“Tudo aumentou de preço. O problema é que o salário é pouco para tantos aumentos”, reclama Aldina Andrade, para quem é cada vez mais difícil manter-se no orçamento estipulado para os alimentos.
Mãe de seis menores, Aldina é a única com um emprego fixo em casa, já que o marido vive de “biscaites”. Por esta razão, essa mãe diz que muito se deixou de comer em casa.
Há mais de uma semana que a família deixou de comprar pão devido ao aumento dos preços. Para substituir esse alimento, há dias em que comem cuscuz e outros em que comem filhoses de banana.
“Compensa mais comprar um quilo ou dois de farinha de trigo ou de milho e fazer cuscuz do que comprar pão. Porque há quem coma dois ao pequeno-almoço. O dinheiro não é suficiente para o que antes comprávamos”, lamenta.
Em casa de Rosa Mendes, vendedeira de tabuleiro, o pão ainda vai a mesa, porque ainda o compra por dez escudos, embora mais pequeno.
Entretanto, Mendes aponta dificuldades em acompanhar os novos preços dos alimentos e teme novas subidas. Se antes comprava um quarto de leite em pó por 150 escudos, agora compra por 240 escudos.
“Os preços do açúcar e do arroz aumentaram, e até mesmo a manteiga que antes custava 100 escudos, agora custa 120 escudos”, relata a vendedeira.
RACMS sugere reforço do poder de compra
Ao Expresso das Ilhas, o representante da Rede das Associações Comunitárias e Movimentos Sociais (RACMS), Gerson Pereira, afirma que as associações já começam a sentir o impacto da inflação. Um pouco por todos os bairros da capital os líderes comunitários têm reportado esse aumento na procura de auxílio por parte de muitas famílias.
“Famílias mais pobres e numerosas precisam gerir cuidadosamente os poucos bens que têm. É uma afronta este aumento exagerado dos preços de bens básicos como o pão, leite, óleo, arroz e farinha, tendo em conta o que se ganha neste país”, salienta.
No mês de Dezembro, diz, algumas associações distribuíram cestas básicas. Contudo, a procura aumentou no mês de Janeiro. Tendo em conta que as associações nem sempre dispõem de recursos para atender a todos, a RACMS acredita que é preciso reforçar o poder de compra das famílias.
“Para a maioria das famílias não tem sido fácil sobreviver com um salário mínimo e todos defendem que o aumento de mil escudos não faz nenhuma diferença. As medidas para a redução dos impactos da inflação não estão sendo sentidas”, observa.
Empresários
Em declarações ao Expresso das Ilhas, a vice-presidente da Câmara de Comércio de Sotavento (CCS), Josina Correia, indica que os empresários do ramo alimentar têm vindo a absorver parte dos aumentos dos preços, mas que não o poderão fazer nem na totalidade e nem por muito tempo.
De acordo com esta responsável, uma das vias para controlar a inflação é o aumento das taxas de juro, que já é realidade em muitos mercados. A vice-presidente da CCS refere que as políticas definidas pelos Governos terão um papel fundamental, pois condicionam a dinâmica empresarial.
Por exemplo, diz que alguns países optaram pela redução do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) ou do Imposto sobre o Rendimento, outros, pela subsidiação e até por situações mistas.
Quanto ao aumento do preço da farinha do trigo, Josina Correia realça que todos são sensíveis aos seus impactos, mas que era inevitável.
“Cabe ao Governo a análise e a ponderação dos impactos financeiros e sociais, por forma a tomar a melhor decisão possível de acordo com os dados disponíveis actualmente”, avalia.
Governo analisa subsidiação do trigo
Sem a subsidiação do governo, um saco de farinha de 25 quilos de primeira passa de 2.090 escudos para 4.600 escudos.
Nesta segunda-feira, 16, o ministro da Agricultura e Ambiente, Gilberto Silva, informou que um parecer do Secretariado Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional não recomenda a continuidade da subsidiação do trigo, tendo em conta o custo.
“O Governo até hoje gastou, com esta política de compensação financeira, cerca de 151 mil contos. Mas, no que tange ao trigo temos um parecer do Secretariado Nacional da Segurança Alimentar e Nutricional que não recomenda a continuidade, tendo em conta o prolongamento da situação internacional e dos custos”, afirmou.
Conforme exemplificou, com mais três meses desta compensação, o governo estaria a gastar mais 56 mil contos.
Por este motivo, o Secretariado Nacional da Segurança Alimentar e Nutricional entende que o executivo deve optar por reforçar outras medidas como apoio às cantinas escolares, assistência alimentar às famílias e também emprego público para que as famílias tenham rendimento que permita aceder aos bens alimentares.
Assim, Gilberto Silva afirmou que perante este parecer e a situação vivida, o Governo vai analisar e continuar atento.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1103 de 18 de Janeiro de 2023.