Impunidade dos traficantes preocupa ONU

PorSara Almeida,13 jan 2019 7:27

​O número de vítimas de tráfico humano detectadas aumentou nos últimos anos. Ao mesmo tempo, houve também um incremento nas condenações dos traficantes. Contudo, o Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas 2018 aponta que este crime permanece sob um manto preocupante de impunidade e que muitos países se têm mostrado incapazes de dar resposta a este crime. Cooperação internacional mais intensiva é urgente, para resolver este problema mundial, exorta o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, ONUDC, responsável pelo relatório.

Há hoje mais vítimas identificadas de tráfico humano, uma tendência que pode ter, como aponta o relatório lançado em Viena esta segunda-feira, 7, dois significados que não se excluem: ou a técnica de identificar vítimas aumentou e/ou existe um número maior de vítimas desse crime.

Olhando os números, diz o relatório que o número de vítimas atingiu o pico de 24.000 vítimas detectadas em 2016, sendo o aumento mais pronunciado nas Américas e algumas partes da Ásia.

Quanto ao retrato do crime, mantendo a tendência anterior, mulheres continuam a ser as maiores vítimas, apontando o relatório que constituem mais de 70% dos casos detectados: cerca de metade das vítimas são mulheres adultas, enquanto o número de meninas continua a subir, representando já mais de um quinto do total de vítimas.

O documento assinala ainda que a exploração sexual continua a ser o objectivo principal do tráfico (59% dos casos detectados), enquanto a mão-de-obra forçada aparece como a segunda forma de tráfico mais comum representa cerca de 34%.

No que toca particularmente às crianças, enquanto o trabalho forçado representa o principal motivo para o tráfico de meninos (50%), para a esmagadora maioria das meninas a exploração sexual surge como principal fim (72%).


Conflitos armados

O Relatório de 2018 coloca a tónica na vulnerabilidade criada pelos conflitos armados, destacando que o número de países nessa situação nunca foi tão elevado, nos últimos 30 anos. Nessas áreas de crise, criam-se hiatos no Estado de direito e carece-se de recursos e estruturas para lidar com o crime. A situação precária dos habitantes dessas zonas, principalmente as populações deslocadas, torna as potenciais vítimas particularmente vulneráveis a, por exemplo, ofertas de subsistência fraudulentas. Os campos de refugiados destacam-se, sendo considerados alvos fáceis para os traficantes. Assentamentos de refugiados sírios e iraquianos, afegãos e rohingya, que foram também alvo dos traficantes, são dados como exemplo.

Mais ainda, de acordo com o Relatório, o tráfico perpetuado por grupos armados e terroristas é uma das principais causas para o agravamento dos números.

“Grupos armados estão a usar o tráfico humano como uma estratégia para financiar atividades ou aumentar sua força de trabalho em conflitos em todo o mundo”, destaca a UNODC em nota de imprensa.

Há registo de crianças recrutadas como soldados principalmente na Africa Central e Médio Oriente, sendo que tanto adultos como crianças são ainda usados para trabalhos forçados nas minas e outras indústrias extractivas, explicita o documento.

Ao mesmo tempo, mulheres e meninas estão a ser traficadas como “escravas sexuais”, ao serviço os soldados, como é o caso da Nadia Murad, menina Yazidi raptada e vendida pelo Estado Islâmico e vencedora do Prémio Nobel da Paz de 2018.


Impunidade e cooperação

Entretanto, a impunidade é ainda um problema preocupante. Isto porque, apesar do aumento geral de condenações, em vários países principalmente da África e da Ásia, poucos traficantes são ainda condenados. Ora, como se aponta, o facto de haver poucas vítimas identificadas e poucas condenações não quer dizer que esse crime não exista, e com elevada incidência. Prova disso é que muitas vezes são encontradas vítimas das redes de tráfico em certas regiões, tendo passado esse crime sem notificação no país de origem. Para a UNODC isso demostra, pois, o elevado grau de impunidade com que as redes operam nesses países, temendo-se que essa mesma impunidade sirva de incentivo ao crime.

Para os responsáveis da ONUDC, a solução para evitar esta impunidade é, como mostra o relatório e disse o responsável da agência na sua apresentação, “intensificar a assistência técnica e cooperação de cooperação, para apoiar todos os países a fim de proteger as vítimas e levar os criminosos à justiça”.

Apesar das preocupações, há também pontos positivos a assinalar. “Enquanto estamos longe de acabar com a impunidade, os esforços nacionais e internacionais para implementar efetivamente o Protocolo contra o Tráfico de Pessoas fizeram a diferença. Nos últimos dez anos, a proporção de países que não registraram condenações caiu de 15% para 9%” e alguns países registraram suas primeiras condenações durante o período de 2014 a 2016 “, sublinhou Yury Fedotov, que apresentou o documento, durante um evento especial da Comissão de Prevenção ao Crime e Justiça Criminal. O Relatório é bienal, pelo que substitui o de 2016.


Luta contra o tráfico de pessoas em Cabo Verde

O relatório examina tendências e padrões de tráfico com base em informação disponibilizada por 142 países, até ao ano de 2016 e não incluí nenhuma referência a Cabo Verde.

O país, entretanto, tem estado activo na adopção de medidas para prevenir e combater este crime. Como recorda a ONUDC, em nota sobre o relatório 2018.

Em 2017, o Ministério da Justiça e do Trabalho, através da Direção Geral de Políticas de Justiça (DGPJ), aderiu à campanha Coração Azul do ONUDC.”

Posteriormente, em Abril de 2018, foi aprovado o I Plano Nacional contra o Tráfico de Pessoas (PNCTP), composto por cinco eixos e várias medidas a serem implementadas para acabar com o tráfico de pessoas.

“Através do plano nacional e do reforço das capacidades dos serviços de aplicação da lei e da sociedade civil, Cabo Verde permanece comprometido com a prevenção e o combate ao tráfico de pessoas”, lê-se na nota.

Recorde-se que de acordo com o Relatório anual sobre a situação da Justiça, referente ao ano judicial 2017/2018, do Ministério Público, foram registados três processos de tráfico de pessoas, que se juntaram aos quatro transitados do ano anterior.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 893 de 9 de Janeiro de 2019.

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Autoria:Sara Almeida,13 jan 2019 7:27

Editado porChissana Magalhães  em  14 jan 2019 10:56

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