Comerciantes de cosméticos pedem reparos pelas perdas económicas

PorSheilla Ribeiro,21 mai 2022 12:08

Os comerciantes que se dedicam à venda de cosméticos estão “inconformados” pela forma como a ERIS divulgou a circular que manda retirar do mercado nacional todos os cosméticos que contenham butylphenyl methylpropional na sua composição. Conforme alegam, o prazo para a retirada desses produtos deveria ser maior por forma a que evitassem importar mais produtos. Por tudo isso, apontam a consequente perda económica.

A Entidade Reguladora Independente da Saúde (ERIS) mandou, na semana passada, retirar do mercado nacional todos os cosméticos que contenham butylphenyl methylpropional. Num primeiro momento, a circular citava três marcas específicas de produtos de cabelo, o que acabou por impactar a sua venda, segundo os entrevistados do Expresso das Ilhas.

É o caso de dona Maria, proprietária de uma loja de cosméticos na Fazenda, Praia, que prefere não identificar o bazar. Conforme relata, estava dentro de um táxi quando escutou, pela rádio que, a partir daquele dia, era proibido a venda de produtos de cabelo de três marcas específicas por conterem na sua composição substâncias cancerígenas. Marcas que, segundo afirma, mais vendem.

“Ao chegar em casa vi a mesma informação na televisão e dirigi-me à loja para retirar esses produtos. No dia seguinte, a ERIS veio clarificar que não são todos os produtos dessas marcas, mas alguns que contêm determinadas substâncias”, conta acrescentando que “a ERIS não podia ter lançado uma bomba dessas de repente porque, produtos que causam câncer, como é óbvio, não queremos vender”.

Prazo, comunicação e perdas

Esta comerciante reclama ainda do prazo de oito dias para a retirada dos referidos produtos e defende que aquela entidade independente deveria, ao menos, conceder um período de tempo maior para acabar com o estoque existente. “Desde a primeira comunicação da ERIS não vendi absolutamente nada, nenhum produto de cabelo, nem das marcas americanas e, muito menos, das marcas brasileiras. Isto acabou com o nosso negócio”, acusa.

Dona Maria garante que retirou da loja todos os cosméticos cuja composição contém butylphenyl methylpropional. Além disso, refere que os clientes passaram a ler o rótulo de todos os produtos, algo que não acontecia antes do comunicado.

Para além das pessoas que deixaram de comprar, dona Maria indica que houve clientes que regressaram à loja para devolver os produtos comprados na véspera do conhecimento da circular e que não aceitaram outro produto em troca, mas o dinheiro.

“Sem contar que tínhamos outras encomendas do Brasil que tivemos de cancelar por esta razão. Estamos perdidos porque temos uma grande quantidade de produtos com essas substâncias. Estou a falar da perda de muitos contos”, lastima.

De acordo com a lojista, a partir do momento em que as mulheres optaram pelo cabelo natural, os produtos de cabelo tornaram-se a maior fonte de renda da sua loja. Por esta razão, pede a responsabilização da ERIS pelas perdas geradas após a primeira comunicação.

“Já consultamos um advogado para saber se há uma solução para o nosso problema porque compramos os produtos no Brasil, pagamos a percentagem do envio, o barco para os trazer, à ENAPOR, à Alfândega e por quê perder tudo de repente? Por que não disseram antes que os produtos eram proibidos?”, questiona.

“Faço importações, pago as finanças, seguros, contabilista. Não posso perder tudo. Sem contar que tinha algumas encomendas de alguns supermercados para abastecer com esses produtos, tanto na Praia como em Assomada, que cancelaram tudo”, reitera.

Conforme diz, já contactou os fornecedores no Brasil que, entretanto, informaram que não aceitam os produtos de volta, pois essas substâncias não são proibidas lá, apenas em Portugal e, agora, em Cabo Verde.

“O que a ERIS deveria ter feito era avisar os comerciantes antes de ir à Comunicação Social fazer tal anúncio. Não acho mal proibir produtos com químicos que causam câncer, acho mal a forma como foi feita esta comunicação. Actuo nesta área há mais de 30 anos e nunca me aconteceu algo do tipo, primeiro a pandemia e agora isto”, enfatiza.

Outro comerciante, mesmo problema

Também sem querer ser identificado, o comerciante João (nome fictício), assegura que a sua loja, na Terra Branca, Praia, já não possui produtos de cabelo com as substâncias proibidas pela entidade reguladora.

“Neste momento estamos a vender os produtos que não têm essa composição. Agora, é bom constatar que mais de 80% dos produtos do mercado dos cosméticos tèm essa substância na sua composição. Até mesmo produtos de limpeza. Será que todos eles serão retirados do mercado?”, interroga.

Apesar dos constrangimentos, o comerciante refere que as perdas não serão tantas por possuírem um contrato directo com as marcas. Aliás, frisa que os produtos que contêm tais substâncias estão a caminho do Brasil para serem trocados por outros sem butylphenyl methylpropional.

“Essa decisão é uma guerra da União Europeia contra as marcas brasileiras que dominaram o seu mercado. Os produtos europeus não estão a vender tanto quanto as marcas que foram divulgadas e por isso proibiram a sua venda. Só a União Europeia proibiu, os EUA não proibiram, o Brasil não proibiu e o resto do mundo não proibiu. E Cabo Verde, sendo uma Maria vai com as outras, que copia tudo, também proibiu. Isto nada mais é do que uma guerra comercial”, condena.

João diz ainda que as pessoas questionam a composição de todas as marcas brasileiras e alguns passaram a optar por marcas americanas. Facto que lamenta porque além de não possuir um estoque grande, não são tão conhecidas e não vendem tanto.

Por quê esta proibição e a que produtos de aplica?

Em conferência de imprensa, a directora da Regulação Farmacêutica da ERIS (DRF), Ester Oliveira, explicou que a legislação nacional utiliza como referência nacional para a avaliação de segurança do produto cosmético regulamentos internacionais que são elaborados por comités especializados que fazem a avaliação do risco das substâncias que possam estar presentes em produtos cosméticos.

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“Para esse processo específico, a emissão da circular informativa que dá conta da proibição de algumas substâncias, ressaltamos que o processo foi desencadeado pela recente alteração do regulamento europeu, que acabou por fazer uma revisão da lista das substâncias permitidas em cosméticos e algumas das substâncias, que anteriormente eram consideradas seguras e permitidas, passaram a constar desta lista de substâncias cancerígenas, mutagénicas ou tóxicas de reprodução, tendo em base uma avaliação já feita, evidências técnico-científicas que foram surgindo ao longo das avaliações feitas”, justificou.

É o caso de butylphenyl, usada para dar um aroma agradável ou para mascarar o mau cheiro nos produtos cosméticos.

“Aqui, importa ressaltar que a circular informativa visa a proibição de substâncias em específico e não as marcas. Mesmo porque essa substância e outras que também passaram a constar do regulamento podem constar de vários produtos cosméticos e nem todos os produtos das marcas que foram referenciadas até agora, contêm essas substâncias”, ressaltou.

Ester Oliveira garantiu que a nível da instituição, já foram encetadas muitas diligências para garantir a retirada desses produtos do mercado.

O primeiro foi o contacto directo com os operadores identificados que tinham registado produtos contendo essas substâncias proibidas e a emissão de uma circular com informação dirigida ao público em geral.

No entanto, a DRF mencionou, sem entrar em detalhes, que se trata de substâncias que se encontram nos cosméticos numa concentração bastante reduzida e que, pelo facto de serem aplicadas na pele, onde a absorção não é muita, o risco diminui.

Quem vai arcar com as perdas económicas?

Na mesma ocasião, a DRF da ERIS disse que estão cientes de que toda essa situação poderá ter alguma repercussão financeira nos operadores.

“Entretanto, são questões comerciais que ultrapassam as competências da ERIS. Os operadores terão de verificar, junto dos seus fornecedores, dependendo dos contratos existentes, como proceder de forma a minimizar os custos de toda essa situação”, reportou.

De recordar que em Junho de 2021 a União Europeia decidiu proibir a utilização de cosméticos que contêm na sua composição, entre outras substâncias, a butylphenyl methylpropional. Em Novembro do mesmo ano, Portugal seguiu a decisão da EU e autorizou a comercialização dos referidos produtos até Março deste ano.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1068 de 18 de Maio de 2022.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,21 mai 2022 12:08

Editado porSheilla Ribeiro  em  22 mai 2022 9:26

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