre as polícias, para que a PJ fique incumbida da criminalidade mais complexa e a PN, que tem presença efectiva em todo o país, possa cuidar de questões de menor criminalidade”.

De acordo com Janine Lélis, esta foi aliás, “uma das primeiras reformas legislativas” do actual governo. “Mas houve um certo compasso de espera para permitir que sejam criadas as questões orçamentais para a PN poder assumi essas novas funções, que vão decorrer desta alteração da lei, a partir de 2019”, justifica.

Entretanto, na análise que Joana Rosa faz sobre os constrangimentos do MP e das Polícias apurados em audição, a principal questão tem a ver com esse “ relacionamento [do MP] com os outros órgãos auxiliares de justiça, a PJ e a PN. Esta situação tem vindo a ser constatada ao longo de vários anos”. Cada parte tem o seu entendimento do problema e é necessário, acima de tudo uma maior articulação entre essas instituições para que “possamos ter maior eficácia em termos de investigação criminal”.

Testes de ADN a partir do fim do mês

“Há imensas prioridades entre as prioridades, e a exiguidade orçamental é sempre um grande desafio”, salienta a Ministra da justiça.

Encontram-se pendentes mais de 5.400 casos de averiguações oficiosas de paternidade e os crimes sexuais aumentaram 57,4% em relação ao ano judicial anterior. Um dos principais métodos para resolução destes casos e crimes é o teste de ADN, que, como admite a ministra, “é uma questão que se coloca há muito tempo no país”.

A partir do final do mês, a realização desses exames já deverá ser possível. A razão da demora é mais uma história kafkiana.

O laboratório da PJ já tem equipamentos há bastante tempo, mas não havia reagentes. Vieram reagente, era necessária manutenção. Agora, com tudo a postos, uma vez que é um procedimento novo, virá um especialista português para acompanhar os procedimentos, durante um determinado período. Chega no dia 30. Isto quer dizer, que, finalmente, “os testes começarão a ser feitos”, avança a ministra.

Sistema prisional

Outros temas que certamente farão parte deste debate da Justiça. As reformas que têm sido feitas no sentido de, directa ou indirectamente melhorar o ambiente de negócios deverão estar sobre a mesa.

E também a questão do sistema prisional deverá ser objecto de debate. A este nível, há a destacar, após a contratação de mais 50 guardas prisionais, intervenções a nível da própria gestão prisional, e investimentos que ascendem a “mais de 400 mil contos de 2016 para 2018”, que se apaziguaram algumas preocupações.

Com as medidas tomadas e obras feitas, acredita-se que Cabo Verde sairá melhor cotado nos relatórios internacionais que têm vindo a mostrar as fragilidades do país a esse nível.

Quanto às expectativas para o debate desta semana, diz Janine Lélis, que este permita “reflectir para chegar às opções realizáveis no nosso país e que possam garantir a integração do sistema para o seu melhor funcionamento” e consequentemente trabalhar “para que a justiça satisfaça os interesses dos cabo-verdianos, da sociedade”.


Menos pendências

As estatísticas apresentadas no relatório do CSMJ mostram que se registaram, na primeira instância, 11.980 processos pendentes, um ligeiro decréscimo face ao ano anterior (quando transitaram 12.196 processos). Nos tribunais da Relação ficaram pendentes 350 no Sotavento e 228 no Barlavento. O Supremo Tribunal de Justiça tem pendentes 79% dos processos aí entrados, mas, apesar dessa prevalência, viu diminuir as pendências em 12,1%, em relação a 2016/2017. Quanto ao Ministério Público, de um total 131 109 processos movimentados, transitaram 82 145, sendo a redução das pendências de 18,3%. Tudo isto foi conseguido graças “aos resultados obtidos pela equipa especial de redução de pendências criada na Procuradoria da República da Comarca da Praia”. De destacar que quase 70% das Procuradorias ultrapassaram os valores de referência processual fixados pelo CSMP, uma superação que, a nível nacional, foi de 163,2%.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 882 de 24 de Outubro de 2018.

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Autoria:Sara Almeida,27 out 2018 10:34

Editado porDulcina Mendes  em  29 out 2018 11:05

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