O escritor e poeta Oswaldo Osório relata que perdeu a visão há cerca de 15 anos. Este contista e um dos fundadores do caderno de cultura do Notícias de Cabo Verde, Sèló, conta que descende de uma família com grandes problemas de grau, tanto do lado paterno como do lado materno. “Herdei dos dois lados”, pontua.
“Durante os primeiros três meses, foi bastante difícil. Mas, rapidamente pensei que se a minha mãe tinha sobrevivido até aos 80 anos com a cegueira, fazendo os seus trabalhinhos domésticos em casa, se o meu pai, também atingido pelo mesmo mal, tinha conseguido vencer, embora pudesse ver só por um olho, eu também poderia ultrapassar. Mas, a isto tudo, a esses exemplos familiares, também tive muita fé que haveria de vencer”, prossegue.
Adaptação
Quanto à adaptação, Oswaldo Osório conta que esta foi paulatinamente e que, inclusive, continuou a escrever.
“Ditava à minha mulher, ela escrevia, eu precisava de um livro para consultar, indicava o livro e ela ia buscar e lia a passagem que eu precisava. Fui fazendo as minhas coisas literárias todos os dias às 10 horas como fazemos até hoje, metodicamente, disciplinadamente e com esperança de melhores dias. A gente tem de ter muita força para vencer qualquer desencanto que nos surja na vida”, afirma.
O primeiro livro que escreveu com a ajuda da esposa foi, segundo informa, a “A Sexagésima Sétima Curvatura”, em 2005. Neste momento, revela, está a trabalhar no segundo volume do romance “As ilhas do Meio do Mundo” e também, simultaneamente, o segundo volume de poesia “Tirésias”.
“É preciso ter sempre muita força”
“Todos nós estamos sujeitos a ficar cego, então é preciso ter sempre muita força, muita esperança porque sem força e sem esperança não se vai muito longe”, aconselha Oswaldo Osório completando que antes de perder a visão teve alguns sintomas durante “largos anos”, pelo que considera ter havido “um pouco de desfalque” da sua parte.
Este escritor e poeta relata ainda que se levantava com os olhos cheios de remela, por causa da pressão intra-ocular mas, afirma que não sabia do que se tratava, pois, alega, era um “ignorante” sobre o assunto.
Pandemia condiciona vida de pessoas cegas
Também em declarações ao Expresso das Ilhas, o presidente da Associação de Deficientes Visuais de Cabo Verde (ADEVIC) referiu que a conjuntura actual em que se vive por causa da pandemia da COVID-19, a vida das pessoas com deficiência visual tornou-se “muito mais complicada”.
“É muito mais complicado porque normalmente as pessoas cegas saem, fazem as suas vidas, vão à escola, vão trabalhar, fazem um conjunto de coisas. O que me leva a dizer que ficou muito mais complicada é porque as pessoas cegas têm de tocar em algo. Por exemplo, nas deslocações têm de tocar no corrimão de escadas, na entrada e saída dos autocarros, etc. Portanto, a base do suporte, da segurança são as mãos”, aponta Marciano Monteiro.
Políticas Públicas
Marciano Monteiro refere que os sucessivos governos têm vindo a ter preocupações ligadas a políticas públicas para pessoas cegas. Mas, alega que, de qualquer das formas, independente da vontade do que já foi feito, ainda falta muito para as pessoas cegas.
“A título de exemplo, aliás, hoje (2 de Outubro) é dia internacional do acesso à comunicação e, nessa questão, os cegos estão um pouco à margem. Por exemplo, ainda não temos um jornal no formato acessível que permita uma pessoa cega ler e estar ao par da informação ou de notícias do que se passa no país e no mundo”.
Este responsável cita ainda a conjuntura actual em que se vive, sem que as pessoas cegas tenham toda a informação à prevenção, aos cuidados que se devem tomar perante a situação da COVID-19.
“É sempre através de outras pessoas. Falo de informação escrita, pela rádio e pela televisão ainda dá para ouvir. Mas, na televisão, há algumas limitações por exemplo quando a comunicação passa por escrito no rodapé, quem é cego fica totalmente à margem dessa informação”, continua.
Marciano Monteiro fala ainda no acesso ao emprego, afirmando que “nem para as outras pessoas está fácil”, quanto mais para aquelas com deficiência visual.
“O acesso ao ensino melhorou bastante em relação há uns anos, porque desde há algum tempo há pessoas, crianças com deficiência visual ou cegas nas escolas, pessoas cegas já com licenciaturas feitas, no emprego e isso melhora um bocado. Mas, ainda não chegou ao que é desejável”, aponta.
Monteiro refere, entretanto, que as pessoas têm “uma série de dúvidas” se no caso de colocarem uma pessoa cega no emprego, se realmente vai dar o resultado que devia dar.
Universidades
“Nas universidades há sempre problemas de adaptação que, graças a Deus, as pessoas que foram a universidade, a maioria sempre tenta ultrapassar, mas tem sempre dificuldades, começando pelos materiais didácticos”, indica.
Marciano Monteiro diz ainda que as universidades não têm materiais adaptados às pessoas cegas e que também há problemas a nível do acesso. Enfim, acredita este responsável que há várias lacunas que, mesmo estando na universidade, pessoas cegas têm enfrentado.
“Ainda falta muito a fazer por pessoas cegas. Algo já foi feito, porque hoje a realidade é bem diferente do que há 20, 30 anos, mas ainda falta muito para chegarmos ao que realmente desejamos para as pessoas cegas”, prossegue.
Finalizando, o presidente da ADEVIC apela para que todas as pessoas cegas ou deficiência visual, sobretudo na camada jovem, a não esperarem apenas por aquilo que a associação ou o governo fazem, mas para levantarem os próprios pés e correrem atrás porque, nos dias de hoje, é preciso correr atrás.
O que diz um especialista sobre a cegueira?
A médica oftalmologista e coordenadora nacional de Saúde Ocular, Isabel Tavares. explica que há várias doenças que podem levar uma pessoa à cegueira. Esta especialista explica ainda que há umas que podem levar à cegueira evitável, quando uma pessoa fica cega por um curto período, após tratamento.
“Por exemplo, a catarata, uma pessoa fica cega, mas com cirurgia volta a ver. Há outras cegueiras evitáveis, por exemplo, as crianças às vezes podem ter algum transtorno e dificuldade em ver, não vêem, podem ter uma dificuldade visual que pode ser ligeiro, moderado ou grave, mas podem ser estimuladas com correção óptica, usar óculos a tempo, numa idade precoce, e fazer com que mais tarde não fiquem cegas”, continua.
Por outro lado, profere Isabel Tavares, há outras cegueiras que não são evitáveis. Exemplificando, refere que uma pessoa pode apanhar um trauma que lhe provoque um descolamento na retina grave, assim como também causar alguma alteração e provocar alguma avulsão do nervo óptico.
“Então, há uma alteração na mácula e, devido a esse trauma, provoca um dano muito grave a nível da retina e a pessoa não volta a ver porque é uma cegueira irreversível. Ou então, pode fazer uma perfuração muito grande com arma de fogo por exemplo, fazer ruptura do globo ocular provoca uma cegueira também irreversível, não volta atrás”, continua a exemplificar.
Ainda nas suas declarações, esta médica oftalmologista afirma que há outras cegueiras irreversíveis, como por exemplo, de pessoas que podem ter doenças e tensão ocular alta e que nunca fizeram tratamento e acabaram por perder a vista devido ao glaucoma.
“Quando uma pessoa tem glaucoma no estado terminal, que nunca foi tratado e que o nervo óptico já se encontra em atrofia, já é uma cegueira irreversível. Há outras causas de cegueira em que a pessoa pode sofrer queimadura na córnea com químicos num acidente”, continua.
Às vezes, diz Isabel Tavares, a criança pode nascer com uma doença chamada ceratocone, muitas vezes diagnosticada na adolescência, e, com o avanço do tempo, se não começar a consultar um oftalmologista para a orientar sobre a conduta que deve ter, pode-se tornar grave e levar a um transplante de córnea.
Como manter uma boa saúde ocular?
Esta especialista afirma que é possível manter uma boa saúde ocular, assim como se cuida para manter o físico em forma. Para isso, recomenda, é preciso começar por uma boa alimentação diária. Além de educação na alimentação, Isabel Tavares fala no exercício físico e no combate ao sedentarismo.
“Uma outra coisa importante é saber as datas adequadas para se começar a fazer consultas de vista, que devem começar em criança. Há pessoas que são orientadas porque podem nascer prematuras, isto quer dizer que a sua atenção também tem de ser prematura para evitar”, acrescenta.
Tavares diz ainda que uma pessoa que “nasceu normal” também pode ter um problema, pelo que desde criança deve ser vista, com pelo menos com um ano de idade, de novo aos três anos e depois quando vai para a escola. Tudo isto, afirma, é uma orientação para saber se está saudável.
“Podemos manter os nossos olhos saudáveis exercitando-os, deixando de passar muitas horas no telemóvel, com os olhos fixos num lugar escuro. Por exemplo, às vezes as crianças escondem-se dos pais porque dizem para não estarem muito tempo à frente do telemóvel, e se esconderem num lugar escuro com o telemóvel é um risco”, alerta.
Isabel Tavares sugere ainda que se pode lubrificar os olhos palpebreando. Conforme explica, ao sentir os olhos a queimarem, basta palpebrear muito, além de que é sempre importante ir ao oftalmologista para saber se temos algum defeito nos olhos e se pode ser corrigido, mesmo que seja o mínimo.
“Também temos de evitar o sol. É aconselhável tomar sol até um dado momento, mas devemos evitar muita exposição. Nesse sentido, a utilização dos óculos escuros no sol é muito importante, principalmente no nosso País”, recomenda.
Saúde ocular é motivo de preocupação em Cabo Verde
Em Cabo Verde, informa esta especialista, as pessoas estão preocupadas com a saúde ocular, “porque os olhos são finos, delicados, qualquer coisinha as pessoas vão à consulta”. Entretanto, diz acreditar que é preciso ter um pouco mais de atenção e procurar o médico mais cedo.
Em relação às crianças, sugere esta especialista que, ao notar que a criança fica muito perto da televisão, os pais e encarregados de educação devem solicitar uma consulta e depois decidir que conduta adoptar.
Neste momento, em Cabo Verde, é aconselhável, segundo esta entrevistada, que todas as pessoas cuidem dos seus olhos, porque daqui há um tempo muitas vão se queixar.
“Se não queixarem agora vão começar a queixar-se que os olhos estão a queimar, coçar, devido às últimas chuvas. Com as chuvas muitas plantas silvestres nascem e liberam pólen, coisas que neste momento, quem for alérgico começa a ter mais crises na vista. Devem sempre procurar um médico ou então fazer o autocuidado. Além disso, depois das chuvas há muito pó porque a água secou, então devem cuidar-se”, recomenda.
Este ano o lema do Dia Visão é “Esperança à Vista”. Isabel Tavares comenta a escolha afirmando que é porque tudo está relacionado com o que o se está a viver neste momento devido à COVID-19.
“É um sinal, porque são novas medidas, novos desafios que vamos enfrentar e cuidados para comunicar às pessoas para cuidarem das suas vistas e dos seus olhos. O que quer dizer às pessoas é para estarem sempre alerta, principalmente as crianças, é fundamental os familiares, pais e vizinhos, qualquer pessoa, estarem alerta, quando se dão conta que uma criança pode ter algum problema de vista, para a levar sempre cedo ao médico”, argumenta.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 984 de 8 de Outubro de 2020.