São Vicente caiu no conformismo e está sem uma elite política própria, capaz de alterar o actual estado de coisas. A observação é de Alfredo Machado, que discorda da ideia de uma ilha condenada a esperar.
Para o habitual comentador de política da Rádio Morabeza, Mindelo não pode ficar dependente das “benesses” do Governo.
“Não temos uma elite em São Vicente capaz de associar a economia, a política, a cultura, para tentar alavancar esta ilha. São Vicente não pode estar à espera de benesses do governo central”, observa.
Alfredo Machado refere-se a uma situação de impasse.
“Culpar o MpD ou o PAICV não é ir ao fundo da questão. O fundo da questão é a nossa Constituição. Como é que foi elaborada uma Constituição que não contempla o arquipélago, com nove ilhas habitadas? Não se podia ter um Governo tão centralizado”, destaca.
Para o analista, Santiago dá cartas porque alberga a maioria da população, tem mais quadros e massa crítica interessada na política e na detenção do poder económico.
Para alterar o actual estado de coisas, Alfredo Machado propõe um lobby a favor de São Vicente, constituído por todos aqueles que se identificam com os interesses da ilha.
“Acho que é necessário que o pessoal de São Vicente se consiga unir. Acabar com essa luta contra Santiago. Agora, temos de deixar o tempo do carvão, dos ingleses, e ver concretamente o que podemos fazer para tentar criar melhores condições de vida e bem-estar. Apesar de que eu acho que São Vicente não está mal, porque quem vive de festa não está mal”, ironiza.
Também Roca Vera Cruz considera que a ‘Ilha do Monte Cara’ merece outra atenção. O gestor de empresas refere a existência de alguns focos de tensão social. A população quer ver acontecer.
“As pessoas querem mais, querem ver São Vicente a avançar. Nós vamos adiando as coisas e as pessoas estão a perder a paciência. Há muitos anos que São Vicente tem ouvido muitas promessas que não são cumpridas. Não é de agora”, recorda.
Perante vários projectos anunciados e nunca concretizados, o futuro antecipa-se entre a desconfiança e o optimismo.
“Estou a pensar nos projectos de Salamansa, de João Évora, que vai andando gota-a-gota, nos dois hotéis na Laginha, que ninguém sabe ainda quando e se vão acontecer, no Estádio Adérito Sena, que nunca mais recebe obras para receber os ‘Tubarões Azuis’, no terminal de cruzeiros, que não sei quando é que vai arrancar”, exemplifica.
Roca Vera Cruz acredita que a aposta deve passar pelo turismo, mas para isso são necessárias as tais infra-estruturas.
“Transportes inter-ilhas e transportes para o estrangeiro, porque há soluções a preços proibitivos e essas coisas têm que ser resolvidas. Temos que apostar na promoção da imagem de São Vicente lá fora. Temos muito mais coisas a oferecer do que somente praia”, comenta.
Periferias
Para lá dos grandes projectos, Samira Pereira ambiciona que o desenvolvimento de São Vicente englobe a ilha como um todo, ao invés de se limitar ao centro da Cidade do Mindelo.
Diz a gestora Cultural que é urgente incluir as periferias na equação e ouvir os anseios e dificuldades de uma população “feliz”, mas que vive com dificuldades reais.
“Não gosto de falar nesta história do marasmo, até porque não será a palavra mais adequada, mas é necessário olhar para fora do centro. O meu desafio é que as questões que têm que ser resolvidas possam ser resolvidas de forma inovadora. Desde o nível sanitário, saneamento público, oferta turística, conteúdos culturais”, concretiza.
Em concreto no plano cultural, Samira Pereira acredita na oportunidade de São Vicente ser um exemplo de sustentabilidade e inovação.
“Não propriamente a nível da oferta, mas relativamente à forma como trabalhamos. Acho que esse é um desafio que São Vicente deveria abraçar, para ser pioneiro, mais uma vez”, deseja.
Igualmente atenta à ilha para lá da ‘morada’, a socióloga São Delgado alerta para a necessidade de se mostrar a realidade que não vem nos postais.
“Se calhar, a nossa mudança de estratégia passa por deixar de mostrar apenas as coisas bonitas e focar naquelas que não o são. Começar a mostrar mais a nossa periferia, as nossas desigualdades sociais, o desemprego”, antecipa.
Consciente da importância da ilha no crescimento económico do país, São Delgado gostaria de ver 2019 como o ano do reenquadramento das políticas económicas e sociais.
“A mudança tem que partir de cima para baixo, porque em termos de sociedade civil São Vicente tem feito coisas para mostrar que é capaz. Precisamos que haja um enquadramento político, económico e social que facilite e faça com que os eventos e as iniciativas privadas locais tenham sustentabilidade”, remata.
* com Fretson Rocha e Lourdes Fortes
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 895 de 23 de Janeiro de 2019.