Tribunais com recorde de processos entrados e menos pendências

PorSara Almeida,9 out 2022 8:56

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No ano judicial 2021/2022 entraram nos tribunais 13.537 processos, o maior número, pelo menos, dos últimos oito anos. Porém, o número de processos transitados (23.725) baixou em relação à média, graças à tendência de diminuição de processos “não resolvidos”. Foram encerrados 57,2% desses processos, sendo, pois, que 10.160 transitam para o ano judicial que em breve se inicia. Estes são alguns dados do Relatório sobre a situação da Justiça no ano judicial 2021/2022, do Conselho Superior de Magistratura Judicial. O relatório dedica ainda uma especial atenção ao estado actual da implementação do sistema de informação da Justiça e, acima de tudo, à redução das pendências e da morosidade processual, que é assumida como principal prioridade.

Entre 1 de Outubro de 2021 e 30 de Setembro de 2022 foram tramitados 23.725 processos nos tribunais das comarcas de Cabo Verde. Desses, a maioria (13.537) são processos que entraram durante esse ano judicial.

Ora, sendo a média de processos entrados entre os anos de 2015 e 2021, relativamente constante, situando-se nos 12.203 processos, “o ponto mais alto passa a ser o ano judicial 2021/2022”, observa o relatório.

Do total de entradas, 7654 (57%) são processos de natureza criminal e 5883 (43%) de natureza cível. Contudo, do total de processos tramitados, 12.621 são cíveis e 11.104 são processos-crime, comprovando-se que a maior parte das pendências ocorre no cível.

Cível e criminal

Em termos de processos cíveis tramitados este ano, 6.738 tinham transitado do ano anterior, mantendo-se, assim, a tendência de número superior dos pendentes em relação aos entrados, embora observando-se uma aproximação ao longo dos últimos anos entre os mesmos.

No ano 2021/2022 apenas 48,8% dos processos cíveis foram resolvidos. No total encerraram-se 6.155 processos, menos 343 do que no ano 2020/21, mas mais do que o número de processos entrados.

Quanto aos processos-crime, contrariamente ao verificado com os cíveis, são, na sua maior parte, entrados no ano judicial em análise: apenas 3.450 processos, de um total 11.104 são provenientes de anos judiciais anteriores.

Há também a registar que, se por um lado o número de transitados é o menos dos últimos anos, por outro o de entrados é maior: 7654. Apenas no 1º Juízo Crime da Praia o número de pendências foi superior ao entrados (587 contra 282 novos).

Entretanto, no ano judicial em apreço, “globalmente e contrariamente ao verificado com os cíveis, os processos crimes foram, na sua maioria, resolvidos (70,5%)”.

Pendências

CMSJ assume a redução das pendências e da morosidade processual como objectivo prioritário, frisa o relatório. Na verdade, os dados mostram que, embora ainda longe da celeridade desejada, se confirma a tendência para a redução das pendências: 2021/2022 foi o ano em que menos processos transitaram para o seguinte.

Foram resolvidos 57,2% dos casos, ou seja, de 13.565 processos entre os 23.725 tramitados. Contudo, de referir, que apesar 2021/2022 ter sido o ano com mais casos entrados e menor pendência, não foi o ano com mais volume de processos. No anterior, 2020/2021, houve um recorde de processos tramitados (24.931) e também da taxa de resolução, 59,1% (a melhor de sempre). Ou seja, houve um ligeiro decréscimo na referida taxa de resolução.

Comparativamente, em 2021/2022 foram resolvidos menos 1.178 processos do que no ano transacto, mas fazendo as contas, para o ano judicial 2022/23 transitam 10.160 processos, nos tribunais de primeira instância, menos 28 do que no período homólogo.

Vendo por tribunal, pelo menos, desde 2015 (não temos dados anteriores) que, por exemplo, a Praia (4.555) ou Santa Cruz (382) não tinham tão poucas pendências. E, outro exemplo, Boa Vista baixou de 284 pendentes em 2019/20, para 188 em 2020/21 e agora para 41.

Em contramão, há alguns casos de aumento, nomeadamente Santa Catarina (631) que nunca teve tantos casos não resolvidos em um ano. Outro caso de aumento exponencial de pendências é o do recente Tribunal de execução de penas do Barlavento que, de 28 pendências em 2020/21, quase duplicou para 50.

Seja como for, de acordo com os relatórios disponibilizados no site do CSMJ, e olhando todo o país, nunca o número de processos pendentes foi tão baixo. Esse número, que em 2014/2015, por exemplo, era de 12.460 contra os 10.160 processos actuais.

“Constata-se, que, nos últimos anos, o número de processos decididos tem vindo a acompanhar o número de processos entrados, o que, se por um lado, não tem logrado uma redução da pendência na dimensão pretendida, por outro lado tem funcionado como impediente para que a pendência não aumente”, salienta o relatório de 2021/2022, que tem também tabelas comparativas dos últimos 5 anos.

Metas dos tribunais

O quadro de juízes contempla neste momento 69 magistrados (7 Juízes Conselheiros, 11 Juízes Desembargadores, 51 Juízes de Direito), dos quais seis estão em comissão de serviço e quatro em situação de licença sem vencimento.

Em termos de Contingentação, em 2004 foi decidido que cada juiz deveria julgar no mínimo 300 processos por ano e é de referir que, no total, em 2021/22 foram julgados no país 13.565 processos, o que representa “uma média anual de 308 processos julgados por cada juiz”.

Entretanto, para o ano judicial 2021/2022 o CMSJ tinha estabelecido como meta que “cada Tribunal de 1ª Instância ou Juízo deverá decidir um número de processos que, no mínimo, supere o número de processos entrados”.

O 4º juízo Crime da Praia, instância que registou maior número de processos em tramitação (1.193 processos), destaca-se nesta “relação entre os processos entrados e os processos decididos” onde conseguiu “atingir a cifra dos 130 pontos percentuais”. Teve ainda uma taxa de 94,1% no que toca à relação entre processos por resolver e resolvidos. Convém, no entanto, salvaguardar, que é um juízo que tem por competência exclusiva o julgamento dos processos especiais: processos sumários, etc. (Por exemplo, processos de roubo de energia que, de acordo com o relatório, são frequentes nesta instância).

Entretanto, olhando para todos os processos tramitados, Mosteiros, Maio, Paul, Brava, Porto Novo e Juízo Crime da Boa Vista conseguiram resolver mais de 90% dos seus processos-crimes (Boa Vista foi a unidade com maior taxa, 94,8%) e, “quase todos os Tribunais/Juízos conseguiram concluir mais de 50,0% dos seus processos”.

Aquém dessa meta ficam o 3º Juízo Crime da Praia, o 2º Juízo Crime da Praia e o 1º Juízo Crime da Praia. “O 3º juízo cível do tribunal da Comarca da Praia, foi o que teve a menor taxa de resolução, com 28,5% dos seus processos resolvidos”, lê-se.

Supremo e Relação

O CSMJ decidiu também como meta que “no Supremo Tribunal de Justiça, à excepção do Presidente, cada juiz Conselheiro deverá relatar, no mínimo, 60 processos” (…) “Nos Tribunais de Relação cada juiz Desembargador, deverá relatar, no mínimo, 90 processos”.

“Nos últimos anos, a partir do ano em que os Tribunais de Relação iniciaram a sua actividade (2016/17), o número de processos em tramitação nestas instâncias vem aumentando, a cada ano, e os resolvidos também seguem a mesma tendência”, lê-se.

O tribunal da relação de Sotavento, que conta com 5 juízes, de acordo com o quadro de juízes apresentado no relatório, tramitou 1.024 processos (dos quais 568 entrados), o seu maior número de sempre. Resolveu 504, também o seu recorde, mas que representam uma taxa de resolução de 41,9%.

Quanto ao tribunal da Relação de Sotavento, com 3 juízes, recebeu 368 novos processos, e tramitou um total de 696 processos, entre os quais resolveu apenas 249. A taxa de resolução é inferior a 35,8%.

Por fim, o Supremo Tribunal de Justiça, composto por 5 juízes (a sua composição contempla 7), “dispunha, no ano judicial de 2021/22, de 1.155 processos em tramitação (59 a menos em relação ao ano anterior). Destes, 964 são provenientes de anos anteriores”. Foram resolvidos apenas 23,2% dos processos, o que “significa que a maior parte dos processos ficaram pendentes e serão transitados para o ano seguinte.” Em números, terão sido finalizados 269 processos.

Metas futuras

No âmbito da sua estratégia e visão para a redução das pendências, o CSMJ aponta algumas causas da mesma (como as pesadas regras processuais e tradições legais ou o deficiente funcionamento dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos) e faz a análise dos últimos anos, constando sucesso na redução, ainda que aquém do almejado.

Para reduzir as pendências judiciais e a morosidade processual, bem como melhorar a gestão e organização dos tribunais, o CSMJ delineou sub-planos, com objectivos específicos, entre os quais estabelece, por ano, um “número de processos pendentes abaixo da linha dos 9.800”. Pretende-se ainda ver “o número de processos pendentes há mais de 3 anos reduzido a 20% do total de processos pendentes no final do período”.

Em termos evolutivos, o intuito era ter no ano 2021/2022 apenas 9.169 processo pendentes, no ano seguinte 7.794, depois 6.235, até atingir uma pendência na ordem dos 4.088 processo em 2025/2026. A tabela tem como base de estimativa os 11.900 processos entrados em 2020/2021.

“A concretização destas metas tem como horizonte temporal de execução os cinco anos da legislatura em curso, ainda que o seu âmbito não se esgote, nem no tempo, nem nas medidas previstas inicialmente.”, lê-se.

O plano para a Redução das pendências, iniciado em 2021-2022, e apresentado neste relatório passa também pelo reforço dos Recursos Humanos e materiais, e também, entre outros, por uma maior conectividade entre serviços, nomeadamente o “acesso à base de dados dos registos criminais, prediais, comerciais e automóveis”.

Fracasso do SIJ

CSMJ alerta para uso cada vez menor do SIJ

O Sistema Integrado da Justiça (SIJ) continua com vários problemas e operacionalidade reduzida. Destaca-se a contínua perda de quadros que já vinha ocorrendo, pois, como observado, entre cinco técnicos iniciais, a equipa de desenvolvimento ficou apenas com um engenheiro.

Há, refere o relatório, uma “incapacidade da equipa de desenvolvimento e aperfeiçoamento no sentido de reparar, actualizar e completar o sistema”, mas também falta de sintonia entre essa equipa e a coordenação. Isso resulta, por um lado, de uma fraca capacidade de liderança, mas também, de uma postura “um tanto ou quanto, adversa em relação à figura do Coordenador e até uma postura de posse em relação ao sistema”, lê-se.

A falta de diálogo e sintonia limitou pois, o, avanço do SIJ. Mas há outros problemas, nomeadamente o fraco domínio do sistema por parte dos potenciais utilizadores, fracas redes de internet e material informático obsoleto, entre outros.

Assim, o CSMJ propõe que haja técnicos de help desk que possam além de esclarecer e resolver eventuais falhas de sistemas envolvidos, “dar algum conforto de suporte aos utilizadores em momentos mais críticos e daí maior confiança no uso do sistema”.

“Sem esse suporte, mesmo que no futuro o SIJ venha a ser um sistema bastante avançado, os receios dos utilizadores serão uma constante, o que não os incentivará quanto ao seu uso”, avisa ainda.

Ao mesmo tempo, alerta, sem uma equipa de apoio e acompanhamento composta por juristas conhecedores da tramitação processual penal – que já está prevista mas que não se conseguiu implementar, por incapacidade de coesão de equipas sob um Coordenador – não será possível uma boa solução técnica informática, considera o CSMJ.

Entretanto, outros factores têm limitado o SIJ, entre os quais, o ataque de ransomware que a Rede Tecnológica Privativa do Estado (RTPE) sofreu em 2020 e teve impactos que ainda hoje se fazem sentir, desde logo pelo tempo e esforço das equipas para repor os níveis pré-ataque.

Menos uso

A verdade, lê-se ainda, “devido a razões diversas, a cada ano que passa vai havendo menos uso do sistema em todas as comarcas onde se logrou a implementação do SIJ”.

Relembra-se que as comarcas escolhidas como sendo piloto foram as de Santo Antão e São Domingos, porém “neste ano judicial procurou-se alargar o uso do sistema para outras ilhas”. Maio e Mosteiros no presente ano judicial tiveram formação e o uso do SIJ foi iniciado com entusiasmo. Porém “depois foram reportados erros e o sistema começou a ser abandonado”.

Em outros pontos, o mesmo se verificou. O relatório aponta várias deficiências e quebras de confiança no sistema, e refere que em quase todas as comarcas só há “mero registo inicial dos autos”. Além disso, registam-se problemas vários que vão de falhas na internet, ao referido ataque à RTPE, etc., e que não só não permitem o avanço do uso do sistema como se tem originado o referido recuo na sua utilização.

“Sem técnicos em número adequado, sem internet com velocidade apropriada, sem material informático moderno e em quantidade necessária para satisfazer as necessidades, nenhum sistema informático poderá lograr sucesso”, avisa.

Entretanto, mostra-se prioritária, no entender do CSMJ, “a correção das falhas reportadas pelas equipas de help desk, bem assim como a efectiva ligação do sistema, ao menos, com os da PN e PJ e ter janelas de comunicação com o da OACV”.

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Autoria:Sara Almeida,9 out 2022 8:56

Editado porAndre Amaral  em  12 out 2022 10:30

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