Campanha quer sensibilizar para a saúde mental da mulher na gravidez e pós-parto

PorSheilla Ribeiro,1 mai 2022 8:35

Para muitas, ter um bebé é de muita felicidade. Por outro lado, algumas mães desenvolvem problemas mentais, podendo ser uma experiência extremamente stressante e estigmatizante. A atenção à saúde mental das gestantes e puérperas é objecto da campanha Maio Furta-Cor que decorre durante o mês de Maio. O Expresso das Ilhas foi conhecer o projecto.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde mental como um estado de bem-estar no qual o indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com o stress normal da vida, trabalhar de forma produtiva sendo capaz de contribuir para a sua comunidade.

Sendo assim, trabalhar a saúde mental materna é compreender o bem-estar nas gestantes e puérperas, que irão lidar com a maternidade pelo resto de suas vidas. É neste sentido que em 2021 surgiu, no Brasil, a campanha Maio Furta-cor. O objectivo desta iniciativa sem fins lucrativos, democrática e apartidária é sensibilizar a população para a causa da saúde mental materna em todo o mundo.

O Expresso das Ilhas Verde falou com Maria Pires Dias, especialista em psicologia perinatal, que explicou que a iniciativa é dedicada à saúde mental materna por ser um tema pouco falado e pouco conhecido.

“Existe ainda muito estigma e preconceito à volta da saúde mental, em si, e quando falamos de saúde mental materna estamos a falar de uma mulher num período que consideramos muito bonito, mesmo havendo um preconceito ainda maior. Por isso, esse mês ser dedicado à saúde mental materna.

Mas o que significa Furta-Cor?

A psicóloga explica que a campanha tem esse nome porque a maternidade, em si, não tem uma cor.

“Não existe rosa, não existe azul. A maternidade vai depender, conforme diz a nossa campanha, da luz que a mulher vai receber nesse período. Quer dizer, do cuidado que a mulher vai receber. Dependendo do cuidado que ela receber, aí a sua maternidade terá uma determinada cor. E na maternidade cabem todas as cores possíveis”, afirma.

Maria Pires Dias reitera que o principal objectivo do Maio Furta-cor é fazer com as pessoas reflictam sobre a saúde mental materna e difundir o tema, o máximo possível, na comunidade, além de envolver os homens. Entretanto, um outro objectivo da campanha em Cabo Verde é chamar a atenção para a importância de o país dispor de dados, uma vez que a meta é reflectir e produzir dados sobre o tema.

Dias cita que no dia 30 de Março deste ano, a OMS lançou novas directrizes de cuidados para uma mulher neste ciclo. Uma das chamadas de atenção, diz, é fazer-se o acompanhamento psicológico após o parto.

“Aplicar instrumentos de triagem de saúde mental após parto, por exemplo. Mostra também a necessidade de se ter estudos no país. Em Cabo Verde pode até existir, mas eu não conheço e não encontrei nenhum dado relativamente a este tema”, precisou.

Conforme a especialista em psicologia perinatal, a campanha surgiu em 2021, porém a saúde mental materna já é falada há muito tempo.

“Há, por exemplo, uma petição internacional cujo objectivo é a primeira quarta-feira do mês de Maio ser dedicada à saúde mental materna. Há campanhas na África do Sul, Nigéria, Alemanha, EUA, entre outros países”, refere.

Acções e parcerias

De acordo com a representante da campanha, propõe-se realizar acções de conscientização ao longo de todo o mês de Maio, época em que se celebra o mês das mães.

A ideia é promover palestras, rodas de conversa, caminhadas, lives, partilha de conteúdos nas redes sociais, engajando-se em acções gratuitas. O propósito é difundir a causa da saúde mental materna com informações de qualidade.

“Temos representantes da campanha noutras ilhas e pretendemos realizar exposições fotográficas sobre o outro lado da maternidade”, declara.

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Maria Pires Dias ressalva que já se encontram em curso acções de divulgação e procura de parceiros. Neste momento, revela, já contam com pessoas individuais que se mostraram interessadas, fisioterapeutas, o movimento Eco-feminismo, Wake up, Queen, Associação dos Assistentes Sociais de Cabo Verde e ICIEG.

“Essa campanha é importante porque visa sensibilizar a população cabo-verdiana para a saúde mental materna, comemorar o mês da mãe. O objectivo é que as pessoas vejam que a mãe tem uma sobrecarga enorme. Por exemplo, quando falamos da saúde mental, em si, a mulher é muito mais propensa a ter problemas mentais, por exemplo depressão do que o próprio homem”, cita.

Causas dos problemas mentais na maternidade

A especialista em psicologia perinatal reporta que os problemas mentais na maternidade derivam de várias questões. Como exemplo cita a violência contra a mulher, uma gravidez não planeada ou não desejada e questões socioeconómicas como a baixa escolaridade, pobreza, baixo suporte social, baixo suporte familiar, relação conjugal conflituoso.

“A mulher passa por todas essas questões que fazem com que tenha mais factores de risco de ter algum transtorno emocional do que o homem, em si”, expressa.

Enquanto psicóloga, Maria Pires Dias, aponta que há muito preconceito dos cabo-verdianos em procurar profissionais de saúde quando se trata de saúde mental.

“Há muito estigma das pessoas em procurar um profissional da saúde porque acham que estão doidas, que é a expressão que mais usam. Normalmente, as pessoas procuram um profissional de saúde mental, não por prevenção”, realça.

Conforme salienta, o ciclo gravídico-puerperal, gravidez e pós-parto, é um dos momentos mais propícios da mulher ter algum transtorno mental ou emocional. No entanto, prossegue, pode-se trabalhar na prevenção.

“Mais, as pessoas têm muito preconceito em procurar um psicólogo por causa da conotação de que quem procura o psicólogo é doido. Trabalho directamente com mães, gestantes e puérperas, e posso dizer que há muitas questões emocionais, muito medo, muitas crenças e muito mito à volta da maternidade”, acrescenta.

Os sintomas de saúde mental materna variam entre o leve, moderado e grave. Quando há sintomas que variam entre o moderado e o grave, Maria Pires Dias salienta que deve haver um acompanhamento médico porque pode haver a necessidade de medicação porque os sintomas são muito agudos.

“Quando há depressão pós-parto, automaticamente há necessidade de ter um acompanhamento de um profissional de saúde. Nesta fase não há como esconder esses sintomas”, nota.

Assim, a campanha Maio Furta-cor pretende também mostrar à sociedade e redes de apoio às mães, quais são os sintomas dos problemas mentais e quando é preciso procurar ajuda profissional.

Contudo, a psicóloga frisa que nem tudo é adoecimento, por isso, torna-se necessário explicar o que é e o que não é doença e quando as pessoas podem procurar um profissional especializado.

“Somos todos responsáveis pela saúde mental da mãe. Por isso, temos de envolver os pais para que comecem a entender qual o seu papel no cuidado, às suas responsabilidades. Essa campanha é direcionada às famílias, para que saibam qual o seu papel, prestando, por exemplo, atenção nos sinais de alerta. Essa campanha é para os jovens, adolescentes, mulheres maduras, empresários que podem ser mais sensíveis, mães, para toda a sociedade em si”, enfatiza.

“Daí o nosso slogan «Só é possível mudar o mundo, cuidando de quem cuida de todo o mundo. Se importa com a mãe, assuma essa causa». Cuidar da mãe, da mulher naquele ciclo gravídico-puerperal, é cuidar do futuro da nossa sociedade. A responsabilidade do cuidado de uma criança foi inculcada à mulher, porém pretendemos desmistificar isso, trabalhar, envolver toda a comunidade nesta questão”.

Neste sentido, Maria Pires Dias alerta que as alterações emocionais significativas influenciam, de forma considerável, a saúde do bebé.

“Por exemplo, uma das questões é que a mulher grávida pode ter um bebé de baixo peso, pode ter um bebé prematuro. Depois de dar à luz pode ter mais dificuldade de conexão, de estimular aquele bebé que pode ter problemas cognitivos, emocionais, comportamentais, dificuldade de aprendizagem ou questões comportamentais na adolescência ou quando se tornar adulta”, finaliza.

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No passado mês de Março a OMS advertiu que as primeiras seis semanas após o nascimento de uma criança são vitais para mães e bebês e lançou o primeiro guia de apoio a mulheres e recém-nascidos no período pós-natal.

O estudo feito por aquela organização dá conta que em todo o mundo, três em cada 10 gestantes e bebês ficam sem o cuidado pós-natal nos primeiros dias após o parto. São nesses dias que a maioria das mortes maternas e de recém-nascidos ocorre. As consequências físicas e emocionais podem ser avassaladoras, quando não geridas.

Ainda de acordo com a OMS, 50% das mulheres podem ter disforia puerperal. Essa disforia caracteriza-se pela tristeza, choro sem motivo, desânimo, insónia logo nas primeiras semanas após parto.

Mas, quando esses sintomas perduram por mais de uma semana, manifestando-se através de insónia persistente, falta de motivação para actividades, falta de conexão com o bebé, tristeza extrema, perda de apetite, ideias de morte, são sinais de que é preciso procurar um profissional de saúde.

Já os dados do World Maternal Mental Health Day (WMMHD) estimam que, sete em cada 10 mulheres ocultam ou minimizem seus sintomas, e a nível mundial, cerca de 10% das mulheres grávidas e 13% das mulheres que acabaram de se tornar mães sofrem de algum distúrbio mental, principalmente depressão, relata a OMS.

O WMMHD diz ainda que, uma em cada cinco mulheres experimentam algum tipo de transtorno perinatal de humor e ansiedade (PMAD).

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1065 de 27 de Abril de 2022. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,1 mai 2022 8:35

Editado porAndre Amaral  em  2 mai 2022 14:28

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