Eurico Monteiro, que enquanto embaixador de Cabo Verde em Portugal, e representante em Lisboa da presidência cabo-verdiana na CPLP, concebeu, em concertação com as autoridades nacionais, o projecto que conduziu ao Acordo agora aprovado, conversou com o Expressou das Ilhas sobre a abrangência deste Acordo e os próximos passos a serem dados até à sua entrada em vigor.
O que é o Acordo sobre a Mobilidade e por que é importante para os Estados Membros da CPLP?
Acordo de Mobilidade é um instrumento jurídico aprovado pelos nove Estados Membros da CPLP que tem por finalidade permitir, dentro de determinadas circunstâncias, a entrada e estadia dos cidadãos de um Estados Membros no território de outro Estado Membro. É importante por várias razões, dependendo da mobilidade concreta que se adoptar. De um modo geral, podemos dizer que um nacional de um Estado Membro, seja ele trabalhador, empresário, carpinteiro, artista plástico, dançarino, engenheiro ou atleta, pode entrar e permanecer no território de outro Estado Membro por um período até 90 dias, com dispensa de qualquer autorização administrativa prévia ou mesmo nele fixar residência provisoriamente, por período de 1 ano, ou indefinidamente, mas nestes dois casos com autorização prévia, pelo simples facto de ser nacional do Estado parte no Acordo. Aumenta de forma extraordinária o fluxo de contactos e de relações entre pessoas e organizações de diferentes Estados Membros. E abre de forma extraordinária o mercado de realização pessoal e profissional dos cidadãos, ao mesmo tempo que tece e cimenta as relações de amizade e de cumplicidade entre cidadãos e instituições públicas e privadas das partes, constituindo o espaço de partilha numa verdadeira comunidade de pessoas.
Quando entra em vigor o Acordo?
Como Acordo internacional e no quadro da CPLP entra em vigor quando entrar na ordem jurídica de três Estados Parte. O que significa que os Estados têm que desenvolver procedimentos internos para receber nas suas ordens jurídicas o acordo assinado em Luanda. Vários Estados já declararam que pretendem ratificar imediatamente o Acordo.
É todo o cidadão abrangido pelo acordo de mobilidade ou apenas algumas classes profissionais?
Depende. Ou se quiser a resposta não tem o mesmo sentido para todos os Estados Membros. Explicando melhor. O Acordo estabelece um quadro geral aplicável a todos, mas cabendo a cada Estado escolher em concreto a modalidade que prefere, as categorias de pessoas que pretende abranger, podendo abranger todos os cidadãos com os quais pretende estabelecer parcerias, em instrumento adicional. Ou seja, com um Estado Membro pode abranger todos os cidadãos numa modalidade ou em todas modalidades, e com outro Estado Membro dispor de forma diversa. Cabo Verde tem sinais que lhe dizem que não terá dificuldades em estabelecer parcerias muito avançadas com quase todos os estados Membros. Temos sinais muito claros disso e isso vai constituir uma vantagem extraordinária para o país pelas oportunidades que oferece. O Acordo assinado é o “chapéu” essencial que abre caminho e fixa balizas. É o mais importante. Imediatamente depois começam as negociações entre parceiros, no quadro do Acordo, para escolher os conteúdos e densificar as soluções.
Quando teremos a mobilidade completa nos países da CPLP?
Creio que a resposta está dada na resposta antecedente: a velocidade da implementação é escolhida pelas próprias partes e não é tão relevante saber-se quando teremos mobilidade total entre todos aos países. Importa mais saber se a mobilidade que mais interessa um Estado Membro, como é o caso de Cabo Verde, está a ser implementada. Cada Estado Membro tem interesses específicos e realidades específicas. Pode-lhe interessar com um Estado Membro apenas uma única espécie de modalidade e num dado segmento significativo, e secundarizar outras modalidades. Com outro Estado Membro pode-lhe interessar todas as modalidades, envolvendo todas categorias de pessoas e com um outro ainda apenas a mobilidade na sua expressão quase mínima. Portanto, o acordo tem essa virtualidade e não trata todos os Estados Membros da mesma forma e não lhes impõem a todos a mesma solução, pois que a realidade é complexa e transitória.
Portanto, não é uma questão que se resolve da noite para o dia? Quais são os próximos passos a dar?
Bom, trata-se de um acordo internacional que muda a ordem jurídica interna. Todos os países têm normativos constitucionais que basicamente dizem que o Governo tem que aprovar o Acordo em Conselho de Ministros, encaminhar ao Parlamento para aprovar para ratificação e entregar na Presidência para efeitos de ratificação. Portanto, tem um caminho que pode passar por intensa discussão parlamentar nos diversos países.
Qual foi o papel da Embaixada de Cabo Verde, enquanto representante em Lisboa da presidência cabo-verdiana na CPLP, na condução deste projecto?
A Embaixada de Cabo Verde em Portugal é também a Embaixada junto da CPLP, ou se se quiser, é a Representação Permanente junto da CPLP. Como Cabo Verde tinha a presidência da CPLP, era eu que presidia o único órgão político representativo dos Estados Membros que funciona em regime de permanência, por isso é chamado Comité de Concertação Permanente. Portanto, tinha o papel, em estreita concertação com as autoridades nacionais, designadamente o Presidente da República, o Primeiro Ministro e o Ministro dos Negócios Estrangeiros, de conceber o projecto e conduzir as negociações e discussões até final. E funcionámos em equipa, com técnicos da Embaixada, mas também com apoio dos serviços centrais do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Registos e Notariado e Serviço de Emigração e Fronteiras. Simplesmente coordenava a equipa que concebeu e negociou o Projecto de Acordo de Mobilidade apresentado por Cabo Verde. O Parlamente também teve um papel importante neste processo, sobretudo no debate que promoveu sobre o projecto e que vai agora ter um grande impacto quando a matéria for levada aos Parlamentos dos Estados Membros para discussão e aprovação. O mérito não é só meu, mas de todos, incluindo dos responsáveis políticos que sempre nos apoiaram e avalizaram as medidas. E muitas vezes tiveram que intervir ao mais alto nível para ajudar a ultrapassar certas dificuldades. Foi um trabalho intenso e desgastante, mas compensador.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1025 de 21 de Julho de 2021.