Com idades entre os 26 e os 56 anos, as pessoas abordadas neste vox-pop souberam identificar o nome de dois jornais mas acabaram por reconhecer que não tem por hábito comprar ou ler jornais com regularidade.
Mas a falta de hábitos de leitura não se aplica apenas aos jornais. Também os livros ficam esquecidos. “Actualmente não tenho lido, mas antes lia muito”, diz Ana Barbosa. Já Jalise Moreira e Maria de Lurdes reconhecem que limitam as suas leituras aos Boletins Oficiais.
Os jornais em Cabo Verde, tal como no resto do mundo, enfrentam hoje um desafio relacionado com a perda significativa e continuada de leitores. Aliás, como as pessoas ouvidas pelo Expresso das Ilhas reconheceram, os meios preferidos para aceder a informação são a televisão, rádio ou a internet.
Quanto aos baixos números de leitores que os jornais têm actualmente, João Almeida Medina, professor universitário ouvido pelo Expresso das Ilhas destaca que isto “reflecte não só o baixo nível de literacia dos cabo-verdianos mas também a crise da imprensa que vem de 2010, mais ou menos, quando a perda de leitor por parte do impresso foi avassalador. Para se ter uma ideia, nessa altura o jornal mais antigo em actividade enviava cerca de mil e 200 cópias para São Vicente e Santo Antão e em pouco mais de um ano esse número passou a 400”.
Em sentido contrário, destaca Medina, “cresceram os online, sobretudo graças a uma aposta no jornalismo policial mal apurado e mal escrito. Num momento posterior, com as redes sociais mais disponíveis e o acesso à internet a um preço mais convidativo, muitos começaram a produzir conteúdos e, de certo modo, alguns apresentaram-se como influencers ou analistas que agregaram algum público”.
No entanto, destaca este professor universitário, há responsabilidades que podem também ser imputadas aos órgãos de imprensa escrita que “ainda não pôde ou não soube encontrar o seu “local de fala” ou redimensionar o seu papel de equilibrador e actor social importante”.
No mesmo sentido, Manuel Brito-Semedo, antropólogo, destaca que a falta de leitores de jornais é um fenómeno com razões diversas. “Falta de hábito de leitura; pouca disponibilidade financeira (100$ e ou 200$ semanal); número reduzido de assinatura de jornais nas instituições públicas para consulta dos seus funcionários; facilidade de leitura na internet (feito, sobretudo, nos serviços do Estado); falta de circulação que é feita apenas nos principais centros urbanos, Praia e Mindelo”.
Iliteracia? Temas pouco interessantes?
“Não podemos esquecer de que há pistas suficientes de que se trata de uma sociedade audiovocativa”, destaca João Medina para quem a sociedade cabo-verdiana “prioriza o som no seu processo de ensino-aprendizagem, tanto assim é que há muitos estudantes que chegam e saem do ensino superior sem ler um livro por ano. Falo dos estudantes de ensino superior, para não mencionar liceais, professores ou outros profissionais cuja leitura deveria ser uma obrigação. Jornais não fazem parte do dicionário destas pessoas e de outras que têm na rádio e na TV o “refúgio informativo”. Por outro lado, em tempos de crise os bens simbólicos são os primeiros a saírem do “cardápio”. O cabo-verdiano perde o poder de compra há anos e há pouco interesse em direccionar moedas para comprar jornais”.
Para Brito-Semedo esta é “uma situação que vem de há muito. Basta ver que até há pouco tempo chegou a haver 3 ou 4 jornais semanários a circular”.
“As Universidades”, destaca este antropólogo, “ministrando cursos de jornalismo, também têm responsabilidade na aquisição de jornais, enquanto material de estudo, e na formação de massa crítica e de leitores. Falta saber qual o contributo que têm ou vêm dando nesse sentido. Com tantos professores com graus de licenciatura, mestrado e doutoramento, cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento, funcionários e dirigentes da máquina do Estado, era para a situação ser diferente, sobretudo na capital do país”.
Problemas económicos
Uma das maiores dificuldades que os jornais impressos enfrentam, não só em Cabo Verde como a nível mundial, é financeira. Durante anos os jornais foram meio privilegiado de divulgação de publicidade mas com o advento da internet e com a transição para o mundo digital a fuga de receitas tornou-se cada vez mais evidente. E menos receitas significam menos disponibilidade que, por sua vez, significa uma diminuição do alcance dos jornais.
João Medina recorda que em “tempos de ventos favoráveis, em que ainda empresas faziam publicidade em alguns jornais, havia uma ou outra folga financeira para se apostar em redacções mais densas e em coberturas em boa parte do território. Assim, os jornais traziam conteúdos mais polifónicos logo as pessoas identificavam-se mais”.
“A partir de uma certa altura os conteúdos centram-se na sociedade administrativa, se assim posso dizer, e dali leitores que se interessavam por matérias menos estritamente políticas deixaram de ler os jornais”, acrescenta.
Uma visão que coincide com a opinião de Brito-Semedo. “Para além dos custos com a gráfica (Expresso, na Praia, A Nação, em Portugal), há os custos com a sua distribuição, sobretudo com o transporte aéreo, e falta de livrarias/papelarias e postos de venda nas ilhas”.
“Os mesmos problemas que afectam o sector livreiro, se se pode dizer que isto exista enquanto tal”, diz ainda Brito-Semedo.
Distribuição deficiente
Quando os resultados do inquérito organizado pelo Instituto Nacional de Estatística sobre o consumo de comunicação social em Cabo Verde foram conhecidos, o ministro da Cultura, Abraão Vicente, que tutela a pasta da Comunicação Social, destacou que a responsabilidade está do lado dos jornais e das empresas que os controlam afirmando que estas “não têm tido uma política de levar o seu produto às pessoas”.
“Há locais em Cabo Verde onde simplesmente os jornais não chegam. Aqui põe-se outra vez a velha questão da rede de distribuição dos jornais que não existem”, acrescentou o ministro pondo de parte qualquer hipótese de apoio do governo à criação de uma rede de distribuição de jornais. “Os privados devem tomar conta dessa questão porque a distribuição dos jornais é claramente uma questão privada. Continuaremos a apoiar através dos incentivos, mas, como é óbvio, não podemos engajar na rede de distribuição dos jornais”, explicou Abraão Vicente.
Para Brito-Semedo a solução para este problema não passa pelo engajamento do Estado na distribuição, mas sim pela criação de condições que permitam “baixar os custos da produção e circulação dos jornais”. Outras soluções poderiam ser “os serviços do Estado e Municípios fazerem/aumentarem o número de assinaturas e os Municípios criarem condições para os jornais chegarem a eles”.
“Uma das saídas seria discutir com os ministérios da Cultura, que tutela a área da comunicação social, e da Educação uma estratégia para incluir os jornais no plano nacional da leitura, abrindo a possibilidade de os impressos chegarem a bibliotecas, escolas, comunidades educativas”, contrapõe João Medina.
“Afinal, nos conteúdos da disciplina Língua Portuguesa há muita gente a ensinar a escrever notícias mas não compram jornais. Pode-se aproveitar esse nicho para ajudar a construir a cidadania. Apesar de não acreditar que haja vontade de se empreender nesse campo”, diz ainda este professor universitário.
Também o sector da comunicação social deve procurar adaptar-se melhor às novas exigências. “Seja como for, os jornais precisam não só ajustar os conteúdos aos interesses de quem deseja ver temas com tratamento aprofundado, textos de qualidade e criativos, mas também fazer campanhas de literacia mediática, agregar apoiantes que ajudem mais distribuição porque de outra forma será difícil: somos ilhas, os transportes internos são aquilo que se observa, os custos de produção e distribuição são elevadíssimos para a nossa realidade económica. A minha experiência como jornalista e editor autoriza-me a dizer que sem apoios da sociedade política e/ou civil, se é que esta última exista em CV, não há jornal que sobreviva por muito tempo sem criar amarras extremamente perigosas”, acrescenta Medina.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 925 de 21 de Agosto de 2019.