​Projecto BERC-Luso quer levar ensaios das farmacêuticas aos PALOP

PorExpresso das Ilhas, Lusa,15 fev 2020 15:44

A coordenadora do projecto BERC-Luso, Maria do Céu Neves, disse hoje, na Praia, que os ensaios clínicos nos países africanos de língua portuguesa ainda são incipientes, apesar do potencial para captar esse interesse, com Cabo Verde na liderança.

“A indústria farmacêutica quer trabalhar com legislação muito robusta, com supervisão efectiva, com monitorização continuada. Estas são as condições que atraem hoje a realização de ensaios clínicos e por isso esse é nosso primeiro enfoco nos países africanos parceiros: conseguir promover uma legislação robusta”, apontou a especialista portuguesa em Ética.

Maria do Céu Neves, antiga eurodeputada portuguesa, falava hoje aos jornalistas na capital cabo-verdiana para apresentar a formação que o BERC-Luso - projecto de capacitação ética regulamentar nos Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP), apoiado pela União Europeia e co-financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian - vai promover na próxima semana na Praia, com peritos internacionais e o apoio da Organização Mundial de Saúde.

Segundo a responsável, sem uma legislação robusta, como acontece actualmente nos PALOP, e num quadro de grande competição internacional para captar os ensaios clínicos – em 2019 apenas 1% desses ensaios a nível mundial foram realizados em África e metade desses concentrados na África do Sul –, “não haverá interesse” das farmacêuticas.

Para os países africanos de língua portuguesa, constituindo-se num ‘cluster’ nesta área, trata-se de um “mercado a explorar”, como nos ensaios para tratamento de doenças endémicas ou na medicina tradicional, com recurso a substâncias naturais “que podem vir a ser utilizadas como princípios activos futuros”.

“Se tivermos uma comunidade científica robusta nestes países, estes podem-se tornar parceiros essenciais, com mais-valias que não encontramos noutros países”, destacou, sublinhando a necessidade de criar as condições para concorrer internacionalmente.

“Entramos numa fase em que é enorme a competição pelos ensaios clínicos e por isso as grandes indústrias que se dedicam à investigação biomédica vão agora desenvolver as suas actividades nos países que oferecem condições”, reconheceu.

Cabo Verde, admitiu Patrão Neves, destaca-se neste processo, com a parte legislativa e a capacitação profissional “mais avançada” entre os PALOP (ainda Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau), com condições para “em breve” cumprir os requisitos internacionais.

“No contexto geral dos PALOP, é efectivamente o país que tem uma legislação mais desenvolvida. Todos os contactos que temos tido a nível político e legislativo apontam para uma grande vontade, um grande investimento do país no sentido de poder assimilar a totalidade das boas práticas internacionais”, observou.

Nesta matéria, o cenário actual, recordou, já não é o do século XX, em que os ensaios eram realizados em países subdesenvolvidos, sem legislação, permitindo processos mais céleres e baratos às farmacêuticas.

“Actualmente, a indústria farmacêutica não está interessada em trabalhar fora da lei ou com legislações permissivas”, explicou, reconhecendo que os PALOP enfrentam ainda, neste processo, a ausência de formação das organizações internacionais em língua portuguesa no continente africano, papel que está a ser assumido pelo projeto BERC-Luso.

No seu entender, os PALOP precisam de desenvolver “legislação adequada” de acordo com as regras internacionais, ter “profissionais com formação específica na área da apreciação regulamentar e ética” destes projetos, para assim criar condições atraentes para a indústria farmacêutica.

Esse trabalho, admitiu, ainda está no início nestes países, onde a realização destes ensaios clínicos a novos medicamentos e tratamentos é “muito incipiente”, com menos de cinco processos e nalguns países sem qualquer teste, “o que é normal”.

“Se não há condições legislativas e de capacitação dos profissionais para a supervisão e para a monitorização, então se calhar mais vale mesmo que não se realizem”, sublinhou.

Em Portugal, a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) recebeu 142 pedidos de autorização de ensaios clínicos em 2019, um aumento de 53% face a 2018, captando 100 milhões de euros de investimentos.

A coordenadora do BERC-Luso, lançado em 2018, explica que cada euro investido nos ensaios clínicos representa actualmente um retorno para estes países de 1,99 euros, desde logo com a obrigatória requalificação dos serviços de saúde que os recebem, com novos equipamentos e acesso a medicamentos de última geração. Também pelo reforço da comunidade científica de cada país, “desenvolvendo a capacidade e massa crítica”, ou ainda pela dinamização que provoca na economia.

Tudo isto com recurso a um quadro legal “robusto”, garantindo os direitos de quem participa nos ensaios, conforme o novo paradigma das organizações internacionais que se vive desde o início do século e que rompeu com a realidade do passado: “Ou seja, os ensaios clínicos podiam ser feitos mais rapidamente e com menos custos. Mas também significava a violação dos direitos humanos e ausência de retornos para os países onde tinham lugar. Esta fase está totalmente ultrapassada e hoje há uma competição internacional para receber os ensaios clínicos”.

No primeiro ano de actividade o BERC-Luso fez o levantamento de toda a legislação nesta matéria nos PALOP, identificando as respetivas lacunas para assimilar as boas práticas internacionais. Neste segundo ano será feita a formação e capacitação de profissionais, em termos éticos e regulamentares, inclusive com a acção que arranca na segunda-feira na Praia.

Até final de 2020 cada um dos PALOP terá um grupo de cinco profissionais “formados ao mais alto nível”.

Em 2021 será feito o reforço da formação e a implementação prática, preparando os profissionais formados para serem os próximos formadores em cada país, “garantindo um efeito dominó e um efeito continuado” do projecto.

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Autoria:Expresso das Ilhas, Lusa,15 fev 2020 15:44

Editado porFretson Rocha  em  11 nov 2020 23:21

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