Envelhecimento: um desafio, várias realidades…

PorSheilla Ribeiro,27 out 2019 8:48

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), idoso é todo indivíduo com 60 anos ou mais. Alguns, contam com o apoio familiar nessa fase, outros envelhecem sozinhos e têm de se “desenrascar”, já que a mobilidade, força e agilidade já não são os mesmos de antes. Exemplos não faltam em Cabo Verde.

Catarina Lopes Tavares, mais conhecida por Nenezinha, tem 81 anos e vive sozinha no bairro de Ponta D´Água, cidade da Praia. A idosa não tem filhos, é viúva e vive sozinha. Os vizinhos, segundo conta, são a sua família, além de um sobrinho que, ocasionalmente, lhe faz visitas. São eles que lhe dão assistência e a ajudam a passar o tempo. 

“Não tenho filhos. Tenho muitos sobrinhos, mas apenas um cuida de mim e, de vez em quando, vem me ver. Em tempos eu gostava mesmo de dormir sozinha. Depois de rezar vou dormir”, conta Nenezinha sempre sorridente e com uma voz doce. 

Estar sozinha, conforme relata, nunca foi um problema. Mas agora, à medida em que a idade avança, Nenezinha diz sentir medo todos dos dias à hora de dormir. Medo de dormir e nunca mais acordar sem que ninguém dê por isso. 

“Pedi a todos os meus vizinhos que toda as manhãs, ao passarem por aqui, para baterem à minha porta a ver se eu ainda estou viva, porque não quero morrer e ser encontrada depois de vários dias”, narra emocionada. 

Esse medo, entretanto, tornou-se maior. É que a idosa agora tem de trancar o portão da casa por dentro já que, segundo diz, várias vezes alguém já a tentou assaltar. 

“No outro dia, veio um rapaz que me pediu um copo de água. Deixei-o à porta e fui para a cozinha buscar o que me pediu, quando regressei ele tinha o meu telemóvel e preparava-se para sair. Na tentativa de impedi-lo de roubar, empurrou-me e quase caí”, lastima.

O telemóvel, de acordo com Nenezinha, foi um presente da irmã que se encontra em Portugal e era uma forma de manterem o contacto. Além disso, era um modo de se comunicar com os vizinhos que lhe ligavam para saberem como está e se acordou com vida, sem ser preciso baterem-lhe à porta. 

As portas que antes eram sempre abertas, agora estão fechadas mesmo durante o dia, entrando a luz do sol apenas pelas janelas que têm grades. “Paguei 4 mil escudo por cada janela, para colocar as grades. 

O portão de ferro custou-me 20 mil escudos. Eu tenho medo das pessoas, não gosto de fechar a porta, mas agora tenho de fechar durante o dia e deixar apenas a janela aberta”, relata a anciã, demostrando como tranca o portão durante o dia. 

Outra realidade

No mesmo bairro, encontramos uma outra realidade. Maria, de 92 anos, vive com a filha mais nova, Lita, há quase 10 anos. Muito próximas, mãe e filha passam o dia todo juntas, conversando e fazendo companhia uma à outra. 

“Depois de um ano e poucos, após a morte do meu pai, trouxe-a do interior para ficar comigo. E o meu pai pediu-me para cuidar da sua mulher. Pediu-me para ser eu e ninguém mais”, revela.

Lita possui um atelier de costura no andar de baixo da casa. Se não tiver alguém em casa, a mãe faz-lhe companhia no atelier. Devido à idade, não gosta de a deixar sozinha, com medo das quedas que, segundo diz, tornaram-se frequentes. 

“Não gosto muito de sair e deixá-la porque não confio, com medo que caia. Se eu precisar sair para fazer compras sempre a deixo com alguém, se não tiver ninguém, recomendo-lhe ficar em cima da cama que é onde sei que não vai se machucar. Porque se cair ficará na cama. Então, vou rapidinho e volto”, refere a costureira que enfatiza que deixar a mãe sozinha é uma situação rara. 

Com 92 anos e quase cega de um olho, Maria depende da filha para tudo. Lita tem de banhar e alimentar a mãe. Todavia, diz que a casa está sempre divertida por causa das brincadeiras da mãe. 

Viver ou Sobreviver? 

O pai da Lita foi emigrante. Dona Maria recebe uma pensão de reforma do marido e por isso, conforme explica a filha, não tem direito à pensão que os idosos recebem.

“Não tenho nenhuma outra ajuda e a pensão do meu pai serve para desenrascar”, garante. 

Nenezinha, por sua vez, diz que sobrevive com a pensão dos idosos que vai receber nos Correios. Esse dinheiro, para Nenezinha, não dá para nada. A idosa tem sempre de pedir dinheiro emprestado aos vizinhos e ao receber tem de devolver. 

“De vez em quando o meu sobrinho dá-me alguns tostões. Isso, quando ele está empregado, mas nesse momento ele não está a trabalhar “, profere, alegando que por causa dos remédios que tem de comprar, o dinheiro é exíguo, apesar de os comprar por 100 escudos no centro de saúde do seu bairro. 

Alternativas para os idosos da capital 

Para o coordenador do Centro da Terceira Idade da Cruz Vermelha de Cabo Verde, José Tavares, trabalhar com a terceira idade é uma “experiência mais do que agradável” porque, conforme alega, está-se a “retribuir” a tudo o que um dia fizeram. 

“Para nós é um prazer enorme poder contribuir para que muitos idosos tenham melhores condições de vida. Mais do que uma obrigação para nós, é uma satisfação poder estar com eles. É uma oportunidade podermos vivenciar as suas experiências de vida, que é uma grande lição”, enfatiza. 

Prosseguindo, disse aquele responsável que hoje em Cabo Verde há um número significativo de pessoas com carência afectiva, emocional, sentimental, mas também, com carência económica. Então para dar respostas a essa população, afirma, a Cruz Vermelha criou um lar de idosos em alguns municípios de Cabo Verde. 

Nesses lares, de acordo com José Tavares, durante o dia realizam-se várias actividades para a ocupação de tempo livre dos idosos, bem como o acompanhamento de saúde e psicossocial, actividades educativas, além da convivência entre si e com a geração mais nova.

A mesma fonte revela que os idosos da Cruz Vermelha são aqueles ou ficam em casa e a família não cuida, ou sequer têm família. 

“Por exemplo, há pessoas que encontramos na lixeira e que lá viviam há muitos anos. Há outros que não têm nenhum familiar em Cabo Verde e que estão entregues ao abandono. A nossa política é resgatá-las e dar-lhes a oportunidade de serem nossos amigos, reintegrá-los e conviverem com outros idosos”, menciona. 

O coordenador da Cruz Vermelha garante que a intenção não é substituir a família biológica e sim arranjar uma família afectiva aos anciãos. Uma família com a qual podem relacionar-se e conviver de forma harmoniosa. 

José Tavares diz ainda que diariamente vários idosos beneficiam de refeições, consultas, medicamentos e outros apoios da instituição.

“Distribuirmos refeições ao domicílio àqueles que não podem ir ao centro, os que estão acamados, e são mais de uma dezena na cidade da Praia. Na Brava, Santo Antão, Fogo, São Vicente e outros municípios também. Portanto, temos modalidades de assistir àqueles que vêm ao centro e modalidades que assistências aos que estão em casa”, descreve o coordenador. 

CMP quer que pessoas tenham envelhecimento activo e saudável 

A vereadora de Acção Social da Câmara Municipal da Praia (CMP), Ednalva Cardoso, diz que a autarquia tem um lema voltado para o envelhecimento activo e saudável através de um centro de dia em Achada de Santo António (ASA), em Castelão, e um centro comunitário com valência para terceira idade na Bela Vista que trabalha duas vezes por semana com os idosos.

“Temos desde serviços de cuidados de higiene pessoal, tratamento dos seus vestuários, alimentação e outras atividades variadas que desenvolvemos com eles como palestras, onde são abordados temas viradas para a saúde, para a violência ou a não-violência contra idosos”, diz.

Segundo a edil, os idosos dos centros municipais sofrem com a questão da solidão e a não-violência física. Fazer com que as famílias não deixem os anciãos em casa, consoante Ednalva Cardoso, é um trabalho que a CMP vem desenvolvendo, tendo em conta que nos centros, os idosos poderão “conversar, jogar, participar em feiras de saúde”, dentre outras atividades. 

“Os filhos não encaram bem o facto de os pais frequentarem um lar da autarquia. É um trabalho que estamos a tentar fazer junto com eles para desconstruir essa ideia”, pondera.

Conforme Ednalva Cardoso, há várias actividades que a autarquia realiza durante o ano, e convida idosos que não frequentam os centros para também participarem. 

“Anualmente temos perto de 100 idosos que vão para a Avenida Cidade Lisboa brincar o Carnaval, desfilar, participam na corrida da Liberdade, todos os 13 de Janeiro são eles a dar partida na prova. Na noite Branca, há 2 anos que têm participado nos desfiles de moda só da terceira idade”, exemplifica. 

Centro de emergência 

De acordo com a Vereadora de Ação Social da CMP, neste momento a autarquia tem em curso uma resposta nova para a terceira idade: um centro de emergência. Conforme explica, trata-se de um trabalho desenvolvido recentemente em parceria com o Ministério da Família e Inclusão Social. A estrutura funciona dentro do centro de Castelão.

“Uma resposta social para o regime full time. Quero dizer que os idosos que não têm o suporte familiar, que estão abandonados, que estão em situação de rua ou sem abrigo, podem ficar no centro em regime interno com todo o suporte a nível do tratamento de vestuário, higiene pessoal, acompanhamento para as consultas, cuidados de saúde, participação na vida activa do centro com jogos, actividades físicas”, explicou.

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O mundo poderá ter 1,6 mil milhões de idosos em 2030

Entre 2017 e 2030, o mundo poderá experimentar um aumento de 46% da sua população com mais de 60 anos de idade. Neste Dia Internacional das Pessoas Idosas, a ONU escolheu o tema “Uma Jornada para a Igualdade Etária”.

Com o aumento, o grupo chegaria até 1,4 mil milhão de cidadãos, ultrapassando o total de jovens e de crianças menores de 10 anos. 

O crescimento será ainda mais rápido nos países em desenvolvimento, o que pode representar uma das transformações sociais mais importantes do século 21. A Ásia deverá concentrar a maioria dos idosos enquanto o continente africano registará o maior crescimento proporcional. 

Em 2002, a Assembleia Geral da ONU adoptou o Plano de Acção Internacional de Madrid sobre o Envelhecimento, que promove uma sociedade para todas as faixas etárias e de forma inclusiva no trabalho, na economia, na saúde, em processos decisórios e na sociedade. 

Para a ONU, as pessoas na terceira idade têm muito a contribuir e o envelhecimento oferece oportunidades e desafios. Uma das metas associadas da Agenda 20-30 é a cooperação entre gerações. 

Dar autonomia a pessoas idosas e incluí-las na vida política, económica e social é uma forma de reduzir desigualdades. 

O Objectivo de Desenvolvimento Sustentável 10 sobre redução de desigualdades entre países e dentro deles visa eliminar a discriminação etária e dar poder a todos, independentemente da idade, religião, sexo, etnia ou outros factores.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 934 de 23 de Outubro de 2019. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,27 out 2019 8:48

Editado porAndre Amaral  em  14 jul 2020 23:21

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