O prazer está a ‘sair do armário’ - Parte III

PorSara Almeida,22 ago 2021 11:46

Irina Marques, sexóloga educacional - “É um mundo muito mais feminino neste momento”

Leia também:

Cabo-verdiana radicada em Portugal desde que foi para a universidade, Irina Marques já leva quase uma década dedicada ao negócio da sexualidade. E a primeira coisa que fez no seu negócio foi criar um conceito mais erótico e menos pornográfico da área. Na verdade, também mais voltado para o público feminino.

Mas comecemos pelo início. Em 2011, Irina Marques lançou-se num projecto de negócios na área da sexualidade, através de um programa de incentivo ao empreendedorismo jovem. Elaborou o projecto, concorreu ao crédito e em Maio de 2012 nascia a primeira “Flame Love Shop”, em Almada (posteriormente foi inaugurada uma outra, em Corroios).

Não é uma sex shop. O conceito é diferente. É uma love shop.

“As pessoas perguntam qual a diferença. Na verdade, os produtos são os mesmos, mas tem a ver com a forma como se expõe, com a selecção dos produtos…”, explica. Assim, embora possam ser encontrados todos os produtos vendidos nas sex shops, a loja troca as referências mais pornográficas, por exemplo, nas embalagens, por algo mais sensual e erótico. Mais feminino, até.

image

“Normalidade”

O conceito e sua abordagem à sexualidade contempla também a informação e desmistificação de tabus, associando-se assim, à venda, serviços como o aconselhamento.

“Comecei a trabalhar na loja e percebi, por exemplo, que muitos clientes que têm questões de saúde sexual e não têm coragem de colocar ao médico”. Na loja, parecem mais à vontade. E no próprio sistema de saúde formal, parece haver falta de resposta a estes problemas. Irina lembra um caso concreto:

“Existem brinquedos que associamos à prática da sexualidade e do prazer, mas que na verdade acabam por ter uma componente de saúde, que é o caso das bombas de vácuo, um acessório para os homens que sofrem de disfunção eréctil”. O médico de um cliente tinha-lhe marcado uma sessão de esclarecimento, num centro de saúde. Lá, mostraram-lhe fotos e fizeram uma apresentação técnica. O senhor nada percebeu. Foi à loja.

Irina abraçou então a oferta de outros serviços e começou também a apostar na formação, em pós-graduações na área da sexualidade, sendo hoje, sexóloga educacional.

O aconselhamento tanto é procurado para receber orientação sobre os produtos, como sobre relações entre casais. O que mais aparece, a este nível, são pessoas em confronto com aquilo que a sociedade tem definido como “normal” ou “correcto”.

“Estamos a falar, por exemplo, de casais que querem ter um relacionamento aberto ou liberal, estamos a falar de pessoas que têm fétiches ou outras tendências sexuais e procuram saber se aquilo é, lá está, ‘normal’”.

Ora, sendo que a norma é representada por aquilo que nós vemos estatisticamente, talvez não seja normal. Mas isso “não significa que esteja errado!”

Há então aconselhamento, atendimento personalizado, reuniões Tuppersex, palestras, e muito mais do que simples vendas…

Efeitos da Pandemia

Entretanto veio a Pandemia. E tal como aconteceu um pouco por todo o mundo, incluindo Cabo Verde, também as vendas da Flame Love Shop aumentaram.

Um aumento que Irina Marque não atribui estritamente à situação, mas também ao que ela despoletou em termos de ferramentas de vendas.

As lojas físicas fecharam, mas houve um aumento de canais, que foram agilizados. Começou a trabalhar com um serviço de entrega imediata ao domicilio. O site mudou, foi melhorado, ficou mais rápido. Houve melhorias que o colocam agora “em melhores posições no Google, por exemplo. E isso tem trazido um feedback muito positivo”.

Assim, “a pandemia foi boa nesse sentido”, diz a criadora da Flame Love Shop. “Saimos mais fortes, com mais garra, com mais ferramentas”.

Ao mesmo tempo, toda a indústria dos produtos eróticos apostou numa maior publicidade, em vários meios, o que despertou a atenção para os mesmos. Um dos produtos que a nível mundial fez um sucesso incrível, e na Flame Love Shop também, foi o Satisfyer, uma marca que tem um sistema de sucção e “promete orgasmos em 3 minutos”.

Então, todo o aumento de vendas quer online, quer mesmo na loja física, a que tem assistido é, no entender de Irina Marques, o resultado de todos esses factores.

“O meu é maior…”

A Flame Love Shop é voltada, como referido, para um ambiente mais feminino.

E são mesmo elas as maiores clientes. Até porque “nesse âmbito da sexualidade, as mulheres exploram mais, procuram mais.”

E muitas vezes os próprios homens, quando compram, são presentes para elas, sejam lingeries, seja brinquedos.

Quando procuram produtos para eles, são sempre os mesmos. “Apesar de termos um leque muito grande, eles vão sempre para a suplementação sexual, que é para o aumento da erecção”.

Ou seja, na linha dos produtos também referidos por Cynthia Ramos, os produtos masculinos são escolhidos com foco na performance: cremes de aumento de volume, retardadores, …

Talvez por terem tanto foco na performance é que muitos homens não gostam do uso de vibrador nas relações… Tal como Nádia, de quem falávamos, também Irina encontra muitas mulheres “que não podem ter um vibrador porque o homem não encara isso da melhor forma. Acha que aquilo é uma concorrência, ou não percebe se ela tem um companheiro que é ele ao lado, qual é a necessidade de ter um vibrador. Ainda há mulheres confrontadas com essas questões”.

A mulher, como se dizia, é muito mais aberta na hora da escolha. Há objectos a ‘solo’, mas não só.

“Procura produtos para o casal, para o prazer em conjunto, existem muitos. E a mulher preocupa-se com a saúde sexual”. Por exemplo, há muitas mulheres “à procura de bolas pélvicas para trabalhar o soalho pélvico”.

“É um mundo muito mais feminino neste momento”.

Os homens também não aderem à partilha em grupo e quando o fazem “é um jogo de egos…”

Outro exemplo concreto: no ano passado Irina participou num programa online, “Reconexão”. Houve uma conversa só entre mulheres, moderada por Irina. “Houve partilha real de problemas, as mulheres falaram de forma aberta sobre esses temas”, recorda.

E houve outra, só entre homens (muitos dos quais companheiros das mulheres da sua conversa), moderada por um colega da área da sexologia que depois lhe passou o relatório.

“Não diria que o que foi dito foi falso, mas foi um jogo de egos. Ninguém tinha problemas, cada um era melhor do que o outro, a relação de cada um era melhor do que a do outro …”

Os homens têm, pois, mais tabus do que as mulheres, e falam muito menos abertamente de sexualidade.

“E o que trava muitas vezes a mulheres, no relacionamento, são os homens”.

flame
flame" style="width: 450px;

Lá e Cá

Muitos clientes de Irina são de Cabo Verde. Poucas diferenças há entre os dois públicos, português e cabo-verdiano.

São clientes não muito jovens, a partir dos 35 anos, mas “com grande incidência nos 40, 45 anos” e também as mulheres cabo-verdianas compram mais do que os homens.

“É raro haver um homem que faz a encomenda e quando encomenda é para a mulher. E há também sempre aquele tabu: não é para mim, foi alguém que pediu. Para Cabo Verde é sempre a desculpa da encomenda.”

As mulheres compram mais, e ainda recentemente, devido a um curso sobre pompoarismo várias mulheres cabo-verdianas procuraram “utensílios de bolas para fazer essa formação”.

“É um bom indício, de que elas se estão a preocupar com a sua saúde sexual. Porque é muito importante nos preocuparmos não só com a sexualidade e prazer, mas também com a sexualidade e a saúde sexual, conhecimento e autoconhecimento. E eu tenho notado isso nas mulheres cabo-verdianas, pelos produtos que encomendam”, conta.

Produtos para uso do casal, por seu turno, não têm tido grande procura pelas cabo-verdianas.

Mas recomenda, cá como lá, o uso de brinquedos eróticos, apontado as vantagens.

“Hoje em dia, tanto a nível individual como de casal, o desejo não é espontâneo. Tem de ser trabalhado, de ser provocado, por isso é que se fala muito da importância dos preliminares, etc... e os brinquedos são uma óptima forma de nos motivar e despoletar esse desejo”. Proporcionam também “autoconhecimento, trazem uma melhor exploração do nosso corpo, tanto a nível pessoal como em casal e a sexualidade num casal é um dos factores que se valoriza muito para o desempenho e desenvolvimento da relação”, diz.

Assim, não tem dúvidas ao afirmar: “os benefícios são imensos”. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1029 de 18 de Agosto de 2021. 

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Sara Almeida,22 ago 2021 11:46

Editado porSara Almeida  em  24 ago 2021 9:24

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.