Vai-se realizar este fim-de-semana a Gala do Desporto em Santo Antão. O que é que isto significa para o governo, qual é o papel do desporto?
O que se pretende é demonstrar que o desporto conta para o desenvolvimento de Cabo Verde, que o desporto é um activo económico que está a contribuir para o desenvolvimento do nosso país. Por isso mesmo, o lema deste ano é “Promover o desporto e engrandecer Cabo Verde”. E a promoção do desporto ligando-o, por um lado, ao turismo e aos eventos desportivos para diversificarmos o nosso produto turístico, ligando à promoção do desporto a todos, ligando à competição, mas acima de tudo ligando o desporto a uma escola de valores e cidadania. É isso que vamos celebrar em Santo Antão. Celebrar o desporto de competição a promoção de valores, celebrar o desporto enquanto promoção de Cabo Verde e como motor e catalisador de um bom cidadão.
O desporto é então encarado pelo governo como uma forma de prevenção da criminalidade e de outros problemas?
O desporto pode servir para a prevenção mas pode servir acima de tudo para a inclusão social, porque permite aos jovens ascenderem socialmente. Mas o que defendemos no desporto são os valores que este transmite. Um jovem que sabe ganhar também sabe perder, que sabe o valor do trabalho em equipa, que sabe o valor do cumprimento das regras, que sabe que se não trabalhar muito não ganha, que sabe que tem de trabalhar sempre em equipa para poder ganhar, naturalmente é um melhor cidadão e está em melhores condições de prestar um melhor serviço a Cabo Verde. Nesta parte estamos a fazer um investimento forte e isso também contribui para a inclusão social e a prevenção. Em segundo lugar nós também estamos a usar o desporto como factor de indução e do crescimento económico. Fazendo uma legislação para que haja melhores atletas que possam promover o nosso país - neste quadro já temos aprovado a Bolsa Atleta, o regime de Atleta de Alta Competição, o Estatuto de Utilidade Pública Desportiva - vamos agora aprovar o regime jurídico das selecções, o regime jurídico das associações desportivas, das escolas de iniciação desportiva. Tudo isso para enformarmos o sistema para que, de facto, o desporto contribua para o desenvolvimento nacional. Em terceiro lugar temos o desporto como factor de promoção internacional de Cabo Verde. Através da realização de eventos desportivos podemos colocar Cabo Verde no mapa na nossa região e no mundo ao nível do desporto. Um grande objectivo do governo é fazer de Cabo Verde uma plataforma especializada de organização de eventos desportivos. Neste quadro já quase normalizamos o circuito mundial de kite-surf, vamos organizar os Jogos Africanos de Praia no próximo ano, vamos organizar a fase final do Campeonato Africano de Clubes Campeões de Andebol Sénior Feminino, vamos organizar o AfroBasket de Sub17, vamos organizar, em 2024, o CAN de Andebol Sénior Feminino... Isto sem contar que estamos a trabalhar para a certificação da pista do Estádio Nacional, para que se possam lá receber competições de atletismo aqui da nossa região e temos um centro de referência a nível de formação aqui no Estádio Nacional, no Centro de Estágios em São Vicente e no Estádio Municipal no Sal que são estádios que têm condições para que se desenvolvam actividades desportivas de formação com o objectivo de depois alargarmos para todas as ilhas de Cabo Verde. O desporto está talhado e calibrado para a inclusão social, a competição, escola de valores, promoção da imagem de Cabo Verde e crescimento económico.
E como é que se combate a fuga de talentos. Há casos diversos em Cabo Verde como o de Jovane Cabral ou Matchu Lopes. Como se pode impedir a fuga de talentos para países que desportivamente estão mais avançados e são mais atractivos?
Criando centros de formação desportiva. Por outro lado fazendo uma revisão profunda da legislação das escolas de iniciação desportiva, que é o que estamos a trabalhar, e incutindo nesses jovens talentos os valores de Cabo Verde. Naturalmente que haverá sempre aliciamento, quem queira levar os atletas para outros patamares tendo em conta o negócio no mundo do desporto. Mas nós estamos a fazer de tudo para proteger os nosso atletas e uma forma de os proteger é permitir que quando saiam do nosso país - quando saírem - o façam convictos que têm de representar a selecção nacional. Isso passa por um programa intensivo de formação mas também de reestruturação de todas as escolas de iniciação desportiva. Neste momento está a ser feito um grande trabalho para que cada vez menos jovens estejam disponíveis para trabalharem numa selecção estrangeira. É um trabalho que tem de se continuar mas que não vai impedir que, no futuro, haja um ou outro jovem que queira representar uma selecção estrangeira. Mas a nossa obrigação enquanto governo é blindar os nossos jovens no sentido de serem bons cidadãos, de estarem muito bem formados, que encarnem muito bem a cabo-verdianidade e estejam em condições de representar o nosso país. Mas não podemos esquecer que quem forma, forma talentos para estarem em toda a parte do mundo.
A fraca assiduidade de Cabo Verde nas grandes competições desportivas internacionais também é um factor que promove essa fuga de talentos?
Sim. E é por isso que temos de fazer um trabalho forte de formação. A questão vai sempre cair na formação, por isso é que estamos a criar o Centro de Rendimento, por isso é que estamos a criar a Bolsa Atleta, o Estatuto de Atleta de Alta Competição. Tudo isso vai permitir criar robustez institucional, legal e financeira para formarmos melhores atletas. E um atleta mais bem e com talento vai dar-nos uma selecção nacional muito mais forte. E essa selecção mais forte estará nos grandes palcos e estando lá haverá muito menos fuga de talentos nacionais para outros países.
As federações desportivas são também da sua tutela. Um dos problemas que mais se ouve falar é o do financiamento para poderem participar nessas competições internacionais. O que é que está a ser feito em relação a isso?
Nós temos aumentado de forma clara o financiamento às federações desportivas. Naquilo que é o orçamento do desporto quase 80% é para financiar as federações. Neste momento, o Estado é quase o único grande financiador do desporto e o Orçamento do Estado não é elástico, tem limitações. Estamos a trabalhar no sentido de aumentarmos o investimento com mais retorno nas formações, por isso é que estamos a incentivar a participação das selecções nacionais nas competições internacionais de formação, isso é que faz com que uma geração inteira tenha mais condições de participar quando chegar a nível sénior. Por outro lado, temos de olhar para a nossa economia e dizer que há que aumentar a comparticipação do desporto pelas empresas. Isso passa por uma abordagem que não passa tanto pelo mecenato mas mais pelo patrocínio e nós queremos criar uma lei do patrocínio que torne muito atractivo para as empresas investirem no desporto e fazendo com que a nível dos jogos sociais haja, também, engajamento no financiamento do desporto.
A profissionalização também é o caminho?
É um caminho natural. Havendo mais competições, melhores atletas virão, com certeza, e melhores dirigentes. E a exclusividade para a prática desportiva irá exigir a profissionalização. Mas o desporto tem de gerar recursos que permitam a profissionalização dos seus agentes.
Falava há pouco dos eventos desportivos que vão acontecer em Cabo Verde. Já para o ano temos os Jogos Africanos de Praia e a fase final do Campeonato Africano de Clubes Campeões de andebol sénior feminino. A nível de infraestruturas, Cabo Verde tem condições para realizar este tipo de eventos?
Temos condições para receber as competições nos próximos anos, mas essas competições têm de deixar um legado para o país. E que legado é esse? É o das infraestruturas que ficam para o país, nós vamos investir na reabilitação e nas infraestruturas para os desportos de pavilhão - andebol, basquetebol, volley - e esse legado vai permitir melhorar muito a prática desportiva. O segundo legado é o know-how que o país adquire e lhe permite aumentar muito a sua capacidade de gestão da actividade desportiva. E em terceiro lugar permite que Cabo Verde comece a ser uma referência em termos de realização de eventos desportivos. Essa conjugação de factores faz com que estejamos a apostar muito forte na organização de eventos desportivos. Temos condições neste momento, mas iremos aumentar o número de pavilhões no país até 2024 e isso irá permitir que nos preparemos muito bem para recebermos em todo o território nacional o CAN2024.
O governo anterior tinha o projecto da Cidade Desportiva em torno do Estádio Nacional. Um projecto que nunca saiu do papel. Porquê?
Temos uma opção diferente. Optamos por criar condições para captarmos talentos em todas as ilhas de Cabo Verde, por termos um centro de referência a nível de formação em algumas ilhas, as que já têm condições para tal, e por criarmos à volta do Estádio Nacional um centro de formação que possa permitir ao nosso país desenvolver actividades desportivas a nível internacional. Sendo um país arquipelágico temos de criar condições em várias ilhas para podermos potenciar o nosso desenvolvimento, senão poderíamos criar condições de infraestruturas mas não teríamos condições de captação. Temos de ter condições de captação e de infraestruturas em todas as ilhas para que todo o país possa potenciar este desenvolvimento que queremos para o desporto. É muito mais eficaz e uma mais valia para o país termos uma cidade desportiva diluída por todo o país do que concentrada. Porquê? Porque temos o Estádio Nacional aqui em Santiago, temos pavilhões desportivos que podem desenvolver processos de formação nas várias modalidades, assim como poderíamos ter nas outras ilhas. É isso que estamos a fazer, levando para as outras ilhas um potencial de infraestruturas e de investimentos que permite a formação, a captação, o desenvolvimento de jovens. Porque os jovens para se desenvolverem têm, muitas vezes, que sair de casa dos pais e isso acarta outros investimento que também estamos a acautelar.
A minha pergunta era mais neste sentido: Não seria mais lógico ter um espaço central onde as diversas modalidades se pudessem concentrar periodicamente para estágios, competições, etc?
Sim. Isso é possível desenvolver e nós estamos a fazê-lo. A nossa estratégia é de formar campeões e nós queremos formar bons cidadãos.O Estádio Nacional, neste momento, tem as condições para formar. Tem espaços, tem o centro de rendimento, ONADCV que é a agência nacional anti-dopagem que está lá instalada, temos professores. Depois temos a captação que é feita nas escolas pelos professores. Naturalmente que o Estádio Nacional poderá servir para fazer estágios, intercâmbios desportivos e melhorar a formação.
Cabo Verde tem conseguido um relativo sucesso em alguns desportos e o futebol é o mais visível. As outras modalidades vão ser alvo de uma atenção especial que equilibre o fosso em relação ao futebol?
Há um equilíbrio no investimento, porque estamos a investir em criar condições para que haja igualdade de oportunidades no acesso ao desporto, no desenvolvimento do potencial de cada atleta. Pelo histórico dos investimentos feitos nos últimos anos vê-se claramente que estamos a investir na formação das várias modalidades, na promoção da competição internacional. Naturalmente que o futebol é um mundo à parte, com níveis maiores de profissionalização e que exige níveis de investimento muito maiores, mas o governo definiu que quer fazer de todas as modalidades um investimento que permita ao país ter capacidade de formar bons atletas e afirmar-se ao nível internacional. Daquilo que fizemos em termos de contratos-programa com as federações, quase 80% é para outras modalidades que não o futebol.
A participação das selecções nacionais em competições internacionais pode acabar por funcionar como um pau de dois bicos, porque aumenta o hábito de Cabo Verde participar nesses eventos, mas também desperta a atenção de caçadores de talentos que acabam por vir buscar os atletas cabo-verdianos para alinharem por outras selecções. Como é que se atinge aqui um ponto de equilíbrio?
Reformatando as escolas de iniciação desportiva, reformatando a legislação, aumentando a formação de base para que haja um maior espírito de cabo-verdianidade nos nossos talentos. Por isso mesmo é que estamos a incentivar essa participação. Quando desde muito novo se começa a representar a selecção nacional ganha-se o hábito de a representar e ganha-se o espírito. Por isso é que estamos a investir neste tipo de acções.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 883 de 31 de Outubro de 2018.