“Temos de começar a falar com os jovens sobre a Felicidade”

PorSara Almeida,14 ago 2021 8:38

O que te faz feliz? Aquilo que procuras é o que te vai fazer feliz? Por que queres uma formação superior? Estas são algumas perguntas importantes que se devem colocar aos jovens, numa lógica centrada na positividade do discurso e não nos problemas.

A opinião é do psicólogo Jacob Vicente, que destaca ainda a enorme quantidade de jovens talentosos e trabalhadores num país onde uma minoria desorientada e delinquente rouba a atenção mediática. Mas faltam também oportunidades e as políticas públicas, quando existem são, avulsas e não servem a juventude, critica. Está, pois, na altura de ver o panorama completo, e verdadeiramente olhar os jovens sem interesse ou objectificação política.

Os dados preliminares do Censo mostram uma diminuição da Juventude. O que é que acha desta uma redução de jovens num país de jovens. O que deve ser analisado?

Estamos com uma taxa de desemprego bastante elevada e que mudou a sua estrutura. Temos, neste momento, um nível bastante elevado de jovens com formação superior, desempregados. Eu acho que a saída para o mercado de trabalho é muito reduzida, o nosso mercado também o é, e estes jovens estão a ver muito para além do país e já sabem que têm outras alternativas fora. Há muitos jovens, hoje, a preferirem viver em outros países da África, onde estão a identificar novas oportunidades. Então, esta saída, não é só de uma Juventude que está qualificada e desempregada, mas também de uma Juventude que está qualificada, empregada e insatisfeita. Agora, há uma expectativa com a mobilidade [na CPLP] e uma boa parte destes jovens qualificados, se forem abrangidos com a mobilidade, vão ‘desaparecer”.

Vamos ter uma fuga de cérebros?

Cabo Verde já é há alguns anos, a nível mundial, dos países com mais fuga de cérebros, em termos per capita. Como mais facilidade de saída, muitos mais irão. Porque estamos com um nível de desemprego alto e um nível de vida extremamente elevado. O custo de vida está muito caro e o salário é baixo. Quando vemos as 4 a 5 variáveis que podem condicionar a saída e permanência de jovens… mesmo quadros seniores, na casa dos 40 anos, estão a sair do país. Muitos são pessoas que com filhos na faculdade e não aguentam [as despesas] com um salário nacional. Preferem ir para fora, com a família e arriscar.

Não é um fenómeno só da juventude.

Não. Agora, os jovens em Cabo Verde estão de pés e mãos atados.

Mas o que é a Juventude cabo-verdiana? O que tem em comum um jovem da Brava e um da Praia, ou um jovem de Palmarejo Baixo e um de Lém Cachorro. O que é que une esta Juventude, tendo em conta assimetrias e desigualdades sociais?

Temos uma desigualdade, em termos sociais, bastante flagrante… Basta vermos que os políticos dos bairros menos favorecidos da capital do país, todos eles têm casa no Palmarejo, Palmarejo Grande. Todos. Sem excepção. Isto, por si só é um indicador do fenómeno. Tornando-se ministros, ou membros do governo, saem dos bairros e mudam para o bairro que têm conotações positivas, em termos sociais. Então quando temos essa mobilidade dos dirigentes políticos por causa do cargo que eles ocupavam na sociedade, não podemos falar de inclusão social em Cabo Verde.

Por mais que o governo ou a Câmara municipal venha falar da inclusão social basta confrontar o discurso com o comportamento para ver que não é verdade.

Mas como é a juventude cabo-verdiana?

Fui recentemente à ilha do Fogo, onde fui fazer um trabalho com Juventude que está numa área de exclusão social forte. Fui trabalhar com ex-reclusos e reclusos que acabam por espelhar a realidade em termos das causas que estão a levar os jovens para a cadeia. Tenho a sorte de trabalhar em várias ilhas. O que eu posso dizer é que, nos bairros, nós temos jovens com grandes valores, jovens espectaculares, responsáveis, trabalhadores, intelectuais. Temos jovens bons em qualquer área, em qualquer município. Sou consultor, faço as minhas pesquisas e investigações e é impressionante como encontramos jovens com alta qualidade em todas as ilhas. Destacamos muito a violência, a parte negativa da Juventude, mas temos jovens que estão a esforçar-se muito.

Pois, temos jovens a fazer um trabalho notável na comunidade e sociedade, mas também temos a delinquência juvenil… Onde está a encruzilhada? Partindo do mesmo bairro e background, que factores justificam vivências e posturas tão diferentes?

Acho que aqui temos que ver amostra. Se formos ver, a percentagem dos jovens nos bairros que enveredam para a criminalidade, ou outras vidas, é muito reduzida. Em qualquer bairro, esses jovens não chegam a 15%. Temos muito mais bons jovens do que maus jovens. De longe. Não dá para comparar. Na ilha do Fogo, a cadeia regional tem 103 reclusos. Existem bairros identificados, com a percentagens dos jovens que estão a enveredar pela criminalidade. Mas depois, no bairro, há pessoas que trabalham todos os dias, labutam, jovens com sonhos de serem grandes figuras a nível nacional, a nível Internacional. Jovens que querem uma oportunidade, mas que estão presos num bairro com conotação extremamente negativa. Isto acontece nas ilhas todas. O que nós podemos reparar é que não há uma política social para a Juventude. Nem a Câmara Municipal, nem o governo têm esta política.

O governo diz toda política e intervenção está virada para a Juventude…

Não, não é verdade porque as políticas avulsas não servem a Juventude. A Juventude não quer saber dos partidos políticos. E a Juventude cabo-verdiana tem vindo a estar condicionada à escolha política. São objectos dos políticos, por isso é as políticas para a juventude não estão a surtir efeito ou os seus efeitos não são evidentes. Em alguns bairros da capital há associações da sociedade civil, dos moradores do bairro mas não há iniciativa do poder local ou do governo para ter lá centros de Juventude, ou centros de inclusão social, se quiserem chamar assim. Um centro onde a Juventude encontra um conjunto de iniciativas do poder central ou do poder local, de que podem beneficiar.

Isso não pode ser conseguido com a parceria com essas iniciativas da sociedade civil?

Claro. Tenho chamado a atenção para necessidade do governo e do poder local, em vez de estarem a utilizar as associações comunitárias para fins políticos, as usarem para fins da inclusão social. As associações comunitárias têm autoridades que são legitimadas pelos seus parceiros. Isto é literatura, e esta legitimidade é algo que nem o poder local nem o poder central vão conseguir. Então, eles são meios através do qual as políticas públicas para a Juventude podem ser implementadas.

Não tem havido reconhecimento da parte dos poderes local e central quanto a essas associações?

O reconhecimento que há é quando uma associação se destaca. Então vai lá ou a câmara ou o governo e vai fazer alguma coisa junto desta associação, mas para o benefício próprio. Estas associações, se conseguissem fazer o seu trabalho com apoio e com a parceria do poder local, seria fantástico. Não teríamos tantos jovens a consumir drogas, não tivemos tantas violações, não tivemos tanta VBG. Porquê? porque associações comunitárias estão destituídas do poder e o qual é o poder que eles precisam? Apoio para realizar as suas actividades.

A Rede das Associações Comunitárias e Movimento Sociais da Praia está a fazer um mapeamento da Juventude, uma pesquisa de pares, que depois será entregue aos poderes públicos.

Nós temos jovens com valor muito elevado, e parece-me que os políticos estão muito longe desta Juventude. A ideia que passa é que cada vez mais os políticos estão a entender menos a juventude.
Temos cada vez mais jovens, com mais habilitações a ir para a cadeia também. Temos grandes artistas, a todos os níveis, nos bairros. Jovens com capacidade para fazerem grandes trabalhos em qualquer área da cultura. Temos várias universidades a formar jovens, por exemplo, jovens psicólogos, mas depois não dás possibilidade a estes jovens para terem um pequeno consultório. Temos vários jovens sociólogos, mas quando precisas de fazer um estudo, traz-se um sociólogo de fora…

Mas não há uma mudança de paradigma? Os processos de decisão não têm por base acções participativas?

Na teoria ... o que eu estou a dizer é que a política pública que o governo diz que tem para a Juventude, não é visível nem é sustentável. Os jovens precisam sentir. Quantos jovens cabo-verdianos estão nas agências das Nações Unidas aqui? Quantos são aí estagiários. Fala-se muito das políticas, mas as portas continuam fechadas.

Isso leva à educação. A escola de hoje serve os jovens de Cabo Verde?

Lá está…Vamos falar antes da COVID. Temos jovens que foram submetidos a um sistema escolar que não lhe dá competitividade. Temos jovens inteligentes. Eu já fui professor universitário e tive alunos, que, em qualquer país, fazendo o mesmo curso seriam excelentes alunos. Mas deixei de ser professor pela falta de qualidade, o nível muito baixo com que os alunos estão a chegar à universidade. Na altura disse: ‘Não vou ser cúmplice desse sistema’. Infelizmente, continuo a dizer isto hoje. E quando vamos para o campo profissional, constatámos que estamos a formar jovens bastante fracos. O currículo universitário, em vários cursos, não corresponde ao título com que os alunos estão a sair da universidade.

Mas, como disse, é um problema que vem da acumulação de maus anos de ensino?

É um processo que os políticos devem questionar. Este debate não se faz no parlamento. O nosso parlamento, o estado da Nação, não discute a juventude. A Juventude cabo-verdiana está abandonada. Não temos uma política pública para a Juventude que todos conheçamos. Eu não sei, por exemplo, se posso dizer ao meu filho, ‘não vais ao liceu, investe na música porque em Cabo Verde há uma política para os que se dedicam à Música’.

O governo tem vindo também se incentivar a formação profissional ...

Olhemos, por exemplo, Portugal. Tu fazes a formação, mas depois tens a oportunidade de ter kits e suporte para começar o teu pequeno negócio.

Mas o IEFP também está a dar.

Aqui não. Temos que ter pessoas para acompanhar um processo que o governo começa, do início até o fim. Os kits para os alunos da IEFP foram dados perto das eleições. Não existe uma estrutura. Se faço uma formação, eu devo saber que no fim tenho um kit. Independentemente do ano. Não é ficar na expectativa.

Entretanto nem todos serão trabalhadores independentes. Alguns irão trabalhar com outras pessoas.

Esta uma questão extremamente importante. Temos estado andar a incentivar os jovens a serem empreendedores, mas nem todos os jovens têm que ser empreendedores. Um jovem, que não tem vocação para ser empresário, não quer ser empreendedor, quer ser trabalhador no estado ou sector privado, se lhe derem um kit ele fica frustrado, por que não consegue dar os outros passos. Então esta política motivacional pública de que todos temos de abrir a nossa empresa e todos nós vamos ser empresários, é uma falsa questão. E está muito mal colocada porque mexe com a motivação pessoal de muitos, muitos jovens. Muitos jovens já abriram a empresa e faliram. Uma coisa é dar formação e outra é, depois da formação, ver aqueles que querem ser empreendedores. Aí sim, fazer uma outra formação para o empreendedorismo. A formação técnica não dá a ninguém esta capacidade de ser empreendedor.

Por outro lado, ainda persiste a ideia de que todos têm que seguir a educação clássica e só se tem sucesso se se for para a universidade. Ter mais educação em Cabo Verde significa ter melhores empregos?

Claro que não. Primeiro temos um Estado gordo. Não é só o governo que está gordo, é o Estado. Temos muita gente na máquina do estado que já não é precisa, mas são pessoas que vão reformar-se se calhar daqui a 20 anos. Mas há uma cultura em Cabo Verde de que o bom emprego é o emprego no Estado, que é o emprego que dá garantia. Isto acontece também porque no mercado, por exemplo, bancário basta o emprego numa instituição pública para fazer um empréstimo. O privado não dá garantia então dificilmente tens o dinheiro. Isto condiciona o pensamento colectivo.

Estamos a sair de uma pandemia, mais do que nunca as pessoas não querem deixar o Estado, mas o ministro das finanças também já disse que estávamos a viver a pior crise e social e económica do país. Significa o estado não vai recrutar ninguém…

Mas falando ainda na formação superior e empregabilidade…

Temos 13 universidades e todos os anos estas universidades têm finalistas. Temos estamos a formar jovens em áreas em que o mercado que já está lotado. Em outros países, como Holanda ou França não abriram vagas, em certas áreas. Há testes psicotécnicos para orientar na formação. E se não é preciso ir para a universidade porque o que a pessoa quer fazer pode ser conseguido com uma formação do ano, dizem.

“Faz formação de um ano, já estás a ganhar e a fazer aquilo que tu gostas”. Depois há capacitações que as pessoas vão fazendo ao longo da sua vida profissional. Então Cabo Verde tem que começar a seguir os melhores exemplos. Estamos muito atrasados. Vamos lá ver com a secretaria de Estado mais vocacionada para o ensino superior alguma coisa vai mudar. E eu tenho uma preocupação muito grande com esta avalanche de universidades e jovens que estão a fazer empréstimos para estudarem, jovens que estão a sacrificar a sua Juventude para no fim para não terem nada. Precisamos de bons técnicos, e não é preciso formação superior. Então é preciso fazer uma reeducação porque há muitos jovens que não têm ninguém para os orientar.

O que tem falhado? Este problema já foi identificado há muito tempo.

Há um discurso no país de que a formação que o IEFP, é boa, sim, mas é uma formação para aqueles que não conseguem [ir para a Universidade] e para os menos capacitados. É preciso outro chip. Se tiver outro chip, não vão fazer a formação superior, porque não precisam. Mas o sonho, mesmo para os que estão no IEFP, não é formação profissional…Houve há tempos uma conversa, que seria interessante continuar no país, que é a da Felicidade. Os jovens têm que perguntar: o que é que me faz feliz? O que é que eu quero? Porque é que eu quero uma formação superior? O que é que eu quero na minha vida daqui a 2, 5 anos? Aquilo de que eu estou à procura é aquilo que me vai me faz feliz? Porque é que o outro que tem em curso de direito está desempregado e eu penso que a minha sorte vai ser diferente? Estas perguntas são importantíssimas. Temos que começar a falar com os jovens sobre a Felicidade, o objetivo último do trabalho e da formação, que não é ganhar dinheiro. É termos condições para sermos felizes.

Essa pergunta não tem sido feita, mas tem-se perguntado qual o problema que consideram mais importante, e uns 3/4 dizem que é o emprego.

Sim, mas nós temos de saber qual é a nossa expectativa com a nossa Juventude. Neste momento, estamos com 3 gerações, pós-independência. A primeira, já está praticamente toda reformada. Fizeram a vida, arrumaram o país. Temos uma outra geração, já com formação superior, mais diplomados, que levantaram outras questões e têm outras necessidades. E temos uma geração, esta geração, já praticamente, todos licenciados, formados.

Hoje, o meu filho não precisa fazer formação superior. Não estou a educar o meu filho para ser doutor ou engenheiro, mas para ser feliz. Ele tem de estudar sim, e depois as escolhas que ele vai fazer, vai ter de se sentir bem com aquilo.

Falando em gerações, diz-se que "a juventude é o espelho retrovisor a sociedade”. Falamos do que não está a ser cumprido. Mas o que tem sido feito de bom?

É uma boa pergunta. A geração depois da Independência conseguiu organizar o país, conseguiu abraçar os desafios que os nossos pais abraçavam depois da Independência. Nós, de 40 e tal anos em Cabo Verde, estudamos fora do país, com bolsa do governo, e fomos estudar com um compromisso de voltar para retribuir, para ajudar o país a alavancar. E conseguimos honrar o compromisso. Eu penso que é um grande sucesso das políticas públicas da Juventude: formar e capacitar as Juventude que é para depois dar continuidade. A minha geração esta solidificando esta perspectiva, este objectivo. Estamos a provar que é possível termos os quadros com que antigamente se ambicionava. Ultrapassámos a questão e se formos ver a pirâmide de Maslow, a satisfação das necessidades básicas, hoje praticamente no topo. Já temos profissionais liberais e apolítica do governo é incentivar que apareçam cada vez mais. Já estamos a trabalhar, não procurando o básico mas a auto-realização. Ou seja, o meu compromisso com o meu filho e com a sociedade Cabo-verdiana, enquanto técnico, é passar essa mensagem de que temos que trabalhar para ganhar a positividade, aquilo que NOS faz bem é aquilo que nós podemos iremos dar à sociedade. Eu faço uma campanha muito pessoal por todas as ilhas a dizer aos jovens para apostarem naquilo que lhes faz bem. Nem toda a gente tem de ser doutor. Já não precisamos de tantos doutores, tantos engenheiros, precisamos de muitos líderes comunitários, precisamos das pessoas que dêem assistência às coisas básicas da sociedade cabo-verdiana. Todos os dias vemos violência na televisão, mas como disse, se formos ver o rácio estes jovens que a praticam essas violências, não ultrapassam 15%, por bairro.

Falando de delinquência juvenil. O que é que falha também com esses jovens? Uma política para a Juventude, por si só, como resolve?

Na minha na minha perspectiva, há uma outra política que resolve isso. Nas relações familiares, em Cabo Verde e África, enquanto continente, temos mais do que 70% das famílias a serem lideradas por Mulheres. Esta é uma variável bastante importante. Estas mulheres têm muitos filhos, muitas vezes com pais diferentes, que pouco ou nada apoiam e estas Mulheres têm que sair todos os dias para irem trabalhar para trazem [comida] para casa. Quem cuida dos filhos são os outros filhos, com diferença de poucos anos. Isto remete para a segunda variável, que é que a política económica informal. Então, tendo este tipo de família e tendo uma política mais de 80% informal, o povo sai, literalmente, para procurar a comida do dia, porque no outro dia vai ter que sair para procurar a comida de outro dia, o sustento básico. Isto faz com que estas crianças cresçam basicamente na rua. Então uma das políticas que o governo, de uma forma honesta, tem que começar a fazer é apostar nestas [crianças]... por exemplo, há dias ouvi a Câmara da Praia dizer que agora o mercado fecha às 7 da noite, eu fiquei preocupado. Vamos ter mãe a ir para casa mais tarde. Eu queria ouvir dizer que o mercado fecha às 16h … vamos fazer um estudo a ver quanto elas vendem nessas 3 horas? Nós temos que criar uma política pública para a Juventude, mas como essa Juventude precisa dos pais em casa, temos que criar uma alternativa para estes pais.

Temos vindo a assistir a um aumento da rede de cuidados, com o plano nacional de cuidados. Mais creches, por exemplo.

Penso que se deve construir um pensamento positivo e políticas públicas positivas para controlar os programas. Não gosto de falar sobre os problemas, mas temos de falar porque eles existem. Nem todos os bairros têm creches. E a segurança, estas condições, de deixar um filho numa creche perto de casa e ir buscá-lo quando se sair do trabalho têm que ser criadas em todos os bairros do país. Isto é política pública.

Então, eu acho que esses passos que estão a ser dados são importantes, mas se formos ver os esforços... estamos com muitos esforços, mas vêm de uma forma dispersa. Temos que agregar. Penso que, no fundo, o governo tem todos os ingredientes para fazer um bolo, e posso dizer que eu estou a gostar do discurso do novo ministro da inclusão social e suas presenças dele em alguns actos.

Isto foi estafeta, é trabalho que também vem de trás…

E esta continuidade é que é bom, temos de pegar aquilo que já foi feito atrás, de bom, trazer para o Presente e tentar dar continuidade. A profiferação de jardins nos bairros, cria possibilidade de postos de trabalho, e também uma outra dinâmica social e uma outra responsabilidade comunitária. Ao mesmo tempo, podemos criar um centro da Juventude e de dia num bairro. Já temos bons exemplos.

A política para a Juventude não é uma política que deve estar apenas no discurso. Há dias ouvi, penso que o Redy Lima, sociólogo que está a fazer um bom trabalho - mas também há vários outros cientistas jovens a falar sobre isso - , da necessidade de cientificar as decisões políticas para a juventude ou qualquer outra área. Os nossos políticos trabalham muito pouco com a ciência, e nós temos trabalhos extremamente interessantes, aqui feitos, também pelas universidades, sobre possibilidades ou alternativas das políticas públicas para a Juventude que o governo pode perfeitamente aproveitar.

Eu penso que esta semana da Juventude que nós vamos ter, é uma semana em que deve ser discutido não o futuro da juventude, mas o presente. Temos que deixar de discutir o futuro, definitivamente. Discutir o presente: onde estão os jovens? o que estão a fazer? Porque estão a fazer desta maneira? E a Juventude está feliz?

Há uma coisa do agora que directamente condicionar as gerações futuras, que é a gravidez na adolescência. E para falar disto temos de falar de sexualidade. Como Cabo Verde lida com a sexualidade dos jovens?

Não é Cabo Verde, é África. Ainda este mês eu e um colega vamos começar a dar palestras sobre sexo e sexualidade, na cidade da Praia. A nossa preocupação é o seguinte: os jovens começam a sua vida sexual bastante cedo, todos sabem disso, inclusive os pais, mas não há uma conversa sobre o assunto. Continua a ser um assunto tabu. Os jovens não conhecem os seus próprios corpos, os pais não querem saber desta conversa, os professores, é aquilo que nós conhecemos. Por exemplo, em Santo Antão este ano tivemos cerca de 27 jovens grávidas, no liceu. Não foi dito quantas estavam grávidas dos professores. Mas é importante saber. Digo isto com muita tranquilidade, já há anos que alerto. Em 2015/2016 fiz um trabalho sobre a agressão sexual e na altura constatámos que havia um abuso enorme dos professores em relação as alunas, em praticamente todos os liceus. Agora de facto é necessário quebrar o tabu.

Pois. Pode-se falar de uma política de Juventude sem falar que dessa parte que é fundamental para os jovens?

Falar de juventude é falar de sexo... E temos um sofrimento de muitas jovens a nível da sexualidade e do sexo, por causa do Tabu na sociedade.

Em contrapartida, temos formas de lazer, música, dança extremamente sexualizada desde pequeninos. É um paradoxo?

É a diferença entre sexo e sexualidade. Temos uma cultura bastante sexualizada, mas o sexo, o acto, é tabu, permanece escondido.

As nossas acções culturais são muito sexualizadas. É por isso que falar de assédio em Cabo Verde ou no continente africano, em determinados contextos, é extremamente complicado, porque o próprio acto cultural, sexualizado, atrapalha a mente e a conduta. A nossa diferença entre estar a importunar, a assediar, quando se pensa que apenas se está a ser simpático. Então, há um confronto entre aquilo que o direito diz que assédio ou um país considera que é assédio e aquilo que é a cultura do homem e mulher cabo-verdianos. Então, essa cultura sexualizada que temos, é praticamente um convite para o início da vida sexual dos jovens. Mas é necessário que a família comece a falar com os jovens em casa, que nas igrejas, nsa palestras, nos espectáculos se fale nisso. É necessário aproveitar as oportunidades que temos de convívio social para falar de assuntos que nos afligem de facto.

Última “área”. Costuma associar-se Pelouros/tutelas de Juventude Desporto. Faz sentido faz sentido a aposta nesta ligação?

Se há ministério que precisava de um secretário de Estado, seria este da Juventude e Desporto. Infelizmente, não damos o verdadeiro valor ao desporto no sistema educativo. Penso que se nós tivemos desporto nos bairros, se tivéssemos massificação dos desportos no nosso país, as nossas cadeias, se calhar, nem teriam jovens, ou poucos. O desporto é uma das armas valiosas que temos para tirar os jovens da criminalidade. Pôr os jovens a sonhar, a ter uma perspectiva, uma possibilidade… Se massificarem o desporto em Cabo Verde a gravidez na adolescência poderia ser evitada, o consumo de droga também.

O desporto, para mim, é a tabua de salvação da juventude, sem nenhuma dúvida. E se tivermos um ministério que trabalha a sério, trabalha o currículo da juventude, consegue trabalhar com o Ministério da Justiça e com o da Educação- há que fazer esse link… Porque neste particular têm de trabalhar juntos, e eu penso que quem deve liderar o processo é mesmo do ministro da Juventude e Desporto, porque pode estar lá uma solução muito valiosa. Mesmo a nível Internacional é uma solução em que podemos conseguir verba e financiamentos com muito mais facilidade. Se chamares internacionais para criarem escolas, investirem nas suas modalidades, em 2 ou 3 bairros, ou a nível da cidade, muitos deles iriam fazer isso, em parceria com o governo, com as CM. Fá-lo-iam até porque também têm parceiros lá fora. Então eu penso que através do desporto não só podemos encontrar solução para a juventude, como encontrar investimentos para implementar estas soluções. É excelente.

Alguma nota, sobre a juventude, para terminar?

O discurso e a linguagem têm que ser positivos…

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1028 de 11 de Agosto de 2021. 

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Autoria:Sara Almeida,14 ago 2021 8:38

Editado porDulcina Mendes  em  16 ago 2021 7:59

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