“Desafio todos a reflectirem sobre a necessidade do reencontro com o Criador”

PorAntónio Monteiro,17 abr 2022 8:57

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Na semana em que se celebra a festa maior da cristandade, o Expresso das Ilhas conversou com a Superintendente do Distrito Norte da Igreja do Nazareno, a primeira mulher a dirigir um Distrito em Cabo Verde. Leniza Soares lembra que a Páscoa é o culminar do plano de Deus para resgatar o relacionamento perdido entre o homem e Deus, fala das actividades que serão realizadas durante a Semana Santa nas igrejas do Distrito Norte e dos projectos e acções sociais desenvolvidos desde que foi eleita Superintendente do Distrito Norte, em 2019.

Em termos teológicos qual é a visão da Igreja do Nazareno em relação à Páscoa?

A visão da Igreja do Nazareno é exactamente a visão bíblica. A Páscoa é vista como o ponto alto de toda a história da humanidade que tem a ver com a criação e também com a queda do homem e a entrada do pecado. A Páscoa é o culminar do plano de Deus para resgatar o relacionamento perdido entre o homem e Deus, manchado pelo pecado e impedido por essa mancha. Portanto, a Páscoa não é apenas a morte de Jesus Cristo, mas sobretudo a ressurreição de Jesus Cristo, que é o clímax de todo o processo. O ponto alto da Páscoa é exactamente a ressurreição de Jesus Cristo significando a oportunidade da ressurreição do ser humano, a oportunidade de olharmos para o ser humano e ver que uma vida destruída pode voltar a ser uma vida renovada. A ressurreição de Jesus Cristo significa a maior esperança do ser humano de que é possível uma vida destruída ser restaurada e haver uma ressurreição em Cristo e através de Cristo para uma nova oportunidade.

Portanto, não é o Natal, mas a Páscoa a festa maior da cristandade. O que significa?

A origem da Páscoa antes de Cristo era passagem porque era celebrada exactamente no momento em que Moisés foi levado para tirar o povo de Israel que estava no Egipto como escravo e o ponto final foi quando o faraó deu autorização para que saíssem do Egipto para fazerem a sua peregrinação para adorar a Deus. Então, isto significa uma passagem do estado de escravidão no Egipto para o estado de libertação na terra prometida para onde o povo foi conduzido por Moisés. A ressurreição acaba por simbolizar a passagem do estado de opressão pelo pecado, o estado no Egipto enquanto escravo, para a nova vida em Cristo. Portanto, a Páscoa é o ponto alto e não o Natal, porque o Natal é apenas o nascimento, é o início da fase final desse plano redentor de Deus. E é a Páscoa porque nenhum outro ser foi capaz de ressuscitar.

Como vai ser celebrada a Páscoa nas Igrejas do Distrito Norte, e qual o lema para este ano?

Não temos um tema específico para esta Páscoa, porque há já algum tempo que a Igreja do Nazareno, a nível global, tem realçado a graça de Deus. É esse favor de Deus, essa procura de Deus no sentido de resgatar o relacionamento perdido. E estamos sobre esse lema da jornada da graça, a vida do ser humano como sendo uma jornada com Deus em que beneficiamos dessa graça, esse amor de Deus que olha para nós e que insiste em não desistir de nós. Em todo o Distrito, não apenas Norte, mas também Sul, a Igreja do Nazareno celebra a Páscoa de uma forma mais intensa desde o Domingo de Ramos em que em todas as igrejas há essa reflexão sobre essa fase final do plano redentor de Deus. Durante esta Semana Santa há períodos de reflexão, tempos de oração, que são proporcionados nas nossas igrejas, desde esta segunda-feira até quinta-feira. Há muitas igrejas que na quinta-feira vão fazer o serviço da Ceia do Senhor; na sexta-feira várias igrejas vão proceder a baptismos nas igrejas, em praias que ficam perto das igrejas, em piscinas… No dia em que se assinala o dia em que Jesus foi crucificado a Igreja dedica-se à reflexão, mas também a baptismos. No sábado algumas igrejas fazem tempos de oração e dedicam o dia para reflexão. No domingo de Páscoa praticamente todas as igrejas começam às 5 horas de manhã com aquilo que nós chamamos culto de alvorada. É uma tradição de repetir o que aconteceu com aquelas mulheres quando bem cedo foram ao túmulo para tratar do corpo de Jesus, então nós, como já temos essa boa notícia que Jesus não ficou morto e ressuscitou, temos esse bom hábito de, às 5 da manhã, reunir a igreja, geralmente em pontos mais altos das nossas localidades, para celebrar a ressurreição com cânticos de muita alegria e muita celebração. Depois disso as pessoas normalmente fazem o tradicional café de Páscoa em que há uma comunhão, seguem-se os cultos de celebração da ressurreição no período de manhã, podendo também ser à tarde. Portanto, é uma semana bem cheia em que celebramos com toda a intensidade a ressurreição de Jesus Cristo: celebramos a vida.

É a primeira mulher cabo-verdiana a ser eleita Superintendente de um Distrito. Pode-se falar de equidade de género nesta questão religiosa?

Não necessariamente, porque nós nem pensámos nisto, não foi propositado. Nós entendemos que Deus vai dirigindo as coisas. Por exemplo, num universo de cerca de oitenta pastores e pastoras em Cabo Verde, as pastoras já devem ser por volta de trinta. Então não é uma questão apenas de seguir uma linhagem da equidade de género. Até porque a Igreja do Nazareno na sua origem ordenava mulheres, pastoras. Já nos anos 80 nós tivemos uma Superintendente-geral, porque a Igreja do Nazareno é dirigida a nível global por um colectivo de seis superintendentes-gerais. Actualmente uma delas é mulher. Portanto, a minha eleição foi algo que aconteceu naturalmente. Num universo de cerca de 15 candidatos presbíteros eu fui eleita não só pelos colegas, mas por toda a igreja. Portanto, não se trata de uma gestão de equidade de género, aliás, Deus, através de Jesus Cristo trouxe uma aragem para colocar um olhar específico sobre a mulher que já tinha sido perdido por causa das escolhas da nossa sociedade. Deus valoriza a mulher desde sempre. Nós vemos isso na bíblia, a mulher é olhada como homem não no sentido de serem iguais, mas de terem as mesmas oportunidades, porque nós todos fomos criados à imagem e semelhança de Deus.

Quando foi eleita há quase três anos afirmou que a igreja não tinha projectos e metas sociais específicos. Que projectos e metas tem já em curso?

Eu falava em termos de não ter algo específico, porque não houve projectos concretamente. Mas agora como Distrito queremos reforçar ainda mais os cuidados com a família, a educação é uma aposta muito grande, a capacitação do ser humano em todas as áreas e vertentes. A Igreja preocupa-se bastante com isso: não apenas na instrução para o conhecimento profundo da bíblia, mas também em todas as áreas do saber para que sejamos capacitados para perceber e entender melhor as formas de nos relacionarmos uns com os outros, para nos sentirmos melhor. E a família é um foco muito importante e a Igreja têm-se preocupado com isso, porque muitos dos males na nossa sociedade têm acontecido por causa das fragilidades que acontecem dentro da família, partindo de dentro da família para fora. A questão acaba por estar inserida numa preocupação com o equilíbrio na nossa sociedade. A Igreja trabalha bastante na vertente que nós chamamos ministério da compaixão. E voltamos àquilo que Jesus resumiu: amar o próximo como a ti mesmo; ao cuidarmos dos outros e ministrar esse cuidado não apenas levando os outros a encontrar-se com Cristo, mas o cuidado no dia-a-dia em todos os aspectos. A Igreja preocupa-se bastante em servir a comunidade através desta área.

Como é viver a fé em tempos de Covid?

Aqueles que têm vivido pela fé e têm alimentado a sua fé em Deus, não uma fé nas nossas capacidades, não uma fé exclusiva na ciência, mas primeiro em Deus, têm convivido com toda essa pandemia de uma forma mais pacífica e mais tranquila. Agora mais do que nunca, conseguimos ver que a necessidade do ser humano é ser preenchido com Deus, acreditar que Ele é aquele que luta connosco, que nos ajuda, que traz respostas às nossas preocupações e necessidades e que nos sustenta para nos ajudar a avançar. O que está a acontecer veio pôr a nu as fragilidades do ser humano e o quanto nós necessitamos para viver uma fé firme e activa em Deus.

Qual a sua mensagem para a Páscoa aos fiéis?

Eu gostaria de dizer a todos os fiéis e àqueles que não têm pensado muito em Deus, àqueles que têm tentado lutar pelas suas próprias forças, que Jesus veio para tomar o fardo das nossas vidas e permanecer connosco numa caminhada onde a Sua graça, o Seu amor e a Sua misericórdia são derramados sobre nós sem medida. Assim, desafio a todos que parem para reflectir sobre a necessidade do reencontro com o Criador para descobrir a nossa essência e reformular a nossa identidade. Nós pertencemos a Deus, fomos criados à imagem e semelhança de Deus e voltar para Deus nesta Páscoa é reforçar aquilo que nós somos, o reencontro connosco próprios através do nosso Criador na pessoa de Jesus Cristo, aquele que está vivo e todos os dias ao alcance do nosso pensamento.

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Quem é Leniza Monteiro Soares?

Sou uma cabo-verdiana. Digo cabo-verdiana porque nasci numa ilha e cresci em várias outras e fui moldada por esta vivência em diversas ilhas. Sou casada, tenho dois filhos. Nasci no seio de uma família cristã, nazarena, sou formada em psicologia. Além de pastora na Igreja do Nazareno, trabalho como psicóloga no ministério da Educação em São Vicente, na equipa multidisciplinar de apoio à educação inclusiva.

Qual foi o seu percurso até chegar à superintendência do Distrito Norte?

Desde muito nova, por ter feito um compromisso com Deus e entendido que a minha presença na igreja não se resumia apenas a acompanhar os meus pais, entendi que Deus nos chamava para um relacionamento directo com Ele. Desde muito cedo percebi que o que Deus desejava para mim era viver ao Seu serviço nessa área do ministério que nós chamamos ministério pastoral. Foi com 26 anos, após concluir a minha licenciatura em psicologia que entrei para o Seminário Nazareno de Cabo Verde para formação como pastora, portanto, a formação académica em teologia. Em 2009, iniciei o meu ministério pastoral na ilha do Maio. Por três anos eu estive ali a serviço da Igreja do Nazareno como pastora. Em 2012 fui chamada para Ribeira Grande de Santo Antão, onde fui pastora durante 7 anos. Exactamente no período em que eu estava a completar esses sete anos, entramos na fase de desdobramento do então Distrito de Cabo Verde em dois, numa estratégia de crescimento para melhorar a nossa capacidade de resposta em termos administrativos e também para melhor oportunidade de crescimento da Igreja. Em 2019 aconteceu a Assembleia Nacional onde efectivámos esse desbordamento: o Distrito Norte, que comporta as ilhas de Barlavento, e o Distrito Sul, que comporta as ilhas de Sotavento. E aí, ao invés de haver um só superintendente como até então, fizemos a eleição de dois superintendentes, um em cada uma dessas assembleias distritais. Foi assim que, em 2019, na primeira assembleia do Distrito Norte de Cabo Verde, na ilha da Boa Vista, fui eleita Superintendente do Distrito Norte.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1063 de 13 de Abril de 2022. 

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Autoria:António Monteiro,17 abr 2022 8:57

Editado porDulcina Mendes  em  30 dez 2022 23:28

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