O bastonário da Ordem dos Advogados (OA), Hernâni de Oliveira Soares, identifica a morosidade da Justiça como o principal problema do sector. Mais meios e uma nova mentalidade devem estar na agenda da tutela.
Perspectivando aquilo que devem ser as prioridades da nova ministra da Justiça, Joana Rosa, o representante dos advogados aponta a um velho mal.
“A principal preocupação, para nós, é o que se tem vindo a falar há muito tempo: as decisões não acontecem no tempo que desejamos. Creio que é um problema estrutural e conjuntural, mas que tem solução”, acredita.
Hernâni Soares concorda que o governo tem tentado “atacar o problema”, mas a falta de meios impede que se vá mais longe.
“São precisos mais juízes, mais oficiais, juízos com competências especializadas, advogados com maior especialização”, enumera.
Contudo, o reforço de recursos humanos não chega. A relação dos cidadãos com a lei também tem que mudar.
“A cultura das pessoas tem de mudar. Muitos problemas seriam evitáveis se as pessoas tivessem outra forma de estar. Por exemplo, problemas de pensão de alimentos. Quando vemos pais que negam dar a pensão de alimentos e que têm condições, isso é um problema de cultura, entope os tribunais. Quando vemos desconhecimento de entidades empregadoras que não respeitam os direitos dos colaboradores, não pagando os direitos devidos”, exemplifica.
Os maiores desafios estão ao nível do processo cível, com a Ordem a relembrar que, em última instância, é a economia que sofre com todos os atrasos e falta de respostas.
“Sentimos a economia a sofrer. Metes uma acção hoje e não sabes se o teu processo é daqueles que não vai andar. Isto é o cerne da questão. Atacando [o] problema dos processos antigos, muita coisa se resolveria”, estima.
Parente pobre
O bastonário da OA lamenta a condição de “parente pobre da justiça”. Hernâni de Oliveira Soares considera que os sucessivos governos têm encarado a organização como uma associação privada, esquecendo-se do seu cariz público.
“[A Ordem] tem uma parte privada, mas a parte pública, que é a regulação profissional, é muito forte. Também somos defensores da legalidade, dos direitos, liberdades e garantias. O Estado não tem olhado para a Ordem como deve ser, dando-lhe o devido suporte financeiro para as actividades que tem realizado”, defende.
“Quando falamos da assistência judicial, deseja-se que, em todas as ilhas e comarcas, haja uma representação da Ordem dos Advogados, para que o cidadão possa recorrer e solicitar esse benefício, mas não se pode [esperar que] a Ordem, com os seus meios privados, cumpra esse desiderato do Estado. É preciso que o Estado dê melhor apoio financeiro, e não só, para que a Ordem possa exercer, na plenitude, as suas funções”, ilustra.
Licenciado em Direito pela Universidade Nova de Lisboa, Hernâni de Oliveira Soares tomou posse em 2019 como Bastonário da Ordem dos Advogados. Está a meio de um mandato de três anos, que se prolonga até final de 2022.
Joana Rosa é a nova ministra da Justiça. Em Abril, substituiu no cargo Janine Lélis, que transitou para a Defesa. A governante estabeleceu o combate à morosidade como uma das principais lutas que tem pela frente.
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Maior especialização dos tribunais entre as propostas do Observatório da Cidadania Activa
O Observatório da Cidadania Activa (OCA) entende que a resolução da morosidade continua a ser o principal desafio do governo na área da Justiça. Para o jurista Thierry Monteiro é necessário mudar algumas práticas.
A especialização dos tribunais poderá ajudar a uma resolução mais rápida de litígios.
“Não há uma especialização dos tribunais em todas as comarcas. Essa especialização é uma forma de trazer maior celeridade”, avança.
O aumento do número de magistrados é outra proposta do OCA.
“Temos vários técnicos formados, sugiro que aumentemos o número de magistrados judiciais, de procuradoria, termos mais gente a trabalhar, a despachar processos. A sociedade pensa com o coração e não percebe, muitas vezes, o procedimento judicial e acaba por ficar frustrada pelo tempo que levam os processos até à sua conclusão”.
Outras áreas
A OCA espera que a nova tutela altere a forma como as vítimas de abusos sexuais, particularmente quando menores, são ouvidas em tribunal. Thierry Monteiro recorda que a presença da vítima, na sala de audiências, pode ser traumatizante.
“Devíamos criar mecanismos para serem inquiridas num espaço confortável. Um menor ver todo aquele pessoal, com aquela batina preta, ver o seu agressor ao lado, são situações a que, tecnicamente, deveríamos dar atenção”.
Igualmente, o Observatório pede mais respeito pela dignidade dos reclusos, em particular perante a sobrelotação das celas. “Está preso, está a pagar por algo que cometeu, mas não deixa de ser um ser Humano”, relembra.
*com Fretson Rocha / Lourdes Fortes
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1022 de 30 de Junho de 2021.