Praia sob nova onda de violência

PorSara Almeida,28 ago 2021 8:50

Há um novo pico de violência e criminalidade na Cidade da Praia. Dois homicídios violentos ocorridos há uma semana, ao qual se juntam vários relatos e registos de outros crimes, deixaram a sociedade em choque. Governo promete operações especiais nos próximos dias, e garante que o esforço pela segurança é constante, mas os recentes acontecimentos mostram que houve falhas, de um ponto de vista geral, na prevenção da escalada de violência.

Mortes, assaltos, kaçuboby, brigas, confrontos. Os relatos sucedem-se diariamente. A par destes, dois casos de enorme barbárie, ocorridos na semana passada vêm confirmar o que já se sentia: uma onda de violência está a varrer a capital.

Samory

Na quarta-feira, 18, Tira-Chapéu foi palco de um assassinato que, na verdade, poderia ter acontecido em vários outros bairros da capital, onde o confronto entre grupos rivais tem sido diário (e que vídeos publicados nas redes sociais amiúde atestam.)

Samory Pereira de Azevedo, “Soudja”, de 28 anos, foi assassinado e os detalhes da morte são chocantes. O jovem foi baleado com boka bedju mas, apesar do ferimento, conseguiu fugir e entrar num casa. Membros do grupo rival seguiram-no, arrastaram-no e continuaram a agredi-lo a pontapé e com paus. Terá ainda sido esfaqueado.

À TCV uma moradora de Tira-Chapéu contava que tem presenciado muitos actos de violência no bairro, que nem os esforços da polícia conseguem aplacar. Os actos de violência, conta, acontecem geralmente de dia. Segundo a mesma fonte, mesmo este homicídio ocorreu por volta das 14h.

A guerra entre as duas gangues continua e até no próprio funeral do malogrado houve tiros. O alvo, ao que se sabe (e pelo que é percebido num vídeo que foi publicado nas redes sociais), era um dos jovens que carregava o caixão da vítima. A polícia foi chamada ao local e manteve guarda até ao fim da cerimónia fúnebre.

Na sexta-feira, de acordo com a Polícia Nacional, três indivíduos suspeitos do homicídio foram apresentados ao poder judicial, e estão agora em Prisão Preventiva. Os suspeitos têm entre 17 e 21 anos e foram detidos em flagrante delito na sequência da rixa de quarta-feira.

Como referido, o problema está em todos os bairros. Ainda esta segunda feira a página “Onda Kriolo” publicava o testemunho de uma moradora de Achada Grande Trás, um bairro “sitiado pelo medo”, onde a população não pode estar na rua por receio dos thugs da zona. Tem receio, conforme diz, de kasu-body ou até de bala perdida.

Mas este fenómeno violento não é algo que não se estivesse à espera. Há um ano, precisamente, o Expresso das Ilhas publicava uma peça em que associações que trabalham nos bairros alertavam que se estava a formar a tempestade perfeita para um aumento da delinquência juvenil e violência. “Os jovens estão inquietos, com pouco ou nada para fazer, sem oportunidades no horizonte. A isto se juntam rivalidades malcuradas, falhas na reinserção [social] e uma pandemia que veio bulir com tudo”, escrevia-se.

Havia já “sinais claros de que alguma coisa se vai complicar”, dizia então o pastor Licínio Lopes, que há vários anos trabalha com a problemática. Complicou.

Sajid

No dia seguinte à morte de Samory, um outro homicídio, de contornos diferentes, e com requintes de sangue frio assustadores, acontecia na Praia.

Eram 18h de quinta-feira e o empresário Sajid Patel, sócio-gerente da conhecida marca de lojas Soprobel, fechava o armazém em Achada Grande Frente. Por perto, no campo de futebol e outros armazéns, havia ainda muito movimento.

Patel, de 49 anos, cidadão cabo-verdiano, natural da Índia, estava já na rua quando tudo aconteceu. Estava acompanhado da mulher, do filho de 7 anos, e presentes estavam também um funcionário e um guarda.

Foram surpreendidos por dois rapazes, armados e não ofereceram resistência. Os larápios apoderam-se de um saco com dinheiro, portátil e outros pertences. Depois, dispararam sem razão aparente para todos, incluindo a mulher com a criança que correram a esconder-se no armazém. Patel terá tentado proteger-se atrás de um carro que também foi baleado. Mataram Patel à queima roupa, estando ele encolhido atrás da referida viatura.

Vários carros passaram sem prestar assistência à vítima, que por fim foi levada para o Hospital Agostinho Neto numa Toyota Dina. Acabou por não resistir aos ferimentos e faleceu no dia seguinte.

De acordo com fonte próxima da empresa, os bandidos terão partido de perto do campo de futebol, onde há câmaras de segurança da PN, que, no entanto, não accionaram qualquer medida preventiva.

As armas dos rapazes, de acordo a mesma fonte, que teve conhecimento do tipo de cartuchos recolhidos pela polícia, não eram Boka Bedju. Eram armas de calibre militar.

Na AGF têm havido vários roubos e houve já denúncias de pessoas armadas que “atacam” outros armazéns.

Quanto a Sajid Patel, o empresário estava em Cabo Verde há cerca de 20 anos, e era sócio-gerente da SOPROBEL, um dos “grandes contribuintes do país”, possuindo 8 estabelecimentos, em 4 ilhas e mais de 60 trabalhadores. Tinha ainda uma série de outros investimentos. Patel realizava também, de forma discreta, uma acção social relevante na zona do Fundo Kobon, entre várias outras acções.

A mesma fonte salienta também que “até à data os sobreviventes não receberam nenhum apoio ou mensagem do Governo” e“temem inclusive pela sua vida pois são testemunhas contra assassinos armados.”

O filho de Patel continua a perguntar se o pai vai voltar.

Procurados

Entretanto, os assassinos do empresário já foram identificados e a Polícia Nacional pediu a colaboração da sociedade civil no sentido de localizar os suspeitos, que se encontram foragidos. São eles Makavely Sarkur Moreno Nogueira, conhecido por “Maquivel” e Hélder Rony dos Santos, mpc “Rony”. A PN não adianta mais informações, mas pelas fotos divulgadas ambos já terão tido passagem pelas esquadras.

Outros crimes recentes

Um outro homicídio recente abalou Cabo Verde. O de Zenira Gomes, jovem do Sal, que foi encontrada morta na Cidade da Praia, onde se encontrava de férias. Não se sabe como Zenira, 35 anos, morreu, nem porquê. O homicídio terá ocorrido a 26 de Julho, o corpo encontrado a 29, e os suspeitos, que se encontram agora em Prisão Preventiva, detidos a 17 de Agosto. A PJ avançou que se trata de dois homens de “32 e 38 anos, um residente no bairro de Terra Branca, na Cidade da Praia e outro natural dos EUA, com nacionalidade cabo-verdiana, de férias em Cabo Verde”.

Para além dos homicídios a percepção é também que há um aumento também de assaltos na via pública (caçubodies) e a lojas.   

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1030 de 25 de Agosto de 2021.

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Autoria:Sara Almeida,28 ago 2021 8:50

Editado porAntónio Monteiro  em  7 jun 2022 23:21

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