Depois de anos de crise profunda, com cursos a perderem acreditação, salários em atraso, protestos de alunos e mudanças constantes no corpo docente, a Universidade Lusófona de Cabo Verde (ULCV) procura agora reerguer-se. A nova gestão fala em “refundação”.
Parte integrante do Grupo Lusófona, propriedade da COFAC (Cooperativa de Formação e Animação Cultural), em Portugal, a ULCV esteve à beira do encerramento. Contudo, numa tentativa de manter vivo um projecto nascido em 2006, a entidade instituidora decidiu nomear uma nova gestão, formada por quadros locais e residentes, algo que nem sempre aconteceu no passado. Em 2021, Carlos Alberto Delgado foi escolhido como reitor, tendo a seu lado o vice-reitor José Manuel Tavares e a administradora Filomena Martins.
“Quando chegámos, tínhamos uma universidade que estava em profunda decadência, em rota de colisão com grande parte das instituições, nomeadamente com a Agência Reguladora do Ensino Superior (ARES), com um conjunto de empresas de serviços, com os professores, alunos bastante desmotivados, até mesmo os colaboradores numa situação bastante indesejável”, comenta a gestora.
“Estamos num processo de refundação, eu sei que o termo é forte. Não é uma mera reorganização ou reestruturação. Fomos aos alicerces da universidade, estamos a faze-la renascer, precisamente porque era preciso este processo”, acrescenta.
Em Abril de 2021, a ARES retirou a acreditação ao curso de Ciências da Comunicação da Lusófona. Na altura, a reguladorajustificou a medida com a não observância de critérios científicos e pedagógicos. Meses antes, em Outubro de 2020, também o Mestrado Integrado em Arquitectura e Urbanismo havia perdido a sua acreditação, por razões semelhantes. Normalizar as relações com a Agência Reguladora, respondendo às preocupações expressas pela instituição pública foi por isso uma das prioridades.
“Começámos por resgatar a relação com a ARES, cumprir um conjunto de críticas e aspectos incontornáveis que a ARES tinha sobre a mesa e que a universidade não vinha cumprindo há cerda de dois anos. Por exemplo, o processo de acreditação dos cursos, a estrutura curricular, as unidades de créditos. Havia um conjunto de parâmetros que a universidade não estava a seguir e não respondia. Tivemos que encerrar os processos malconduzidos, abrir novos processos e a ARES foi extremamente colaborativa”, refere Filomena Martins.
Com o apoio da COFAC, foi possível regularizar 72 mil contos de dívida aos docentes, que se acumulava desde 2013. Essa mesma injecção de capital, totalizando 128 mil contos, permitiu regularizar pendentes com fornecedores e com o Estado e reabilitar o edifício sede, em Chã de Cricket, no Mindelo.
“As estruturas da universidade estavam muito decadentes. Estamos em obras absolutas, já na segunda fase. Recuperámos salas, auditório, estúdio, sala de multimédia, informática. Estamos a recuperar os pátios internos, comprámos mobiliário novo para toda a universidade, fizemos um grande investimento em termos de equipamento informático e multimédia”, destaca a administradora.
A Lusófona apresentou 14 pedidos de acreditação de cursos para os dois polos, estando autorizadas e com candidaturas abertas as licenciaturas em Gestão de Empresas, Gestão de Segurança, Gestão de Saúde e Direito, além do Mestrado em Gestão de Recursos Humanos e Intervenção Organizacional.
Para além do ensino, a ULCV quer desenvolver as dimensões de investigação e extensão universitária, valorizando a criação de um quadro docente próprio, com oportunidades de formação para professores e aproveitando a mobilidade dentro do espaço da língua portuguesa – também aberta a estudantes – através da rede de universidades do Grupo Lusófona e instituições parceiras.
A sistematização do e-learning e b-learning está no horizonte na gestão, como forma de rentabilizar o investimento feito em equipamentos multimédia e de fazer chegar o seu ensino a ilhas onde a Lusófona não tem presença física.
“Queremos fazer chegar as ofertas formativas ao Sal, Fogo, Santo Antão, onde há grandes reivindicações. Todo o equipamento adquirido este ano será posto a experimentação e, portanto, vamos começar a fazer uma aposta. Se nos resumirmos a tudo que seja contacto físico directo, não conseguiremos ganhar velocidade de cruzeiro”, antecipa Filomena Martins.
Ao mesmo tempo que chama estudantes com propinas em atraso, para o desenho de planos de pagamento personalizados, a universidade tenta uma nova abordagem à acção social, com oferta de bolsas de estudo próprias, em quatro categorias distintas. Bolsas de Mérito, para alunos do primeiro ano com média de ingresso igual ou superior a 16; Bolsas Finalista, para prosseguimento de estudos; Bolsas Nutrição, para estudantes com baixo rendimento per capita, que permitirão fazer refeições na cantina do estabelecimento de ensino; Bolsas de Colaboração, para estudantes que colaborem em projectos e acções da ULCV, com redução do valor da propina.
Com um projecto a cinco anos, a gestão da Lusófona espera alcançar a médio prazo “uma universidade de alta performance, com um corpo docente reconhecido e alunos que marquem a diferença”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1084 de 7 de Setembro de 2022.