Cerimónia de Abertura do Ano Judicial em suspenso

PorSara Almeida,6 dez 2020 7:17

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Ainda não há data para a Sessão Solene de abertura do ano judicial, por lei “da responsabilidade do Supremo Tribunal da Justiça” (STJ), que provavelmente nem irá acontecer. Em causa uma alegada falta de diálogo e solidariedade institucional e o protesto dos Juízes Conselheiros contra o que consideram ser um ataque aos mesmos, agora em “sede de órgão de soberania”.

O início de cada ano judicial é, por norma, feito em três actos. O primeiro acontece a 16 de Setembro, com o fim das férias judiciais e a reabertura dos tribunais. A 1 de Outubro começa o ano judicial propriamente dito e nesse mês ocorre o segundo acto: o debate sobre o Estado da Justiça, que sobe ao Parlamento e que é precedido pela entrega constitucionalmente obrigatória de relatórios por parte da Magistratura Judicial e do Ministério Público. O terceiro acto, de cariz mais simbólico, é a tradicional cerimónia de abertura do ano judicial, organizada pelo STJ e onde os principais aplicadores da Justiça apresentam as suas reflexões e fazem os seus statements sobre a área.

Este terceiro acto ocorre geralmente em Novembro. Mas não este ano. Chegados a Dezembro, nenhuma das entidades por princípio presentes (Presidência da República, Conselho Superior da Magistratura Judicial, Advogados, etc) recebeu o convite. Entretanto, e por outro lado, também nenhuma não recebeu qualquer notificação formal sobre o expectável cancelamento da cerimónia.

Em ambiente tenso, e após os Juízes Conselheiros do STJ terem anunciado na semana passada que não irão comparecer a nenhum acto ou solenidade institucional (embora sem se referirem em concreto à cerimónia de Abertura do Ano Judicial), o assunto é delicado e prova de problemas mais profundos do que a quebra de uma tradição que está plasmada na Lei.

Lei Orgânica

A cerimónia que, não estando estipulada na Constituição, está contudo prevista na Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.

Refere a dita Lei que “O início de cada ano judicial é assinalado pela realização de uma sessão solene, da responsabilidade do Supremo Tribunal da Justiça e presidida pelo Chefe de Estado.”

Não é claro quais as consequências de não cumprimento deste acto e as entidades que costumam participar esquivam-se a comentários. Seja como for, este é um acto que não afecta o normal funcionamento da Justiça. O ano judicial já está a decorrer…

STJ “indignado”

Os motivos para qualquer atraso ou não realização da sessão não foram divulgados, mas estão subentendidos na conferência dos Juízes realizada no passado dia 25. Aí, foi anunciado que os juízes conselheiros não iriam comparecer a qualquer acto ou solenidade, enquanto se mantiver o “clima de hostilidade” institucional e de “desconsideração à dignidade do Poder Judicial e dos seus titulares”.

A declaração, conforme informou então o Juiz conselheiro Benfeito Mosso Ramos, foi aprovada por unanimidade pelos Juízes que integram o Colectivo do STJ, à excepção da presidente, Fátima Coronel.

Ainda de acordo com Benfeito Mosso Ramos, a decisão foi tomada na sequência das declarações “de uma deputada da Nação” (Mircéa Delgado, do MpD), aquando do debate parlamentar sobre o Estado da Justiça.

Os juízes consideram mesmo haver “um bem urdido plano para denigrir a reputação pessoal e profissional de Magistrados, como forma de retaliação pelas suas decisões” e indignaram-se por não ter havido demarcação em relação a este assunto por parte de quem, “por razões de princípio, ou pelas suas responsabilidades constitucionais, não pode transigir com tal situação”.

O Caso Mircéa

O protesto tem, assim, como causa directa as declarações feitas no passado dia 29 de Outubro pela deputada Mircéa Delgado, que na Assembleia referiu entre outras questões, ser “absolutamente anormal que alguns juízes sejam acusados de ‘gatunos, falsificadores de processos e aldrabãozecos’, sem consequência nem para o acusador, nem para o(s) acusado(s).” Embora não sejam referidos nomes, é de recordar que o advogado Amadeu Oliveira fez essa acusação em relação aos juízes do Supremo, um caso que aliás inclui vários processos-crime na Justiça.

No seguimento, em artigo publicado no Expresso das Ilhas, a presidente do STJ, Fátima Coronel, manifestou a sua indignação por aquilo que considerou “ataques à honra e à dignidade de Magistrados” em sede “de um órgão de soberania”. A juíza frisou que o Ministério Público abriu um inquérito e concluiu que as denúncias feitas “se revelaram totalmente infundadas”.

Mircéa Delgado respondeu pela mesma via, acusando a magistrada de não ter visto, na realidade, a sua intervenção na Assembleia e ter vindo criticar nos media a sua liberdade e a do Parlamento.

Na mesma linha e tom, houve ainda uma troca de artigos entre a Associação Sindical de Magistrados do Ministério Público (ASSIMP) e a deputada.

Égide

Entretanto o Primeiro-Ministro e outras entidades têm vindo a público comentar o caso. O PM, por exemplo, defendeu que todos têm legitimidade para exprimirem as suas opiniões sobre o modo de exercício dos diversos poderes públicos, mas sublinhou que o sistema de justiça do país é legítimo, credível e prestigiado.

Apesar de todo o “debate”, diálogo institucional é algo que parece estar a falhar, ao ponto de Bernardino Delgado, presidente do CSMJ ter apelado a esse diálogo “para ultrapassar a situação actual por que passam os órgãos da Justiça e demais instituições da República”, conforme citado pela Inforpress, esta segunda-feira, após encontro com o Presidente da República.

Na verdade, os recentes problemas de “diálogo” e acusações dos magistrados de que estão a ser atacados ou denegridos, não é algo recente, apenas relacionado com Amadeu Oliveira ou a intervenção da deputada da Nação.

Aliás, já no discurso da presidente do STJ, por ocasião abertura do ano judicial passado, a juíza falava de “um ruído” para denegrir a administração da justiça e uma “permanente flagelação dos Tribunais”.

Entretanto, continua por confirmar-se, ou não, a sessão solene deste ano, onde Fátima Coronel, que aguarda a sua aposentação, faria o seu último discurso enquanto presidente do STJ.    

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 992 de 2 de Dezembro de 2020. 

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Autoria:Sara Almeida,6 dez 2020 7:17

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  7 dez 2020 11:18

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