Em conversa com o Expresso das Ilhas o edil paulense fala dos efeitos dos quatro anos de seca e da pandemia no município, elenca as medidas do governo e da autarquia para debelar a crise e regozija-se com o lançamento do concurso internacional para a requalificação da orla marítima da Cidade das Pombas até agora uma das grandes preocupações dos moradores da urbe.
Santo Antão enfrenta quatro anos de seca consecutivos, sendo a de 2022 a mais difícil de todos. Qual tem sido o efeito no município?
Realmente o ano de 2022 tem sido difícil se tivermos em consideração a alta taxa de desemprego que ainda perdura, sobretudo entre a camada jovem. Tivemos todo aquele tempo de pandemia em que a economia estava parada, com o desemprego aumentando. Isso preocupou-nos muito e continuamos preocupados com toda esta situação. Portanto, temos que resolver este problema, a Câmara Municipal (CM) com os seus parceiros, neste caso o governo. Claro que há boas perspectivas para o ano de 2022, não apenas através da CM com todos os seus projectos, mas também em parceria com o governo para mudar aquilo que nós entendemos que pode ser mudado, pois mesmo nesta situação de seca e de pandemia há coisas que nós podemos fazer.
Que medidas, naquilo que é da responsabilidade da Câmara Municipal, têm sido implementadas para atenuar os efeitos da pandemia e da seca junto das famílias mais afectadas?
Nós temos um grande projecto que é sobre o Fomento da Práticas Agrícolas Sustentáveis, onde nós elegemos um grupo de pequenos agricultores aos quais temos prestado assistência não só na formação, mas também com doação de equipamentos para rega gota-a-gota para os nossos agricultores não ficarem apenas na fabricação do grogue. Isso tem tido um grande impacto não só junto das famílias, mas também na economia de uma forma geral. Este projecto vem contribuir para a melhoria da condição de vida das famílias, para seu empoderamento e para a segurança alimentar, mas também tem uma componente da gestão da água. Para além disso, para dar confiança aos agricultores e produtores, estamos quase a concluir dois entrepostos agrícolas para também darmos uma contribuição naquilo que nós pensamos que deve ser a nossa cadeia de valores em termos agrícolas. Por outro lado, estamos no processo de aprovação do Selo de Garantia do Município do Paul. Isso tudo porque quando falamos em incentivar as pessoas para a agroindústria temos que dar o primeiro passo. Por isso eu acredito que esse projecto Fomento de Práticas Agrícolas Sustentáveis vai ao encontro daquilo que nós queremos e para além disso também os projectos lançados pelo governo nestes últimos dias, nomeadamente para a valorização das Aldeias Rurais, as obras de requalificação e reabilitação vão modificar tudo aquilo que nós pensamos para o município do Paul. Portanto, são projectos que nós acreditamos que vão melhorar todo o tecido económico e social no nosso município. Estou a dizer isso, porque nós já temos garantia de financiamento não só dos projectos de valorização das Aldeias Rurais, de requalificação dos caminhos bem como do projecto de Fomento de Práticas Agrícolas Sustentáveis. Evidentemente que temos também projectos a desenvolver no sector das pescas. Por isso acreditamos que estamos no bom caminho neste sentido.
O que espera do Plano de Retoma do Setor Privado Pós Covid-19 do governo, publicado em Janeiro deste ano?
É evidente que o Plano de Retoma só agora foi apresentado para dar conhecimentos às pessoas não só daquilo que são as oportunidades de financiamento. As pessoas estão optimistas e quando assim é, nós também ficamos satisfeitos, pois acreditamos que vai dar resultados positivos na dinamização da economia e para fixar as pessoas aqui no nosso município. É evidente que isso leva o seu tempo, mesmo nos dois projectos que referi anteriormente, nomeadamente a requalificação dos caminhos e a valorização das aldeias. São projectos com financiamento garantidos, não na totalidade, mas isso já é muito bom para aquilo que nós queremos, que é estarmos preparados para a retoma do turismo porque acreditamos que os municípios de Santo Antão terão uma resposta a dar nesta vertente do turismo através de coisas concretas que já temos garantia que vão acontecer.
Foi anunciado recentemente o arranque do ensino superior em Santo Antão no mês de Setembro, voltado para as Ciências Agrárias. O que significa este alargamento para o município do Paul?
Para nós é uma notícia que acolhemos com grande satisfação, porque acreditamos que muitas pessoas desta ilha que ainda não tiveram oportunidade de estudar, vão poder realizar os seus sonhos, pois nós sabemos o que é que custa a um estudante fora do seu habitat natural viajar para São Vicente, Praia ou para o exterior. É sempre muito mais custoso do que estudar aqui. Portanto, é sempre uma grande notícia e nós estamos satisfeitos, mas é evidente que não queremos que a universidade seja apenas na vertente agrícola, porque não faz muito sentido.
Segundo o governo, corresponde à vocação da ilha.
Pois, é a vocação da ilha, mas queremos muito mais do que sermos apenas uma ilha agrícola. Somos muito mais do que apenas uma ilha agrícola e acho que o tempo vai-nos dar razão. Mas estamos satisfeitos com esta notícia, os estudantes estão optimistas e agora é fazer a nossa parte para podermos dizer que valei a pena ter o ensino superior aqui em Santo Antão.
O alargamento do ensino superior a Santo Antão irá estancar a saída de jovens para outras ilhas?
Bom, nós não somos contra a saída de pessoas, mas queremos também propor alternativas, ou seja, criar mecanismos para reter aqui os jovens no nosso município, ou na ilha, mas os que quiserem sair por outros motivos, tudo bem. Agora, nós temos que nos esforçar cada vez mais para criar condições para que os jovens tenham opções de escolha. Ou seja, quando terminarem uma formação, terem emprego aqui, ou noutro ponto do país. Agora, da forma como estamos aqui ainda não existem alternativas para os jovens. Portanto, a situação é preocupante, mas acreditamos que com o ensino superior aqui, certamente que teremos maiores oportunidades para jovens formados conseguirem emprego aqui e não terão necessidade de sair. É que muitas vezes os jovens saem para estudar no Mindelo ou na Praia e depois surge uma oportunidade de emprego nestas cidades e depois não haverá essa vontade de regressar e assim ficamos cada mais pobres em termos de talentos. Esta fuga de talentos é preocupante para Santo Antão e seus municípios, pois estamos sempre a começar do zero justamente por causa do problema da oportunidade de formação e de emprego.
Segundo os agricultores, a falta de mão-de-obra está a afectar esta actividade sobretudo no tempo de azáguas. Quais as razões desta situação?
A agricultura nos últimos anos tem sido muito pouco cativante para os jovens. É que ainda praticamos uma agricultura do tempo dos nossos avós, ou mesmo bisavós. Aquilo que nós pretendemos é ter uma agricultura cada vez mais industrializada, porque só desta forma é que a economia ganha. É que praticando uma agricultura rudimentar, nós não vamos a lado nenhum. Por isso acreditamos que com o ensino superior poderemos mudar a forma de praticar a agricultura, mesmo também a questão da economia de escala, porque não havendo escala é também difícil. Como disse atrás, o projecto de Fomento de Práticas Agrícolas Sustentáveis vai ao encontro daquilo que nós queremos para a agricultura, apostando na transformação, conversação e embalagem dos produtos, criando assim toda uma logística para que as pessoas possam constatar no terreno que a agricultura está a dar resultados. Porque, caso contrário, vamos continuar com a monocultura da cana-de-açúcar, que, como se costuma dizer, é a lei do menor esforço. Ou seja, se não conseguirmos vender a nossa aguardente ela fica lá conservada no armazém até o dia em que conseguirmos vendê-la. Não é isso o que nós queremos, queremos que o agricultor tenha dinheiro disponível todos os dias. E isso só acontece se formos capazes de industrializar a nossa agricultura para podermos também darmos uma resposta no âmbito da demanda turística. Estamos optimistas quanto ao turismo, mas para isso temos que ter também produtos para colocarmos nos restaurantes, nos hotéis para não ficarmos sempre a importar tudo, quando aqui no nosso município temos potencialidades para enveredarmos para uma agricultura que dê realmente resposta ao mercado, que contribua para a segurança alimentar e que crie rendimento para as famílias.
A aposta na agroindústria seria uma forma inovadora de contornar o embargo, como afirmou a este semanário numa entrevista anterior?
É o que eu tinha dito então: não podemos ficar parados por causa do embargo. Temos que contornar o embargo. E contornar o embargo é apostar cada vez mais forte na agroindústria. E hoje com as oportunidades de financiamento proporcionadas pelo governo estaremos em melhores condições. Ou seja, apostar na agroindústria, aumento da escala, a valorização dos produtos, a conservação, a transformação e os entrepostos agrícolas, o de Janela e o do interior do vale vêm neste momento dar resposta àquilo que queremos que é contornar a praga dos mil pés e mostrar aos agricultores que mesmo com a situação de embargo, nós podemos fazer muito. Mas se ficarmos a escudar-nos com a praga dos mil pés, nós não vamos a lado nenhum.
Em relação à questão da mobilização da água a sua mensagem é para mudar, é para poupar a água. Explique.
De facto, a minha mensagem é para continuarmos a fazer uma melhor gestão da água. Porque é difícil acreditar que um município como Paul tenha problemas com escassez de água principalmente para rega. Em outros municípios que nada produzem em termos de água, estão a tirar melhor proveito, estão a conseguir produzir mais produtos agrícolas que o município do Paul, porque os agricultores insistem na rega por alagamento. Depois de quatro anos de seca não há água para todos desta forma e mais para frente, cada vez com menos chuvas, continuaremos a ter este problema. Portanto, o projecto Práticas Agrícolas Sustentáveis tem também a vertente de sensibilização das pessoas para a poupança de água através do sistema de rega gota-a-gota. Isto é preciso mesmo, porque se não qualquer dia não vamos ter água. Já estamos atrasados, mas ainda vamos a tempo de reverter a situação se tomarmos consciência que é preciso mudar.
A requalificação da orla marítima, por causa da segurança dos moradores da cidade é uma das grandes preocupações dos munícipes. Quando arranca o projecto?
A requalificação da orla marítima é, de facto, uma preocupação. Há bem pucos dias tivemos a notícia de que o governo lançou um concurso técnico internacional para o projecto de requalificação, porque não temos aqui no país técnicos para elaboração do projecto. Portanto, estamos todos satisfeitos com o lançamento do concurso, pois a situação continua preocupante e cada vez mais as casas mesmo na orla marítima estão em perigo de derrocada. Fez-se um trabalho de mitigação, mas isto não é suficiente para resolver o problema. Temos também uma grande preocupação que é o campo de futebol. Neste momento somos o único município que não tem um campo de futebol e isto já começa a ficar preocupante. Temos dialogado com o sr. primeiro-ministro que nos garantiu que vamos juntos dar essa resposta não através da construção de um estádio de raiz, mas através de uma construção faseada que com o tempo irá evoluir para um estádio. Mas neste momento do que nós precisamos são as condições mínimas para a prática do futebol aqui no nosso município, pois neste momento somos obrigados a levar os nossos atletas para Ribeira Grande para treinar e para jugar e é preciso dar essa resposta aqui no nosso município para podermos ter mais oportunidades e mais infraestruturas para ocupação do tempo livre dos jovens.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1071 de 8 de Junho de 2022.