“Nós, como pequenos operadores, para podermos contribuir para o desenvolvimento e aumento da procura turística temos de traçar planos e tomar medidas e decisões, criar pacotes e campanhas de comunicação. E só conseguiremos isso se tivermos dados mais detalhados, tanto a nível da procura como a nível da oferta”, aponta Edmilson Mendonça, presidente do Conselho Fiscal da Associação de Agências de Viagens e Turismo de Cabo Verde (AAVTCV).
Isso é válido para qualquer tipo de turismo, destacadamente para o turismo interno onde há, actualmente, carência não só de mais dados, como de dados desagregados. Faltam, nomeadamente, elementos que permitam de facto traçar o perfil do turismo interno, destaca o representante das agências.
“Quem são, para onde vão, que turismo vão fazer”.
Uma lacuna estatística que em breve será colmatada, com a adopção de uma nova metodologia proposta no âmbito da missão de consultoria para aprimorar o Sistema estatístico do Turismo, que Cabo Verde solicitou à Organização Mundial do Turismo (OMT) e que decorreu entre 19 e 28 deste mês.
Entram os residentes
Até agora, mensurava-se “tendo em conta essencialmente os países emissores. A nova metodologia pressupõe enquadrar informação dos residentes que também são turistas”. Assim, ao integrar os cabo-verdianos no conjunto da produção, teremos “dados mais adaptados à nossa realidade e de acordo com as novas exigências”, como explica o vice-presidente do Instituto Nacional de Estatística (INE), Celso Soares,
O sistema não parte do zero, mas falta, aprimoramento, principalmente ao nível da amostragem e outros elementos do Inquérito de Gasto e Satisfação Turístico, uma das principais fontes na elaboração da Conta Satélite de Turismo (CST).
Ora isso vai mudar. Mas, como referido, há já dados estatísticos que dão algumas luzes sobre o turismo interno.
Que turismo é este?
Há as percepções. E há alguns dados que as confirmam ou não.
Entre outras, uma sensação que os operadores têm é de que o turismo interno está estagnado. Ora, de acordo com os dados que o INE já tem, parece não ser bem assim. Pelo menos a julgar pela movimentação de entradas e dormidas nos estabelecimentos hoteleiros.
Na verdade, ao contrário do que acontece com a evolução do total de hóspedes, que entre 2014 e 2018 se manteve sempre em crescimento, as entradas de residentes em Cabo Verde nos estabelecimentos hoteleiros, têm oscilado. Nesses 5 anos, registou-se um mínimo 44.018 em 2014. As entradas subiram em 2015 desceram em 2016 e voltaram a subir no ano seguinte, 2017, para 47.383. Já em 2018 bateu-se um recorde: 56.043 hóspedes residentes.
Olhando porém em termos de percentagem, isto é, olhando o total de hóspedes, houve uma diminuição. Em 2014, os residentes eram 8,2% dos hóspedes e em 2018, 7,3%.
Entretanto, Cabo Verde, o país “receptor”, é o sexto país “emissor” de turistas em todo esse intervalo (em 2012 e 2013 era o quinto), num ranking encabeçado pelo Reino Unido.
Essa estatística mostra ainda que o número de dormidas é bastante inferior à média, não indo além das 2,8 noites.
Outro dado relevante é que a ilha com mais hóspedes residentes é Santiago. A ilha que alberga a capital embora só receba 11,2% do total de hóspedes, acolheu 19401 residentes (34,6%). Segue-se o Sal (ilha que no total contabiliza quase metade das entradas) com 13.860. O que se percebe também é que os cabo-verdianos se “distribuem” bem mais por todo o território quando viajam do que os turistas estrangeiros (três quartos dos quais ficam no Sal e Boa Vista).
As novas orientações estatísticas visam ir muito além destes parcos dados. Mas estes, embora não corroborem a estagnação total, parecem de resto corresponder à percepção dos operadores nacionais. O turismo cabo-verdiano parece ser movido mais pela necessidade do que pelo lazer. Uma ideia que encontra suporte na predominância de Santiago, em termos de hóspedes. Ou seja, provavelmente as pessoas que vêm à Praia tratar de assuntos pessoais ou laborais. Muitos ainda estarão em trânsito. Ao mesmo tempo, o facto de ficarem hospedados poucas noites corrobora essa percepção.
Aliás, quando a deslocação é longa, nomeadamente nas férias, geralmente são os turistas são acolhidos em casa de familiares. Mas isso é também turismo e deve ser contabilizado, observa-se.
Entretanto, e paralelamente ao turismo movido pela “obrigação” (negócios, saúde, burocracia), parece haver cada vez mais apetência para uma “escapadinha” unicamente motivada pelo lazer. Se isto é real ou apenas percepção, os dados irão ajudar a perceber.
Destino muito caro…
Como se referia, embora os dados não o corroborem há a sensação de que o turismo interno está estagnado. Estagnado ou aquém do desejado, há vários factores que contribuem para isso.
Edmilson Mendonça destaca dois. “Um factor tem a ver com algum desconhecimento por parte dos nossos residentes sobre os vários destinos que nos temos. Isto pode também ser culpa nossa [dos operadores], porque não divulgamos os mesmos”, analisa. Contudo, reitera, sem dados concretos, desagregados e os desejados perfis do turista torna-se difícil tomar decisões.
“Outro factor tem a ver com o próprio custo: custo de transporte e custo de estadia”. Fazendo cálculos de cabeça, três noites, por exemplo, na Boa Vista ficam mais caras do que ir a Lisboa (onde muitos cabo-verdianos têm família) ou a Dakar, onde se arranjam quartos mais baratos. Além disso, esses destinos estrangeiros têm ainda a vantagem de proporcionar uma oportunidade para fazer compras - seja para vender seja para uso pessoal e familiar. Pesando na balança, é difícil competir…
E independentemente das comparações, “o factor custo pesa muito nessa dinâmica do turismo interno”, lamenta o representante da AAVTCV.
Isolando, nesse factor, a questão dos transportes, além do preço proibitivo para a maior parte dos cabo-verdianos, os múltiplos constrangimentos na ligação inter-ilhas que se foram verificando ao longo dos anos – e que ainda não estão totalmente colmatados – condicionou também o desenvolvimento do turismo interno.
Mas apesar de todos os constrangimentos verificados até agora, o Director-Geral do turismo e Transportes está optimista.
“O transporte é um dos vectores do turismo e como se sabe está numa fase boa. Vamos ter as ilhas todas ligadas. Já está em funcionamento o contrato que foi assinado com a empresa que ganhou a ligação inter-ilhas, a CV Airlines já trouxe novos aviões. Penso que a parte dos transportes já está resolvida”, considera Francisco Martins.
As interligações… já os preços. Voltando à matemática: o que paga um residente por 3 noites na Boa Vista paga um turista europeu por um pacote de 7 dias num ‘all inclusive’. Charters, redes de gestão turística sofisticada, bem montadas, e ainda capacidade negocial, fazem a diferença
É aqui que entra, então, um terceiro factor. Essa capacidade negocial. “Os turistas estrangeiros, quando vem com tudo incluído conseguem um preço muito menor do que nós. Temos informação de que, por exemplo, quando o operador de um turista com tudo incluído, viaja internamente, consegue tarifas inter-ilhas mais económicas do que se for um turista residente a fazê-lo”, conta Edmilson Mendonça.
Da parte da AAVTCV já houve vários encontros com a Binter, para os quais também se tenta chamar o governo, para conseguir melhores tarifas. Encontros estão também já a ser encetados com a CV inter-ilhas.
A AAVTCV está também insistir na implementação um Hub, à semelhança do que se passa em outros arquipélagos como os Açores ou a Madeira, em que haja uma subsidiação do governo para as tarifas dos residentes. Uma necessidade que vai além do turismo de lazer. “Não só promove o turismo interno como, tendo em conta a má condição económica das famílias, que muitas vezes viajam por necessidade”, é um apoio importante para os cabo-verdianos, aponta o representante da Associação.
Contudo, apesar de esta ser uma reivindicação já antiga, a mesma não parece estar a ter reposta. Da parte do executivo, seja em relação a preços seja em relação à disponibilização de rotas, a lógica do mercado parece ser o foco.
“Os transportes vão obedecer à lei da oferta e da procura. Se nós temos muita procura de um determinado destino obviamente que a oferta dos transportes tem de aumentar para dar resposta a esta procura”, respondia recentemente o Director-Geral, questionado sobre o eventual aumento dos voos inter-ilhas. A lei do mercado, portanto.
Descentralizando
Apesar da ausência de dados e outros constrangimentos, a Associação não está parada. Foi criada por exemplo uma rede de hotéis em Santiago, para promover essa vertente, na ilha, e a preços acessíveis. Estudam-se roteiros, fazem-se apostas.
Agora, sendo o Turismo um sector transversal, o seu desenvolvimento está dependente não só dos operadores, como de outros sectores, nomeadamente (como referido) os transportes, a segurança entre outros. Um trabalho portanto que deve ser conjunto e será paulatino.
Edmilson Mendonça é céptico. “Não é crível que haja um boom” do turismo interno no curto prazo, diz. O trabalho é para o médio e longo horizonte.
Seja como for, é importante, do ponto de vista da estratégia nacional para o turismo, que o este cresça. É que, não sendo o tipo mais relevante, o turismo interno tem um elevado potencial para a prossecução daquilo que é o novo paradigma do turismo em Cabo Verde: um turismo mais desconcentrado, mais inclusivo e diversificado.
“O governo achou por bem tomar medidas para desconcentrar um pouco o turismo da ilha do Sal e da Boa Vista fazendo a sua diversificação em termos territoriais, mas também em termos de produto, dando a conhecer as outras ilhas que não sejam as ilhas que oferecem apenas o produto Sol, Mar e Praia. Estamos a apostar no chamado turismo inclusivo. Quer dizer que todas as ilhas devem ter a possibilidade de ter um turismo que impacte no nível de vida das populações”, destacou o Director-Geral do Turismo e Transporte, esta sexta-feira à margem da criação do comité de Governança do Sistema Estatístico Nacional do Turismo (ver caixa).
Ora, se a nível do turismo em geral, sector que representa cerca de 25% do PIB , o peso do turismo interno não é muito relevante, em termos especificamente desse turismo descentralizado, que ocorre fora dos all inclusive, reveste-se de um potencial muito maior. Alinha-se, mesmo não sendo, o principal tipo de turismo…
E está, portanto, a merecer cada vez maior aposta. Aposta que começa por dados que fomentem as decisões.
Criado Comité de Governança
Cabo Verde conta já com um Comité de Governança do Sistema Estatístico Nacional do Turismo, uma plataforma inter-institucional que irá definir como e o quê “medir” no sector,
A criação desta plataforma, que ocorreu na passada sexta-feira, dia 23 é uma recomendação das Nações Unidas, que permite aliar duas partes fundamentais do sistema nacional de estatística turística: a governança e o trabalho de dados.
Assim, se por um lado cabe ao Ministério definir as estratégias para o Turismo, caberá a este comité definira “as estratégias para medir essas estratégias”, explicitou Nagora Espinosa, consultora da OMT.
A reunião para a criação do Comité foi liderada pelo Director Geral do Turismo, Francisco Sanches Martins, e contou com a presença do Presidente do Fundo do Turismo, Manuel Ribeiro, do vice-presidente do INE, Celso Soares e de varias instituições que produzem informações sobre o turismo, como a Polícia Nacional, o BCV ou a AAVTCV.
O recém-formado Comité deverá reunir trimestralmente, sendo que o primeiro encontro está agendado para a primeira semana de Outubro. A partir daí e após análise do relatório e recomendações da OMT sobre esta missão realizada em Cabo Verde (documento esse que deverá ser entregue também em Outubro) será elaborado um calendário de trabalho contínuo.
Missão da OMT
Nagora Espinosa, consultora da Organização Mundial de turismo (OMT) esteve em Cabo Verde numa missão convocada pelo Instituto Nacional de Estatística e pelo Governo, e que foi financiada pelo Fundo do Turismo.
Um convite que surge do intuiro de “melhorar e modificar o método que estamos a seguir para a Conta Satélite do Turismo (CST), aprofundar a recolha dos dados do turismo em Cabo Verde e medir o seu impacto na economia para podermos fornecer bases suficientes e importantes para uma planificação mais adequada áquilo que é a pretensão do nosso turismo no médio e longo prazo”, explicou Francisco Sanches Martins, Director-Geral do Turismo e Transportes.
Assim, ao longo de nove dias, 19 a 28 de Agosto, a consultora trabalhou com as entidades nacionais no sentido de melhorar a metodologia para as estatísticas do turismo.
Entretanto, está prevista para 30 de Novembro a apresentação da CST referente ao ano de 2015, que ainda segue a “antiga” metodologia. É segunda CST realizada no país, sendo que a primeira referente ao período 2011-2014, foi divulgada em 2015.
Daqui para a frente, essas CST, bem como vários inquéritos e estudos do turismo, irão integrar as recomendações resultantes da missão da consultoria da OMT.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 926 de 28 de Agosto de 2019.