Saúde Mental : As preocupações em tempos de pandemia

PorSheilla Ribeiro,18 out 2020 8:47

O Dia Mundial da Saúde Mental é assinalado a 10 de Outubro- Este ano, diga-se de passagem, atípico por causa da COVID-19, foi celebrado num momento em que a vida na sociedade foi significativamente alterada como consequência desta pandemia, sob o lema “Saúde Mental para Todos: Mais Investimento-Mais Acesso. Todos, em todos os lugares”. Tratou-se de uma celebração que buscou fazer com que seja necessária uma atenção especial para esta questão, que pode sofrer com crises de ansiedade e picos de stress, o que pode afectar também o sistema imunológico.

Em declarações ao Expresso das Ilhas, o psiquiatra, Daniel Ferreira, explica que a pandemia é um fenómeno que afecta o ser humano no seu todo e tendo em conta que o ser humano é um ser físico, mental e social, é “natural” que a saúde mental seja afectada.

“Todos nós nos sentimos um pouco preocupados, sempre com algum medo, algum temor, algum receio e alguma ansiedade por causa daquilo que está a acontecer e daquilo que pode vir a acontecer. De forma que isso tem um impacto, queiramos ou não, na nossa vivência emocional, no nosso estado mental”, profere.

Por esta razão, esclarece que a pandemia tem um efeito directo na saúde mental, independentemente daquilo que pode acontecer no plano físico. Mas, alerta, pode acontecer ou não.

“Porque mesmo que as pessoas não tenham tido uma infecção pelo coronavírus, as pessoas ficam um pouco estáveis, um pouco preocupadas, com medo da infecção, com medo de que se estiverem infectadas poderão infectar pessoas queridas, pessoas da família, colega de trabalho, colega de escola, enfim tudo isso faz com que as pessoas se sintam emocionalmente afectadas pelo coronavírus e pela pandemia”, frisa

A saúde mental e os determinantes socioeconómicos

A psicóloga, Isabel Brigham, explica que a saúde e o bem-estar psicológicos não existem isolados do seu contexto pois dependem de um conjunto de determinantes socioeconómicos. A crise sanitária e a sua consequente crise socioeconómica, conforme a psicóloga, têm produzido consequências negativas na saúde mental dos indivíduos.

Brigham aponta o desemprego, precariedade laboral e perda de rendimento; pobreza e exclusão social; literacia e acesso a cuidados de saúde psicológica, mental e outros factores de desigualdade, como sendo os principais determinantes socioeconómicos que têm impacto na saúde mental dos indivíduos.

Por outro lado, o aumento dos problemas de saúde mental provocados pela crise pandémica e socioeconómica torna expectável um aumento da procura dos serviços e cuidados de Saúde Psicológica/Mental.

“A própria doença, a COVID-19 trouxe consigo o exacerbar de comportamentos de estigma social e de discriminação para com indivíduos de certas minorias, nacionalidades ou localidades. Outros grupos, como sejam os idosos, pessoas com deficiência ou doença mental, migrantes ou sem-abrigo, entre outros, estão entre os que sofrem maior marginalização social e económica”, salienta.

“Muitos vivem da economia informal, sofrem limitações de acesso a serviços sociais e de saúde, têm acesso limitado ou inexistente à tecnologia e competências pessoais limitadas para lidar com as consequências da crise. Este “isolamento” tem consequências nefastas à saúde mental”, menciona.

Pessoas com pretensão para desequilíbrio emocional são as mais afectadas

Conforme Daniel Ferreira, os problemas de saúde mental são frequentes e em grande quantidade em todo o mundo, constituindo um “peso enorme” para as sociedades, para as famílias e para os indivíduos.

Perante uma situação pandémica e os problemas que gera como problemas económicos, desemprego e problemas de confinamento, o psiquiatra afirma que provoca nas pessoas o medo do futuro.

“Isso faz com que as pessoas, sobretudo aquelas que já tenham alguma pretensão para algum desequilíbrio emocional, sejam ainda mais afectadas. Mas, isso no geral afecta todas as pessoas, mesmo as mais equilibradas perante o que nós estamos a viver, essas pessoas sentem-se um pouco tocadas pela pandemia”, acautela.

Assim, prossegue, quem sofre de ansiedade fica mais ansiosa e quem já é obsessivo torna-se ainda mais obsessivo. Pessoas mais retraídas ficam ainda mais isoladas devido à medida de distanciamento social, o que pode trazer algum desconforto emocional.

Importância da saúde mental

“É importante que durante este período de crise da nossa história que se consiga manter a população produtiva e saudável, em particular no que diz respeito à saúde psicológica, mental”, sublinha Isabel Brigham.

Nesse sentido, a psicóloga reforça que sintomas e alterações psicológicas não solucionados podem facilmente tornar-se quadros clínicos mais graves na população em geral, mas particularmente em grupos mais vulneráveis. A própria recuperação dos afectados pela COVID-19, contínua, tem sido descrita como difícil, em termos físicos e mentais, nos casos mais graves cujas sequelas parecem duradouras.

“As doenças mentais têm um peso significativo nas economias devido à perda de produção económica e devido à ligação estabelecida entre essas doenças e doenças potencialmente fatais, incluindo o cancro, doenças cardiovasculares, diabetes, HIV e obesidade”, profere.

Nesse sentido, lembra que há vários anos que duas das formas mais comuns de alterações mentais, a ansiedade e a depressão, podem tornar-se incapacitantes apesar de responderem a uma variedade de tratamentos seguros e eficazes.

Financiamento da saúde mental

Para o psiquiatra, o actual período é complicado do ponto de vista emocional. Afinal, mudou-se “completamente” a forma de ver as coisas e os relacionamentos.

“Há quanto tempo não dou um abraço ou um beijinho às pessoas amigas? São coisas que, parecendo que não, fazem parte da nossa vida e isso mudou há meses. O convívio social já não é o que era antes, tudo isso mexe connosco, queiramos ou não, porque não somos somente a parte orgânica que funciona com as leis físicas. Temos toda essa parte emocional que precisamos para viver e quando ela é atingida da forma como foi por esta pandemia, claro está que nós sentimos algumas consequências”, aponta.

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Segundo Daniel Ferreira, a média de financiamento da saúde mental, em todo o mundo não ultrapassa 2% do orçamento da saúde. Nos países menos desenvolvidos, diz, esta percentagem nem sequer chega a 1%.

“E nós falamos de saúde mental para todos. Se nós queremos saúde mental para todos vamos ter que investir na saúde mental. Investir, quer dizer meter dinheiro na saúde mental para qualificar pessoas do ponto de vista técnico e científico, do ponto de vista ético e deontológico mas também capacitar os profissionais nas áreas sociais, culturais, linguísticas de comunicação para que possam responder às necessidades da saúde mental da população. Se isso for feito nós estaremos num bom caminho e teremos razão de sobra para comemorar o dia da saúde mental”, assevera.

Por sua vez, Isabel Brigham ressalta que é necessário aumentar a literacia em saúde mental dos cabo-verdianos. Entretanto, realça a literacia em saúde não se adquire apenas nos serviços de saúde, ocorrendo ao longo da vida e devendo fazer parte do crescimento individual.

“Há realmente uma necessidade urgente de abordar o sub investimento crónico em saúde mental em Cabo Verde, como em vários países do mundo. A pandemia da COVID-19 apenas levantou a ponta visível do iceberg da problemática do deficiente acesso aos serviços de saúde mental bem como da falta de recursos humanos especializados nesse domínio”, indica.

Nesse sentido, a psicóloga acredita ser importante destacar o papel dos psicólogos, no domínio preventivo, de promoção da saúde, e de intervenção psicológica, que têm como objectivo principal promover a Saúde, a coesão social, o bem-estar e a qualidade de vida.

“Os psicólogos têm por isso, isoladamente ou em equipas multidisciplinares, um papel a desempenhar. Podem actuar como agentes de mudança e mobilizadores sociais para reduzir o impacto da pandemia COVID-19 e da crise socioeconómica na Saúde Pública e Mental”, finaliza.

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Ministério da Saúde assume compromisso de desenvolver serviços de saúde mental

O ministério da Saúde e da Segurança Social assumiu o compromisso de estabelecer e desenvolver serviços de saúde mental que proporcionem um acesso de qualidade a todos e em todos os lugares. Este ajuste foi assumido numa mensagem de Arlindo do Rosário, divulgado no âmbito do Dia Mundial da Saúde Mental.

Segundo escreveu o governante, respondendo ao chamado internacional da OMS, o Ministério da Saúde e da Segurança Social, através do Programa Nacional de Saúde Mental e em colaboração com outros programas da Direcção Nacional de Saúde e outras instituições e organizações da área da saúde, assume um compromisso que transcende apenas o investimento financeiro.

“Assume o compromisso de estabelecer e desenvolver serviços de saúde mental que proporcionem um acesso de qualidade a todos e em todos os lugares, o que inclui um investimento que garanta que as intervenções e serviços sejam baseados em evidências científicas e providenciem serviços de saúde mental seguros, eficazes, oportunos, eficientes, equitativos, centrados nas pessoas e que acima de tudo respeitem os direitos humanos de todos e em todos os lugares”, lê-se.

Para o ministro, é ainda necessário proporcionar uma avaliação e monitorização “mais activa e de qualidade” das doenças mentais em ambientes de atenção primária; priorizar a formação e o treino de profissionais na atenção à saúde mental; e “acima de tudo” diligenciar a implementação de intervenções que promovam a saúde na sua perspectiva mais holística, em que é incluída a componente mental, psicológica e emocional de todos os indivíduos e em todos lugares.

“Nos últimos anos, tem havido um crescente reconhecimento do papel essencial que a saúde mental desempenha no nosso bem-estar geral, sendo tão importante quanto a nossa saúde física. Este ano, mais do que nunca, fomos lembrados não só que a “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”, mas também que “sem saúde mental não pode haver verdadeira saúde física”, escreveu. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 985 de 14 de Outubro de 2020.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,18 out 2020 8:47

Editado porAndre Amaral  em  23 jul 2021 23:21

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