“O turismo pode perfeitamente ser o segundo motor do município”

PorAntónio Monteiro,13 ago 2022 7:50

Decorrem desde o início do mês de Julho no concelho de São Lourenço dos Órgãos várias actividades para assinalar as festividades de Nhu San Lorensu e do 17º aniversário da criação do município que culminou esta terça-feira com a tradicional sessão solene comemorativa na sala de conferências do Liceu Luciano Garcia. As duas efemérides deram o mote à entrevista ao edil laurentino que fala do impacto da seca prolongada neste município no interior de Santiago que vive quase exclusivamente da agricultura e pecuária e que se agravou com a pandemia da Covid-19 e a guerra na Ucrânia. Apesar de todos estes desafios, Carlos Vasconcelos perspectiva um futuro mais próspero para o município baseado na agricultura e pecuária com o turismo como segundo motor de desenvolvimento.

Em 2018, em entrevista a este semanário, disse que os recursos financeiros, incluindo o Fundo de Apoio Municipal, não conseguiam cobrir as despesas da folha salarial da autarquia. Como está a situação neste momento?

Logo no início, quando entramos na Câmara Municipal, em 2016, encontramos uma situação difícil, uma folha salarial pesada e um custo de funcionamento bastante pesado do município. Tentamos resolver esses problemas, saldando algumas dívidas com terceiros. Assim, estivemos bem até antes da pandemia, até meados do ano de 2020. Com a pandemia houve redução dos investimentos aqui no município por parte da Câmara Municipal, mas também dos apoios que recebíamos do governo. As coisas começaram novamente a ficar difícil. Ou seja, neste momento temos problemas de financiamento sobretudo a nível de funcionamento, mas também a nível de investimentos. Neste aspecto o governo continua a ser o nosso principal parceiro de desenvolvimento local. Como se sabe, o governo neste momento não está a viver os melhores dias e isto teve também consequências no financiamento municipal. Não obstante, temos estado a responder às necessidades básicas da população: conseguimos pagar salários, mas em termos de investimentos houve um abrandamento. Isto não é só neste município, mas a nível mundial por causa das crises e com as consequências da guerra na Ucrânia as coisas ficaram ainda mais complicadas. Mas temos boas perspectivas futuras. Neste momento estamos a assinar alguns contratos-programa com o governo que tem em curso no município grandes obras. Estou a falar sobretudo da asfaltagem da estrada Ponte Ferro/Fundura/Boca Larga que vai desencravar uma localidade que tem enfrentado muitos problemas ao longo dos anos por causa do seu isolamento. Estamos também a preparar para retomarmos a construção do nosso campo relvado; brevemente vamos também retomar as obras de construção do Auditório Municipal que estão paradas desde 2020. Ou seja, vamos retomar todas as obras que tínhamos iniciado, mas que estiveram paradas durante todo esse tempo.

Qual tem sido o impacto da seca prolongada num município que vive quase exclusivamente da agricultura e pecuária à qual se vem juntar a pandemia e a guerra na Ucrânia?

A seca impactou negativamente a economia das famílias laurentinas, pois mais de 80% das actividades económicas das famílias baseiam-se na agricultura e na pecuária. Como sabemos, durante estes últimos cinco anos praticamente não choveu aqui em São Lourenço dos Órgãos. Portanto, há escassez de água tanto para a agricultura como de água potável para as famílias. Por causa da seca, muitas famílias perderam rendimento e muitos agricultores, sobretudo aqueles que empregavam várias pessoas, já não estão a recrutar mais mão-de-obra aqui no município. Claro que isto teve impacto negativo no desenvolvimento do município. Com a seca prolongada passamos dias difíceis e só temos conseguido mitigar a situação graças a um forte engajamento do governo de Cabo Verde. Durante todos estes anos de seca o governo assinou sempre contratos-programa com todos os municípios, sobretudo com o município de São Lourenço dos Órgãos, justamente para mitigar esses efeitos. Graças também aos contratos-programa ligados ao Fundo do Ambiente e ao Fundo do Turismo conseguimos mitigar alguns desses efeitos. Neste momento os problemas ainda persistem, mas temos um bom parceiro que é o governo que tem sabido acudir as populações com políticas sociais relevantes. Estou a falar do Rendimento Social de Inclusão (RSI) que tem ajudado muitas famílias durante estes últimos três anos; estou a falar também de programas de requalificação ambiental que têm empregado muitas famílias; estou a falar do programa de reabilitação de casas de família e do programa de apoio ao transporte escolar dos alunos. Portanto, todas essas políticas contribuíram para mitigar os efeitos desses longos anos de seca que temos enfrentado.

A Câmara Municipal arrecada, incluindo as transferências do Fundo de Apoio Municipal, cerca de 120 mil contos anuais. Como é que o orçamento aprovado este ano salta para 244 mil contos?

Devido a outros contratos-programa que temos com o governo. Por exemplo, através do Fundo do Ambiente assinamos um contrato-programa no valor de 58 mil contos. Com o Fundo do Turismo estamos a falar de um contrato-programa de mais de 70 mil contos. No programa para operacionalização do turismo rural temos cerca de 40 mil contos. Portanto, estamos a falar de mais de 100 mil contos só em investimentos directos do governo e a Câmara Municipal. Ou seja, são com esses projectos e programas que conseguimos atingir os 244 mil contos.


Além de cobrirem a folha salarial e outras despesas na ordem dos 46% do orçamento, para onde vão os 244 mil contos?

51% desses 244 mil contos vão para investimentos. Vamos investir na requalificação urbana, sobretudo em São Jorge, na zona de Ribeirão Galinha; vamos investir na reabilitação de casas de famílias de baixa renda; vamos investir no desencravamento das localidades e também no saneamento básico; vamos aumentar os locais de recolha de lixo; vamos construir casas de banho e para apoio à formação, sobretudo com transportes escolares aos alunos quer da escola secundária Luciano Garcia, quer de alunos que frequentam o ensino superior aqui na Praia.

Quanto arrecada esta câmara e quanto gasta?

Nós somos um município rural e temos uma fraca base tributária. Portanto, a nossa taxa de arrecadação é muito baixa e em termos de despesas é muito alta. Mas isto é igual em quase todos os municípios, ou seja, poucos municípios em Cabo Verde são viáveis, justamente por causa desta balança comercial desequilibrada. Portanto, temos este problema e nos municípios rurais como São Lourenço dos Órgãos é ainda mais acentuada esta diferença. A arrecadação, se posso assim dizer, é praticamente negativa.


Em 2018 a taxa de execução do orçamento rondava os 33%. Como está agora a taxa de execução?

Em 2021, apesar da crise chegamos aos 68%, mas em 2019 estivemos entre 89 e 90% de execução orçamental. Prespectivamos ter também este ano uma boa execução orçamental na medida em que estamos a cumprir passo a passo o que está estipulado no nosso plano de actividades.

Em 2018 a CM tinha cerca de 400 alunos a estudarem em Portugal. Já regressaram?

Os alunos que procuram o apoio da Câmara Municipal para estudarem em Portugal, raro são os que regressam. É uma constatação que eu já fiz: estudam em Portugal e depois começam a trabalhar nesse país. Talvez por o mercado ser ali mais convidativo, dificilmente regressam para Cabo Verde. Mas vamos continuar a apostar na formação dos nossos jovens. Sabemos que o mundo hoje é global e há coisas que nós não podemos controlar. Mas devo dizer que esses jovens nunca esqueceram o seu município. Ajudam os familiares, estão sempre presentes nas redes sociais contribuindo com temas que interessam ao desenvolvimento do município. Ou seja, continuam participativos no processo de desenvolvimento do nosso município.

Quantos alunos tem a Câmara Municipal a estudar em Portugal neste momento?

Durante os 6 anos da minha presidência aqui na Câmara Municipal temos enviado todos os anos em média entre 50 e 60 alunos para formação nas diversas instituições politécnicas de Portugal. Neste momento a taxa ronda entre 300 e 400 alunos do município que estão a frequentar essas instituições portuguesas.

Qual a perspectiva para este ano do Festival do Milho?

Desde o ano passado que reconfiguramos esta festa e passou a chamar-se Festival do Milho e dos Assados. Mudamos a estratégia também. Ao invés de festejarmos o milho verde, vamos festejar a festa com derivados do milho, ou seja, com todos os pratos confeccionados a partir do milho. Para este ano estamos a preparar um projecto em que vamos fazer uma espécie de concurso, onde vários restaurantes vão apresentar os seus pratos e um júri irá premiar os melhores pratos para dar mais emoção a esta festa. Também vamos introduzir no festival uma forte componente cultural: batuku, tabanka e também um festival de música. Portanto, vamos reconfigurar esta festa e este ano estou convencido de que vai ser uma das maiores festas gastronómicas no interior da ilha de Santiago.


E será outra vez no Mercado Municipal?

Continuará a ser no mercado municipal, porque temos mais pessoas aqui neste corredor Praia/Assomada e temos nesta zona mais postos de venda. Aliás, quando o festival era realizado na barragem de Poilão tínhamos dificuldades com o estacionamento das viaturas, tínhamos dificuldades com casas de banho, tínhamos dificuldades em encontrar espaços para expor os produtos. Portanto, aqui na zona do mercado tudo é mais fácil.


Qual é a visão que tem para que o município se torne mais viável?

Neste momento temos duas opções. A primeira opção é desenvolver a componente turística aqui no município. Temos um município com grandes potencialidades turísticas, com grandes paisagens e temos um município com pessoas amáveis, com pessoas que acolhem bem os visitantes. Portanto, temos de desenvolver o turismo e é nesta óptica que estamos a trabalhar na requalificação urbana, no desencravamento das localidades, na regeneração paisagística e ambiental. O turismo pode perfeitamente ser o segundo motor do município. Como sabemos, atravessamos um período de seca prolongado e a agricultura que é o primeiro motor de desenvolvimento do município de São Lourenço dos Órgãos, neste momento não está a ter resultados em termos de desenvolvimento económico das famílias. Um outro ponto importante que poderemos explorar é a cultura. A nossa cultura é rica, aqui no interior de Santiago poderemos trabalhar e organizar grupos para que possam ter rendimentos a partir das suas actividades. Temos também que reconfigurar o nosso quadro pessoal daqui do município. Estou a falar de pessoas que já estão na idade de reforma e temos que agilizar estes processos para que possamos ter uma almofada de ar fresco para podermos investir no desenvolvimento do município. Um outro sector que é muito importante e que poderemos trabalhar juntamente com o governo é utilizar os terrenos e sobretudo as habitações que são património do Estado aqui no município e que podem ser postos à disposição dos nossos investidores para podermos alavancar a nossa economia.

Já começa a se preocupar com a falta de chuvas este ano?

Sinceramente, sim. Neste momento, o sinal que temos é parecido com o dos anos anteriores. Há boas previsões, mas a chuva teimosamente não cai. Já estamos no mês de Agosto, e neste momento as pessoas já deveriam estar em mondas, mas aqui no município, pelo menos nas zonas baixas, é só agora que as pessoas estão a começar a lançar sementes à terra. Na verdade, estou um pouco preocupado com esta situação, porque temos o problema da seca prolongada, problemas da falta de água e de pasto para os animais. Portanto, é preocupante a situação que estamos a viver e rogo a Deus para que este ano chuva suficientemente aqui no município, em toda a ilha e em todo o país.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1080 de 10 de Agosto de 2022. 

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Autoria:António Monteiro,13 ago 2022 7:50

Editado porAntónio Monteiro  em  15 ago 2022 17:17

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