A chegada dos aviões CASA, a entrada no mercado interno e as recentes declarações da Agência de Aviação Civil sobre os cursos que a empresa quer ministrar em Cabo Verde são também temas abordados nesta entrevista.
Um ano de colaboração entre a Sevenair e o Estado de Cabo Verde. Que balanço é que se pode fazer?
Do nosso ponto de vista o balanço é muito positivo. Nós efectuamos largas centenas de voos, posso dizer que conseguimos salvar mais de 400 vidas e para nós isso foi o foco principal da operação e dá-nos um balanço claramente positivo. Salvar 400 vidas é o melhor saldo que poderíamos ter. Além disso, fizemos outras missões no âmbito do contrato que assinamos com a Guarda Costeira. Fizemos patrulha marítima, transporte de valores para o BCV, transporte de tropas. Mas mais de 95% dos voos foram evacuações médicas, todas bem sucedidas. Neste momento a aeronave não está a funcionar, estamos a aguardar que haja uma decisão por parte da Guarda Costeira, do Estado e da AAC (Agência de Aviação Civil) sobre o futuro. Isto prende-se com uma questão legal, existe uma legislação internacional da ICAO para operações comerciais de aeronaves com registo estrangeiro que diz que uma aeronave registada num país não pode operar noutro país por mais de 12 meses. Normalmente são seis meses prorrogáveis por mais seis que nós atingimos agora em Agosto. Esta não é uma operação comercial, é uma operação de interesse público e do nosso ponto de vista esta até podia ser considerada uma aeronave de Estado, porque apenas desempenhamos funções que normalmente cabem às aeronaves do Estado. Mas obviamente que não nos compete a nós tomar essa decisão, porque não somos nós quem opera a aeronave. Nem sequer podemos interceder junto da Agência de Aviação Civil neste sentido, porque quem intercede é a Guarda Costeira. O nosso cliente é a Guarda Costeira e é ela que é o elo que dialoga com o governo e com a AAC. Existem, de momento, algumas opções e aguardamos para percebermos um pouco qual será o futuro desta missão. Esta missão foi sempre de cariz temporário até haver a entrega das aeronaves Aviocar. Existe um contrato promessa de venda de duas aeronaves CASA C212 Aviocar. Nós adquirimos seis num concurso internacional à Força Aérea Portuguesa e dessas seis fizemos este contrato para fornecer duas à Guarda Costeira de Cabo Verde. É um processo que neste momento aguarda mais decisões políticas, financeiras e técnicas do que outra coisa. Nós chegamos a um ponto em que todas as manutenções que poderíamos fazer já foram feitas. As aeronaves estão paradas há algum tempo num hangar na Base Aérea do Montijo. Os aviões, ao contrário do que as pessoas pensam podem ser muito antigos em termos de idade, mas se tiverem poucas horas de voo ou poucos ciclos são novos. Porque os componentes que integram o avião - a parte electrónica, os motores, as hélices - têm de ser periodicamente mudados. Quando não são mudados por ciclos ou por horas de voo são por calendário. Como eles estiveram parados alguns anos, apesar de mantidos, foi necessário colocar em dia essas manutenções de calendário. Assim, neste momento, estamos num ponto em que é preciso uma decisão por parte do governo de quando é que podemos avançar. É preciso resolver isso e também decidir quais são os equipamentos que vão ser instalados nas aeronaves. Elas estão com equipamentos perfeitamente úteis, mas existem hoje, face aos desenvolvimentos tecnológicos, uma série de novos equipamentos ajustados à realidade das missões que a Guarda Costeira pretende desempenhar. Foi criado um Caderno de Encargos por parte da Guarda Costeira que nós estamos a analisar e é também preciso tomar essa decisão sobre que equipamentos lá colocar. Havendo essa decisão por parte da Guarda Costeira e havendo a aprovação orçamental estamos disponíveis para assinar o contrato definitivo e arrancar com a instalação desses equipamentos e dos trabalhos que faltam. Eu diria que desde o momento da decisão estaríamos a falar de 2 ou 3 meses para a entrega da primeira aeronave.
Não estamos a falar da aquisição de duas canetas, estamos a falar de aeronaves, é um negócio avultado e é necessário haver da parte do governo a alocação financeira e o planeamento que têm no Orçamento do Estado
Mas tem sido isso que tem atrasado a entrega dos aviões?
Sim. É verdade. O calendário que definimos com a Guarda Costeira, que tem sido o nosso interlocutor directo e com quem dialogamos, tem várias fases em que as aeronaves seriam entregues em Setembro. Esta foi sempre a data que foi discutida e nós teríamos que desenvolver uma série de acções de formação, que foi o que fizemos. Fizemos formação aqui em Cabo Verde e em Portugal de técnicos de manutenção da Guarda Costeira, naquelas específicas aeronaves, fizemos alguma formação a pilotos da Guarda Costeira. Mas todas elas sofreram alguns atrasos, o que fez ‘descambar’ um pouco este calendário. Mas isso é normal. Não estamos a falar da aquisição de duas canetas, estamos a falar de aeronaves, é um negócio avultado e é necessário haver da parte do governo a alocação financeira e o planeamento que têm no Orçamento do Estado. Da parte da Guarda Costeira, há necessidades muito específicas para aquela aeronave, são precisos equipamentos muito específicos para colocar lá. Há aqui duas questões diferentes: uma é a aeronave poder voar e ela poderia voar em duas três semanas se fechássemos o contrato agora; outra coisa é voar com os equipamentos que eles pretendem colocar. Estamos a falar de equipamentos militares, equipamentos electrónicos de última geração. Nós, Sevenair, e eu pessoalmente, entendemos a demora deste processo. Eu sei que as pessoas quando se fala neste tipo de coisas querem sempre que seja para amanhã, mas também por isso é que tínhamos esta aeronave (Jetsream32) aqui a voar. Para poder cobrir algumas das missões que os Aviocar irão desempenhar no futuro.
Uma das informações vindas a público recentemente, diz que a Sevenair estaria a negociar a entrega do Jetstream em vez dos CASA.
Não é verdade. Devido a esta questão, que eu referi há pouco, da impossibilidade de continuarmos a operar com o Jetstream com registo português. Foram colocados vários cenários em cima da mesa. Um dos cenários seria avançarmos já com um pedido de certificado de operador aéreo cabo-verdiano, que nós não vemos com maus olhos uma vez que nos permitiria fazer operações comerciais aqui no mercado, fazer voos de carga ou de passageiros. Mas, para podermos fazer isso, estamos a falar de um processo moroso. Requer instalações, requer uma série de pessoas em função a tempo inteiro aqui, requer meios físicos e humanos que não se conseguem resolver em pouco tempo. Depois há as aprovações por parte da autoridade que demora o seu tempo a fazer auditorias, etc. Essa é uma possibilidade, mas que para a urgência da operação nós achamos que não resolve o problema. Outra solução seria colocarmos esta aeronave como aeronave do Estado. Isso tem de ser uma decisão do governo e automaticamente deixaria de estar coberta pela legislação comercial, porque de facto nós não estamos a fazer uma operação comercial, não estamos a vender bilhetes. Outra opção ainda seria registá-la debaixo do registo militar de Cabo Verde. Já existe legislação, foi criada neste último ano, que cria uma autoridade de aviação militar em Cabo Verde que tem os seus próprios registos, com a sua regulamentação. Tal como existe em Portugal, onde existe uma autoridade para a aviação militar que não depende da autoridade civil. Obviamente que, para nós, ter a nossa aeronave registada com registo militar de um país não EASA é complicado, porque para reavermos essa aeronave seria muito difícil voltar a registá-la na Europa por diversos motivos. Para fazer isso, teríamos de fazer uma venda da aeronave. Até nem fomos nós que propusemos isso, foi a AAC que sugeriu essa opção ao governo dizendo que em poucos dias a aeronave poderia voltar a operar. Agora, mais uma vez, isto é uma operação que envolve muito dinheiro, porque um avião é sempre um valor elevado. Terá de ser discutido. Eu penso que estará a ser discutido pelos vários ministérios, terá de ser discutido no Conselho de Ministros e nós aguardamos. Aquilo que nos propusemos a fazer é analisar qualquer uma das opções. Nós temos pedidos de outros países e se amanhã tivermos de levar a aeronave daqui, nós temos contratos para ela noutros locais. Agora, gostaríamos muito de continuar cá. Se tivermos de vender o Jetstream nós continuaremos a apoiar naquilo que for preciso, desde a formação dos pilotos, na manutenção. Mas se esse negócio avançar será um negócio paralelo ao dos Aviocar. Terá de ser o governo a dizer se a aeronave serve ou não. Estamos a falar de aeronaves muito distintas e com missões distintas. O Jetstream é mais adequado à emergência médica, ao transporte de pessoas, pode fazer voos para o Senegal, Guiné-Bissau. É um avião que voa mais alto, é pressurizado. Os Aviocar são aviões puramente militares. Não são tão confortáveis, não são pressurizados, mas fazem missões completamente diferentes e podem aterrar em pistas não preparadas. Se houvesse orçamento para isso, havia missões para ambos os tipos de aeronave. Mas terá de ser o Estado a decidir se tem necessidade de ambas ou não. Se sim, decidir se quer o Jetstream e os dois Aviocar ou o Jetstream e um Aviocar. É uma questão que está a ser analisada pelo governo. Mas como dizia, o que existe é um contrato promessa para a venda de dois Aviocar.
Poderíamos fazer um tipo de parceria com um dos operadores que já existe. Não concorrer com eles, mas complementá-los, porque existem ilhas com pouco tráfego de passageiros e para onde as companhias são relutantes em enviar aviões de maior porte porque têm prejuízo.
Quando a Sevenair veio para Cabo Verde, não foi posta de parte a possibilidade de entrarem no mercado comercial para fazerem as ligações interilhas. É uma ideia que ainda mantêm?
Quem nos conhece sabe que a Sevenair já operou aeronaves de maior porte, de menor porte ao longo destes 32 anos de existência. Mas com este tempo todo, nós acabamos por nos especializar em operação de aeronaves de 19 lugares. E essas aeronaves são muito específicas que nos permitem operar em pistas muito curtas, em condições muito adversas como aeródromos que não têm ajudas instrumentais, onde se chega só com voos visuais. Nós hoje somos considerados quase especialistas a nível mundial nestas operações. Operações que a maioria das companhias não quer fazer. Posso-lhe avançar que vamos arrancar com uma operação em Itália no próximo ano, um novo mercado para o grupo, precisamente porque operamos este tipo de aeronaves que podem voar para pistas muito difíceis, com montanhas em frente, pistas com 700 metros e sem condições de rádio. Somos muito procurados para este tipo de operações. É quase um nicho dentro do mercado da aviação. Cabo Verde tem características um pouco diferentes. Eu diria que, e foi para isso que sempre mostramos abertura, poderíamos fazer um tipo de parceria com um dos operadores que já existe. Não concorrer com eles, mas complementá-los, porque existem ilhas com pouco tráfego de passageiros e para onde as companhias são relutantes em enviar aviões de maior porte porque têm prejuízo, e nós poderiamos operar nessas ilhas com aviões mais pequenos. Ao mesmo tempo essas companhias, nas ilhas de maior tráfego já têm problemas porque aí os aviões já são pequenos e precisam de mais carga. Existem aqui várias questões no mercado interno que têm de ser analisadas. Existem soluções e nós achamos que o facto de aparecermos aqui como um novo concorrente não faz muito sentido. Faria sentido aliarmo-nos a um dos operadores existentes, ou a ambos, e criarmos uma estratégia mais ampla e mais definida e eventualmente ter aqui um modelo misto como existe na Europa de rotas concessionadas, porque nessas ilhas de menor tráfego as pessoas estão isoladas e, porventura, até faria algum sentido haver um subsídio ao passageiro de ajuda ao transporte aéreo.O tipo de aeronaves também teria de ser estudado. Se houve esse tipo de consórcio de empresas teriam de haver aeronaves mais pequenas para essas ilhas e ter outro tipo, maior e com mais capacidade de carga, para as outras. Há vários cenários que podiam ser estudados. Nós estamos abertos a todos. Devo dizer que não analisamos nada até agora. Já houve abordagens, mas muito preliminares, mas nada de concreto. O foco tem sido sempre esta operação de evacuações médicas e temos tido alguns contratempos com ela como é sabido.
A chegada da LeaseFly também vos condiciona...
Ou não. Eles operam aviões diferentes dos nossos. Nós nem sequer nos consideramos concorrentes deles. Podemos ser complementares. Eu sei que eles neste momento estão a fazer um contrato de wet-lease, estão a voar para a Cabo Verde Airlines num contrato de aluguer tal como nós temos com a Guarda Costeira, mas que pretendem ter um certificado de operador aéreo. Não sei se quererão fazer voos internos directos ou não. O mercado interno é pequeno e aparecerem dois, três ou quatro operadores, no nosso ponto de vista, não faz muito sentido. Apenas vai acabar por matar o mercado. Faz muito mais sentido dialogarmos com os operadores existentes e criarmos aqui uma solução conjunta que possibilite a todos ganharem dinheiro e oferecer ao passageiro e ao mercado as soluções mais adequadas. Eu acho que é isso que faz sentido. Mas para já o nosso foco será resolver a questão que temos com a Guarda Costeira e, ao mesmo tempo, iniciarmos já os cursos de formação aqui no mercado.
A AAC já veio dizer que os cursos que vocês querem fazer em parceria com a UNICV não serão reconhecidos em Cabo Verde porque a SevenAir não tem uma licença para formar técnicos de manutenção.
Mais ou menos. Eu acho que aqui houve uma má comunicação de todas as partes. Nós estamos habituados a um mercado um pouco diferente. Demora a conhecermos o mercado e a própria AAC também não nos conhece e se calhar devíamos ter dialogado antes. E o nosso parceiro UNICV também. Houve algumas alterações na administração da AAC e eu sei que teriam havido conversações entre a universidade e a anterior administração da AAC, mas como houve mudanças, provavelmente, não houve a partilha das informações todas. Basicamente, o que nós nos propomos fazer aqui e desde o início que sempre o dissemos foi fazer formações no âmbito das nossas certificações europeias. Logo, não estão estão abrangidas pela AAC. Isto já foi esclarecido com eles, a AAC já percebeu. Eu entendi que há algum receio por parte da AAC, porque já houve pessoas aqui no mercado a prometer formações que depois não têm qualquer reconhecimento. Não é este o nosso caso. A EASA, que é o regulador europeu, a agência europeia de segurança aérea, que inclui todos os países membros da União Europeia e mais alguns que não são da UE, é hoje a entidade que emana a legislação mais apertada e mais rigorosa a nível mundial em tudo o que tenha a ver com aviação. Portanto, todas as licenças EASA são hoje a referência seja num piloto, seja num técnico de manutenção, porque os requisitos para obter uma certificação EASA são de facto muito apertados. Por exemplo, um piloto que tire o curso nos EUA, tem cerca de 300 horas de teoria, nós damos entre 750 a 1000 horas. A mesma coisa com um técnico de manutenção. Um dos nossos módulos do curso de manutenção equivale a todo o curso de mecânico nos EUA em termos de horas, de teoria. A EASA é de facto a referência que começa a ser adoptada em muitos países fora da União Europeia. Qualquer aluno que traga para Cabo Verde uma licença EASA pode pedir uma conversão de licença à AAC. No limite, como existem convénios entre a AAC e a EASA eles terão de fazer um ou dois exames. O que nós nos propusemos desde o início e, por isso, nunca falamos com a reguladora sobre isso, e se calhar deveríamos tê-lo feito, era informar que íamos fazer cursos no âmbito da EASA em Cabo Verde. A entidade que irá certificar e auditar o curso é a EASA através da ANAC portuguesa. Isso vai permitir que qualquer pessoa que faça o curso connosco esteja apta para fazer os exames EASA para obter essa licença e que permite trabalhar em qualquer país da União Europeia. O que a legislação também diz é que o titular da licença pode ter licenças de várias entidades, ou seja podem ter licença da EASA, da AAC, do Brasil, da FAA dos Estados Unidos, tudo ao mesmo tempo. Para nós a licença EASA é importante porque o nosso plano estratégico aqui para Cabo Verde, como sempre dissemos, não é a curto prazo ou, pelo menos, gostávamos que não fosse. O mercado de Cabo Verde é muito pequeno e no início poderemos encher turmas com locais, mas se queremos um projecto sustentável no longo prazo isso é insustentável. A nossa estratégia é, ao abrir uma academia certificada EASA aqui,trazer alunos de fora, de toda a região para fazer formação em Cabo Verde. Em Portugal temos duas grandes limitações que nos estão a impedir de crescer mais: estamos a 100% da nossa capacidade, o que é bom, mas recusamos trabalho todos os dias por causa disso, já temos as turmas do curso de pilotos de 2020 cheias e já estamos a assinar contratos para 2021. O segundo problema é que alguns dos países aqui da região têm dificuldade em enviar pessoas para Portugal por causa da obtenção de vistos. Estamos no Espaço Schengen e sabemos que os requisitos são mais apertados como a demora nas emissões dos vistos tem sido noticiada largamente. Nós temos vários contactos com elementos da região no Senegal, Costa do Marfim, Nigéria para fazer formação a um número considerável seja de pilotos seja de técnicos de manutenção. E nós vemos a abertura em Cabo Verde da nossa SevenAir Academy como uma forma de dar resposta a este mercado. Achamos que é bom para nós, obviamente, mas também será para Cabo Verde porque vai estar a exportar serviços. Na primeira formação, que vai arrancar a 14 de Outubro, para o curso de manutenção de aeronaves, muitos dos módulos já serão dados por professores cabo-verdianos. Nós também já somos certificados pela AAC para dar formação de pilotos em Portugal. Qualquer cabo-verdiano ou qualquer aluno que faça o curso em Portugal na nossa escola tem uma certificação AAC.