Segundo a psicóloga Andreia Monteiro, que se dedica a acompanhar crianças e adolescentes no Hospital Agostinho Neto, Cidade da Praia, ao explicar para uma criança o que é a COVID-19 e o porquê do confinamento, os pais devem transmitir informações breves, alinhadas com a linguagem da criança e de forma positiva.
Andreia Monteiro explica ainda que é preferível explicar o que é o distanciamento físico em detrimento do distanciamento social. Isto porque, pondera, o distanciamento físico está “mais perto” da aproximação emocional afectiva.
“Quando dissermos às crianças: nós vamos ter de nos distanciar das pessoas fisicamente, requer que não é distanciar emocionalmente. Então é bom explicar para a criança que neste momento vamos nos distanciar das pessoas fisicamente para nos proteger mas, os pais e familiares podem trabalhar a parte afectiva com os pequeninos”, esclarece.
Da mesma forma, o especialista em educação, João Semedo, afirma que não se pode esconder nem negar falar do assunto com as crianças. Pois, fundamenta, os “mais baixinhos” possuem “discernimento e capacidade cognitiva, de avaliação e de aceitação a seu nível”.
Mas, afirma, é preciso ajustar a comunicação, a mensagem ao seu nível de entendimento, para também não provocar traumas e outros danos. João Semedo elucida que, assim, as crianças aceitam, com alguma naturalidade, a gravidade da situação e aceitam as mudanças que estão a condicionar o seu dia-a-dia.
“Esta aceitação faz com que elas também assumam as suas responsabilidades. Veja, como é que vou convencer uma criança da necessidade de higiene manual se eu não explicar a razão de o fazer e o risco que corre caso não o fizer? Como é que eu quero que o meu filho deixe de frequentar a casa do amiguinho com naturalidade, se eu não explicar e ele não interiorizar a razão? Elas também têm autonomia, a seu nível, e devem ser estimuladas a assumi-la, mas com diálogo franco, pedagógico, ajustado ao seu nível de conhecimento e de responsabilidade”, exemplifica.
Um outro aspecto apontado por João Semedo é fazer com que toda a informação que se passe para as crianças não crie uma situação de ansiedade ou que possa provocar a perda da sua tranquilidade, dificuldades em dormir, sonos perturbados, má disposição, problemas de foro alimentar, dentre outros.
Explicar, mas sem causar alarmismo
O educador João Semedo menciona que os pais devem reformular as respostas, ajustá-las ao nível dos filhos e avaliar a recepção. Porque, esclarece, por vezes os progenitores pensam que já ajustaram a resposta a nível das crianças, mas a recepção pode indicar o contrário.
Por isso, recomenda aos pais para estarem atentos e avaliar a reacção e o processo de interiorização por parte das crianças, relativamente às informações que lhes são passadas e, se for o caso, voltar a ajustar o processo de comunicação até responder às necessidades das crianças.
O psicólogo, Nilson Mendes, por sua vez, diz que garantir a qualidade da informação e a credibilidade da mesma, é uma boa forma de evitar o alarmismo nos mais pequenos. Na dúvida, se a resposta foi ou não interiorizada, orienta os pais a solicitar à criança que explique o que ouviu, viu, leu, e que diga o que acha.
“As crianças, por exemplo, têm nas birras um dos modos de expressar o medo. Se os pais lidarem com isso como antes lidavam, podem não estar a atender às necessidades do filho. Os adolescentes, em particular, não estão habituados a serem contidos no espaço e a não poderem fazer as suas rotinas, que lhes dão prazer. Isso pode provocar mudanças de humor e alterações súbitas de comportamento a que os pais devem estar atentos”, adverte.
Para atenuar os sintomas de ansiedade, o psicólogo afirma que é preciso estar atento aos sinais e manter a comunicação sobre o que sentem. O medo, um dos sentimentos frequentemente activado em cenário desafiador e imprevisível como este, profere, o importante é dar oportunidade ao filho de falar o que sente, ajudá-lo a explorar as razões que estão por detrás deste medo, aceitá-lo e expressá-lo sempre que necessitar.
Por seu turno, a também psicóloga, Andreia Monteiro, ressalta que é “normal”, assim como os adultos, as crianças terem alterações emocionais, alguma irritabilidade, alguma ansiedade e alguma agitação.
“Tornam-se patológicos quando são mais constantes. Quando a criança perder os interesses familiares, ficar muito irritado, começar a oscilar emocionalmente, aí sim, eu oriento para procurarem apoio psicológico desde a linha verde que está completamente disponível para apoiar os pais em questões de dúvidas ou então procurar um psicólogo para melhor explicar”, refere.
Envolver as crianças durante o confinamento
Para Andreia Monteiro, é “importante” a criança continuar com uma rotina, tendo um horário de dormir, de acordar, que inclui as actividades diárias escolares ou pedagógicas e envolvê-las em actividades da casa, como por exemplo, tirar e por a mesa.
“Mais importante ainda é termos um momento de conversa com a criança, dar um espaço para se expressarem, para dizerem o que estão a sentir, o que estão a pensar, as dúvidas que têm. É uma boa oportunidade de aproximação entre pais e filhos”, explica.
Também o psicólogo Nilson Mendes instrui os pais a serem compreensivos, assim como demonstrar o apoio emocional com diálogo, atenção, carinho, além de escutar e solucionar as preocupações dos filhos. Além disso, ressalta, torna-se importante elogiar o comportamento dos filhos, diante das medidas recomendadas.
Por esta razão, enfatiza o especialista, é importante as crianças manterem uma rotina ajustada ao novo contexto, integrando “de forma regular e equilibrada” tempos de estudo, de descanso, de lazer e de interação social. Os contactos à distância, prossegue, sobretudo com os amigos e colegas, podem ser momentos para partilhar o dia-a-dia e combinar actividades que possam desenvolver em suas casas, em que os produtos possam ser partilhados online.
O consumo do ecrã
De acordo com o educador João Semedo, a criança que “consome” exageradamente o ecrã, tem tendência para ter problemas graves de socialização. Durante o confinamento, diz, é propício haver um aumento de consumo de “ecrã” por parte das crianças, muitas vezes estimulado pelos próprios pais, alegando falta de tempo ou tentando ocupar as crianças, sem que dispensem muito esforço para tal e, desta forma, conseguirem relativa tranquilidade.
“Tem de haver equilíbrio. Não se deve cair no extremo de cortar, mas tem de haver equilíbrio e reservar tempo a outras actividades, mais saudáveis e há que haver disponibilidade dos pais para seguir, regular e acompanhar todas as actividades dos filhos nestes dia-a-dia “diferente”, aconselha.
Nesta parte, a psicóloga Andreia Monteiro, começa por apontar os aspectos positivos da tecnologia durante o confinamento, como o facto de aproximar as crianças, virtualmente, dos amiguinhos da escola e dos familiares que vivem em outra casa. Mas, alerta, é preciso limites.
“É importante evitar a exposição excessiva aos ecrãs, aos noticiários porque a criança quando está em casa é bombardeada com informações. Mas, uma criança ou um adolescente não é como um adulto que faz uma gestão das informações, nós temos de tentar controlar essas notícias, para não gerar ansiedade”, aconselha.
E depois do estado de emergência?
Os especialistas ouvidos nesta reportagem defendem que é preciso explicar às crianças que, com o fim estado de emergência, os pais voltam a trabalhar, mas elas continuam em casa.
João Semedo alega que muitas vezes os adultos têm a percepção “errada e até preconceituosa” de que as crianças não compreendem ou não aceitam e caem no erro de sonegar informações ou passar informações pela metade, ou impondo decisões, utilizando a sua autoridade para resolver facilmente as coisas.
“Repito, errado. Aqui deve-se explicar às crianças sobre o nível de responsabilidade. Mostrar que os pais têm uma responsabilidade maior e têm necessidade de ir trabalhar para, inclusivamente, proteger as crianças. Mostrar que há um timing diferente entre eles e que chegará o dia ou a vez de elas também saírem”, assevera.
Nessa linha, Nilson Mendes ratifica que é preciso explicar a todos a razão de os pais saírem para trabalhar, função que desempenham e o motivo delas ainda permanecerem em casa sem deixar dúvidas. As crianças, continua, precisam entender que são parte da casa e que estão vivendo este momento assim como os pais.
“É importante explicar porque é que isto está a acontecer. Por natureza, as crianças querem saber tudo. O problema é a resposta que damos, e o truque é não responder além daquilo que foi perguntado”, participa.
Andreia Monteiro diz igualmente que são os adultos que preparam as crianças para o futuro, mas que para isso torna-se necessário trabalhar o presente.
“Se os pais trabalharem o presente, desde o início e durante o confinamento, no futuro a criança vai estar preparada para lidar com o regresso à rotina. Não vai ser uma dificuldade para as crianças saberem que os pais vão voltar para o trabalho, porque tudo, no fundo, a base é o diálogo”, argumenta.
Entretanto, retoma, os pais ao regressarem para o trabalho, deixando as crianças em casa, devem dar-lhes garantia de que vão ter uma ocupação ou rotina diária para não criar nenhum tipo de ansiedade ou fadiga.
A psicóloga finaliza dizendo que não se deve esquecer das crianças que não têm tecnologia em casa, oriundos de famílias numerosos, ou crianças cujos agressores agora passam a estar mais tempo em casa.
“Será que conseguem fazer o confinamento? Como é que o fazem? Será que têm televisão em casa? Esse é o lado menos bom do confinamento”, pontua.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 965 de 27 de Maio de 2020.