“É fundamental fazer os portos mais competitivos a nível da qualidade do serviço e das infra-estruturas”

PorNuno Andrade Ferreira,16 jun 2019 8:24

Abílio Madalena
Abílio Madalena

“Um país, dez ilhas, a mesma energia” é a assinatura com que a Enacol se apresenta aos consumidores, depois de um processo de renovação da imagem corporativa.

A empresa, que opera tradicionalmente no sector dos combustíveis fósseis, diz-se atenta às novas tendências do mercado. Ao Expresso das Ilhas, o director-geral, Abílio Madalena, perspectiva a evolução do negócio e deixa ideias para a melhoria da competitividade nacional.

A Enacol começou o ano com uma nova imagem. De onde surgiu a necessidade de fazer o rebranding, nesta altura?

A Enacol era uma empresa com uma imagem bastante conhecida, mas que tinha, ao longo dos anos, sofrido várias evoluções. Era fácil encontrar pelas ilhas, nomeadamente nos postos, diversas versões, umas mais verdes, outras mais laranja, o que causava apreensão e entendíamos que era importante termos uma imagem consistente. Iniciámos este processo em Novembro do ano passado e terminámos, nos postos, em Fevereiro. Neste momento, os 25 postos estão todos com a mesma imagem, falta-nos ainda trazer a nova imagem para todos os pontos de venda e distribuição, nomeadamente nas viaturas, e é o processo que está agora a decorrer.

Começámos em Maio com uma campanha institucional de divulgação da imagem. A imagem não trouxe só um novo logo, mais moderno, mais jovem. Trouxe consigo um arranjo e uma arrumação dos próprios postos, na iluminação, no arranjo dos edifícios, novos fardamentos e o serviço, que também melhora com tudo isso.

Cabo Verde é um mercado relativamente pequeno, dominado, neste sector, por dois operadores. Há aqui espaço para grandes crescimentos ou como está é como será?

Os consumos no mercado nacional têm tido taxas de crescimento mais ou menos alinhadas com as taxas de crescimento da economia, eventualmente agora até um bocadinho penalizadas por alguma derivação de consumos, nomeadamente devido à produção de electricidade por energias alternativas. Onde está o grande potencial de crescimento é no mercado internacional. Falamos de bunkering e da aviação, mas mais até no bunkering. Só para ter uma ideia da evolução do mercado, em 2018, o mercado internacional representou, em termos do bunkering e da aviação, cerca de 56% dos volumes vendidos em Cabo Verde. Este ano continuamos com crescimento, e já estamos, nos primeiros quatro meses, acima dos 60 por cento.

Qual é a posição da Enacol no conjunto do mercado?

No conjunto do mercado, a Enacol é líder desde 2009, se a memória não me falha. Depois, se dividirmos isto em termos de mercado interno e externo, tem tido uma posição mais forte no mercado externo. A nível do mercado interno, nos postos de venda, naquilo a que chamamos de retalho, não tem tido posição de liderança, mas tem conquistado quota de mercado e esta mudança de imagem também nos vai ajudar a melhorar essa quota. Mas temos sido, ao longo dos anos, líderes, nomeadamente, na parte da produção de electricidade e também no segmento da aviação, onde tradicionalmente sempre fomos o fornecedor da transportadora aérea nacional.

E o que é prioritário?

Prioritários são todos os segmentos onde há potencial de crescimento. Claramente o mercado externo e a área do bunkering, que é um mercado, contudo, muito concorrencial e um mercado em que não é possível consolidar volumes por longos períodos. Negoceia-se ao dia e fazem-se volumes de vendas diariamente. Quando se começa o mês, nunca sabemos como é que vamos fechar, em função daquilo que é a procura internacional dos navios que passam por aqui e também da capacidade que temos quando estamos a competir com outros mercados, como Canárias ou Dakar, para falar daqueles que estão mais próximos.

E que variáveis é que Mindelo tem para oferecer que representem uma vantagem face a Las Palmas ou Dakar?

Cabo Verde representa menos de 10% do mercado das Canárias na área do bunkering, mas é uma alternativa credível. Temos tido taxas de crescimento muito mais interessantes do que as Canárias, um mercado muito mais consolidado. O preço é, genericamente, a primeira variável que os clientes escolhem para tomar a sua decisão. Em termos de preços, muitas vezes estamos alinhados com as Canárias, mas muitas vezes estamos mais caros. Há sempre um segundo e terceiro aspectos que podem fazer com que alguns clientes venham abastecer aqui: porque a rota e o momento de paragem podem ser os mais adequados, porque nas Canários há listas de espera de dois ou três dias. A segurança e a qualidade do porto, a qualidade dos produtos também são importantes.

O que determina um preço mais elevado?

O aprovisionamento é feito com base nos preços e nas cotações internacionais e com a capacidade competitiva de fazer esse aprovisionamento em melhores condições. O preço muda todos os dias e, muitas vezes, nós estamos mais competitivos, porque temos lotes a preços que comprámos há 15 dias e que estavam bem mais baratos do que a evolução de preço, ou é exactamente o contrário e podemos estar menos competitivos, porque o lote que temos é um lote que foi comprado numa altura em que o preço estava em alta. Adicionalmente, é muito importante, da parte do Governo, ter preços competitivos para os navios na chegada ao Porto do Mindelo, porque isso também faz diferença.

Estamos a falar de taxas portuárias...

Estamos a falar de taxas portuárias. Por orientação do Governo, naturalmente, a Enapor tem vindo a actualizar algumas das taxas portuárias. Agora, implementou uma taxa adicional, a Taxa de Segurança Marítima, que veio penalizar o custo da importação de produtos. É importante que o Governo tenha consciência disso. Temos vindo a sensibiliza-lo, e às entidades reguladoras. Qualquer alteração nessa matéria penaliza directamente o mercado, em concorrência aberta com Canárias e Dakar.

A concessão dos portos, em cima da mesa, pode ajudar a resolver alguns desses constrangimentos, tornando os portos mais competitivos?

Julgo que a intenção é exactamente essa, mas diria que fundamental é fazer os portos mais competitivos, não ao nível do preço, ‘o mais barato de todos’, mas a nível da qualidade do serviço e das infra-estruturas que estão alocadas aos portos, que definem o tempo de permanência dos navios. São factores determinantes, porque trazem custos elevadíssimos. A questão da privatização há-de trazer, esperamos nós, maior profissionalização de todo o processo e uma melhoria das infra-estruturas.

Olhemos para o mercado numa perspectiva futura. O sector energético está a sofrer grandes transformações no contexto internacional. Em Cabo Verde foram dados os primeiros passos no sentido da chamada transição energética. O que é que uma petrolífera tem a dizer sobre isto?

Tem muita coisa a dizer. Estamos atentos àquilo que se passa em Cabo Verde e no mundo, até porque o Grupo Galp é o principal accionista da Enacol e bebemos os princípios e as estratégias que vão sendo adoptadas pelo grupo, vertidas em cada região em função das necessidades.

Temos participado em muitas reuniões. Somos uma empresa de comercialização de energia e, portanto, vender combustíveis fósseis ou outros produtos energéticos está no nosso espectro de observação.

Tem vindo a ser feito um esforço grande de redução dos níveis de emissões de dióxido de carbono. Em Janeiro de 2020 entrará em vigor a normativa internacional que obriga todo o tráfego marítimo a utilizar fuel com baixo teor de enxofre, diminuindo dos 3,5% para 0.5%. É um produto completamente diferente, que ainda não está disponível no mercado, que há-de ser mais caro que o actual. Também vai encarecer os custos de navegação, mas acaba por ser neutro em termos da competitividade de Cabo Verde, porque há-de afectar todo o mercado internacional.

O que é que esta transição implica para a Enacol?

Fundamentalmente, adaptar as infra-estruturas existentes para determinados produtos.

Esta alteração do IMO 2020 refere-se a um único produto mas é o produto mais consumido em termos de transporte marítimo e também é o produto consumido, maioritariamente, na produção de energia eléctrica, utilizado pela Electra.

Chegaram a Cabo Verde os primeiros carros eléctricos. Perspectivando o crescimento deste segmento, a Enacol pondera adaptar os seus postos, criando uma rede de carregamento?

Os nossos postos destinam-se, fundamentalmente, a prestar serviço ao automobilista. Se o automóvel passar a utilizar uma fonte energética diferente, nós estamos atentos e disponíveis.

Recentemente houve alterações na regulação, com a criação da Agência Reguladora Multissectorial da Economia. O actual quadro serve os interesses da economia?

Houve, de facto, alteração ao nível da entidade reguladora. A nível do quadro regulador, do nosso lado, ainda não houve qualquer alteração. Há aspectos a melhorar.

Por exemplo?

Nos processos de cálculo de preços há variáveis que mudam com muita rapidez e com muita facilidade, há investimentos que estão associados às infra-estruturas locais e nem sempre essas alterações são directamente reflectidas no próprio cálculo dos preços. Penso que aí continuamos a ter espaço de melhoria.

Como é que olha para a escalada de tensão entre EUA e Irão ou para as dúvidas que pairam sobre o futuro da OPEP e o papel da Arábia Saudita na organização?

Isto não é novidade. Estou nesta actividade há 30 anos e acho que sempre me lembro desta instabilidade. É cíclico. Há alturas mais ou menos críticas e a seguir um período de acalmia. Temos também a questão da Venezuela, que também é um produtor importante. O mercado tem conseguido encontrar alternativas para amenizar esses impactos.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 915 de 12 de Junho de 2019. 

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,16 jun 2019 8:24

Editado porFretson Rocha  em  17 jun 2019 8:04

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