“Eu nunca, em nenhuma conversa entre amigos, ouvi qualquer um deles dizer que tinha disfunção eréctil. Não é um tema que se aborde facilmente”. A resposta, junto aos homens, é sempre esta. A julgar pelo que se fala na informalidade, disfunção eréctil (DE) é algo raro...
O que é?
Mas afinal o que é a DE? Por definição, é a incapacidade persistente do homem conseguir obter e manter uma erecção do pénis que possibilite uma actividade sexual satisfatória.
Os factores que a causam são vários e as DE dividem-se em três vertentes principais, consoante a sua origem. Há a DE de origem psicogénica (ou psicológica), a DE de origem orgânica e a mista.
“Geralmente, a disfunção de origem psicológica está relacionada, como o nome diz, com um transtorno psicológico como o stress, algum problema emocional, etc. Na DE de origem orgânica temos causas neurológicas, endócrinas, [toma de] alguns tipos de medicamentos, tumores, cirurgias. A mista inclui as DE de origem psicológica e orgânica”, explica o chefe do Serviço de Urologia do Hospital Universitário Agostinho Neto, Mário Frederico.
A DE mais comum, continua, é a mista, pois um indivíduo que tenha uma disfunção de origem biológica também se vê psicologicamente afectado.
CV sem dados
Não se sabe ao certo qual a prevalência desta disfunção em Cabo Verde, mas sabe-se, com toda a certeza, que este é “um grande problema de saúde pública mundial”.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 30% dos homens do planeta sofrem de DE em algum nível (grave, moderado ou mínimo). A mesma percentagem é referida pela OMS, por exemplo, para o Brasil, mas pesquisas da Sociedade Brasileira de Urologia, aumentam a prevalência e apontam que cerca de metade dos homens com mais de 40 anos tenha problemas de erecção, que podem ir de DE leve a grave. Percentagens semelhantes foram aferidas nos EUA, onde se mostra também que a idade tende a elevar a prevalência (por exemplo, aos 40 anos, 40% dos homens apresentam DE pelo menos leve, e 20% grave. Aos 70 anos, as taxas sobem para 70% e 50%, respectivamente).
Em Portugal estima-se que cerca de 500 mil homens, entre os 40 e os 70 anos, sofram dessa disfunção, o que corresponde a uma incidência de 13% (não é, no entanto, especificado o nível).
Quanto a Cabo Verde, como referido, “números, não temos, mas o que é certo é que na nossa rotina, praticamente todos os dias, temos muitos casos com esse tipo de problema”, conta o urologista Mário Frederico.
Aliás, basta ver o número de diabéticos e hipertensos, duas patologias que podem provocar DE, ou outras doenças sistémicas, para aferir que a prevalência de DE não será baixa. Basta ver também o problema de alcoolismo no país, outro dos grandes factores de risco da DE.
E se muitos casos de DE estão já a ser seguidos, muitos, muitos mais serão os que não procuraram ajuda, ainda.
Na verdade, muitos pacientes de urologia, área que trata as DE de origem biológica ou mista, nem abordam por mote próprio abordado o tema. São os próprios médicos, mediante o quadro clínico apresentado, que levantam essa questão. Só aí o paciente fala. Às vezes vêm apenas pela DE, chegam, mas também têm dificuldade em abordar o problema.
“Às vezes começamos a falar de forma a que se sintam um pouco mais abertos nas consultas para poder falar”, conta Frederico, insistindo que este “é um problema de saúde pública normal, uma doença como qualquer outra doença. A questão é abordar para que a situação seja resolvida”.
Tratamento
Pois. Se há coisa que todos os homens (e suas parceiras) devem saber é que, seja qual for a sua origem, a DE tem tratamento. Mas para se tratar, é preciso assumir a doença.
Começando pelos tratamentos para a DE de origem biológica. Antes de tudo, claro, é preciso fazer a correcção das patologias que a causaram. Por exemplo, no caso de um paciente diabético com DE, é preciso primeiro estabilizar a glicémia. Se for caso de cancro da próstata, primeiro há que tratar dessa patologia. E tentam eliminar-se também outros factores de risco, como o tabagismo e o álcool.
Depois, começa então o tratamento da DE. Há três linhas de tratamento. A 1.ª são “os medicamentos usados por via oral. Neste caso, temos disponível o Sildenafil [princípio activo do Viagra] e o Tadalafil [Cialis]”, explica Mário Frederico.
“Da 2.ª linha temos algumas injecções intracavernosas”, isto é, injecção de medicamentos no tecido esponjoso do pénis para abrir os vasos sanguíneos.
E há outras alternativas: a aplicação de gel na uretra, o dispositivo em vácuo, anéis (não fornecidos pelo SNS)… enfim. “Existem várias alternativas para o tratamento, e sempre o tratamento é individualizado.”
Por fim, há as próteses.
“A colocação da prótese peniana já é a 3.ª linha de tratamento, quando o 1.º e 2.º pilares não surtirem nenhum efeito”, expõe o médico. Porém, em Cabo Verde, “neste momento, não fazemos a cirurgia de colocação de prótese peniana, porque temos ausência desses materiais”.
Entretanto, alguns pacientes seguidos no país, colocam a prótese no estrangeiro.
A parte psicológica
F. sempre teve uma vida sexual satisfatória. Um dia, a meio do acto, perdeu a erecção. Acontece. Talvez não passasse de um episódio isolado não tivesse sido o facto de que o momento, traumático, lhe aflorava à mente sempre que estava num momento íntimo. Resultado: não conseguia chegar à erecção.
Ao fim de três meses a evitar a companheira, contou-lhe o que se passava e juntos recorreram a ajuda médica. Os exames mostraram que o problema não era físico. Estava-se, pois, perante uma DE de origem psicogénica.
Começou então um tratamento de psicoterapia e a libertar-se desse momento traumático e pensamentos “castradores”.
O testemunho de F., encontramo-lo num site português. Contudo, o que se passou com ele, certamente encontra eco na história de muitos homens, incluindo em Cabo Verde.
Ao Centro de Atendimento Psicológico, na Praia, têm chegado vários casos de DE, depois de descartadas as causas físicas, pelos urologistas.
Também no caso da DE de origem psicológica as causas são variadas. Desde logo, a deficiente (ou até ausente) educação sexual.
Falta no entender do Jacob Vicente, psicólogo do Centro, uma educação que permita que o sujeito conheça o seu corpo, saiba como este funciona e as respostas sexuais que pode dar.
Além dessa carência educativa e tabu à volta do sexo, há toda a pressão social e a chamada “masculinidade tóxica”, sublinha.
Há “a expectativa social de que o sujeito tem de ser macho, pensando que tem que ter um bom desempenho sempre que estiver a manter uma relação sexual”. Ora isso, explica, provoca muita ansiedade quanto a esse desempenho sexual, com consequências negativas no mesmo. “É causa e consequência” da DE e também da ejaculação prematura, outra disfunção sexual dos homens (na verdade, a mais comum. A DE é a segunda mais prevalente).
Outro aspecto recorrente, que compromete a resposta sexual é a vida acelerada e o stress, principalmente o stress crónico.
Há “aqueles que param e estão sempre acelerados e isto provoca a incapacidade de relaxar, focarem-se naquele momento específico” e terem uma erecção, conta. E “a incapacidade do sujeito de relaxar no momento, na hora H, está a acontecer com muito mais frequência do que se imagina”, diz o psicólogo.
A par destas questões existem também perturbações psicológicas específicas, como a depressão, perturbação obsessiva compulsiva, ou ansiedade generalizada que também afectam a resposta sexual.
Jovens
Quanto à faixa etária, aparecem “cada vez mais jovens” com disfunções sexuais, incluindo a DE, observa Jacob Vicente.
Assim, considera, a DE psicológica (ao contrário da DE biológica) não tem a ver com a idade. Aqui há a salientar um aspecto que é o consumo excessivo do álcool, “uma das variáveis que interfere e muito” nestas questões.
“Temos jovens que abusam do álcool e cada vez mais tem menos capacidade de ter erecções ou, se não, cada vez mais estão mais propensos a ter ejaculação precoce. Na nossa sociedade, aqui na Praia, temos muitos casos homens entre os 25-45 anos que não estão a conseguir ter erecção”, aponta.
Durante a pandemia da covid, por exemplo, surgiram vários casos desses. E como a pandemia interferiu também com a saúde mental de todos, os casos de DE terão também aumentado. Isto, entre o que se sabe e o que se advinha. Por que “os que procuram os psicólogos são uma percentagem bastante ínfima da realidade que temos.”
Entretanto, se o consumo exagerado de álcool é causa de DE, a DE também leva muitos homens a consumir álcool e drogas.
“Por causa da sua masculinidade tóxica, se não estiver a ter relações sexuais então a sua masculinidade está em causa, mexe com o seu orgulho e depois acaba por mexer profundamente com a sua auto-estima”, e leva-o a procurar “alternativas para resolver a situação” e por caminhos prejudiciais à saúde.
No meio de muitos preconceitos, e apesar da vergonha, quando chegam à clínica os homens mostram-se, porém, abertos para falar do seu problema.
“A nossa clínica é especializada apenas em saúde mental. Para eles é chegar ao último lugar [onde podem obter ajuda, depois dos exames nada acusarem], e agora têm mesmo de falar. Então há uma abertura”, observa Jacob Vicente.
Chegam e queixam-se, cabisbaixos, “N ka sta ta subi”. Depois a conversa arranca e vai-se naturalizando…
Aqui, a conversa flui, mas não nas rodas de amigos e familiares, como já referido. “Essa conversa não vem muito à tona entre os homens”, reconhece o psicólogo. Na clínica, entretanto, estão a ser feitas terapias de grupos, o que permite perceber que não estão sozinhos, “que é uma situação muito comum”.
“Fazemos terapias, com base em terapia cognitivo-comportamental, com técnicas bastante especificas, em que as pessoas vão falando. Depois vamos trabalhando. É necessário temos esta conversa de reeducação sexual masculina”, expõe Jacob Vicente.
Falando então de terapias, usa-se a “terapia sexual, por um lado, e a psicoterapia cognitiva-comportamental por outro”.
“A terapia cognitiva-comportamental identifica cada problema que está a afectar o pensamento, o comportamento, as emoções do sujeito e depois cada problema é trabalhado em cada sessão”, explica. Desfazem-se as barreiras e o sujeito retoma a sua vida sexual.
Também, cada vez mais, é usado o “mindfulness que é levar o sujeito a estar consciente da situação em que se encontra e a partir desta consciência trabalhar o problema”.
Elas
“Tive um ex-namorado que nos primeiros tempos de namoro sofria de impotência (DE). Era frustrante. Por um lado, eu compreendia, é um problema de saúde, por outro ficava um pouco chateada com a situação, embora tentasse não o mostrar”, conta M. A situação normalizou-se. “Penso que começou a tomar Viagra, mas não lhe perguntei. O namoro também não durou muito, por outros motivos que não sexuais, terminamos”.
Num acto sexual há duas partes. E o DE, obviamente, afecta e diz respeito às duas. Mas é de referir que a DE psicológica é bastante diferente nos casos em que há uma relação estável e longa e entre aqueles casais que ainda se estão a conhecer.
Nestes últimos, explica Jacob Vicente, “há toda uma expectativa inicial em relação ao relacionamento, a parte emocional está muito presente e isso pode causar de facto situações de ejaculação precoce, ou a pessoa pode nem sequer consegui ter erecção. Esta parte é facilmente trabalhada e ultrapassada. Entre os casais, há uma vida quotidiana, stress no relacionamento, várias situações condicionam a vida em casa, então não é possível fazer-se uma terapia com o homem e deixar a esposa ou a companheira fora das sessões”, refere. Assim, tem de haver algumas sessões também em conjunto.
Na verdade, as terapias de casal têm ganhado espaço em Cabo Verde e a experiência do CAP (que também atende casos de disfunção sexual feminina) tem mostrado a sua eficácia.
“Com casais tem sido espectacular porque quando aceitam vir os dois, há uma resposta muito positiva”, diz Vicente.
Viagra
A DE ainda é tabu. E só não é mais graças a uma coisinha azul. Em 1998 chegava aos mercados um medicamento que veio revolucionar o tratamento da DE (antes chamada de impotência sexual). O sidenafil, assim é o nome, estava a ser desenvolvido para tratamento da hipertensão e angina de peito, com resultados pouco satisfatório, mas tinha um interessante efeito secundário: induzia a erecção peniana. E pronto, o resto é história. O medicamento começou a ser comercializado para a DE com o nome de Viagra, foi (é) um sucesso. Quando a patente expirou o mercado encheu-se também de genéricos.
O Viagra é, de facto, um dos tratamentos mais comuns para a DE. O problema que se põe é o seu uso indevido. Muitos homens tomam-no sem qualquer acompanhamento (ou fundamento) médico e os especialistas alertam para os perigos desta auto-medicação.
Seria importante, por exemplo, antes da toma, uma avaliação médica cada aferir o risco cardiovascular ou se há alguma patologia. Aliás, “muitas vezes a DE pode ser um alerta de uma doença cardiovascular”, sublinha o urologista Mário Frederico, lembrando que a automedicação pode levar a complicações sérias, inclusiva a morte.
Quanto isso acontece, muitas vezes culpa-se o medicamento, quando o problema é, de facto, o uso do Viagra sem a devida avaliação por um especialista, aponta.
Além do Viagra, muitos recorrem também a “receitas” tradicionais como pau de cabinda e outras para combater o seu problema de saúde. Essas ervas podem até fazer efeito no paciente, mas, observa o urologista, não há evidências científicas que comprovem a sua eficácia, nem indicação para o seu uso como tratamento da DE.
Também Jacob Vicente lamenta o uso indevido do Viagra. “Criou-se o mito da solução rápida deste problema. Temos Viagra no mercado negro e muitos jovens estão a usar”. Ora esta solução não resolve os problemas psicológicos que podem estar a barrar o bom desempenho sexual e a causar DE psicogénica. Acaba por ser uma falsa solução.
Falar
Para os especialistas a DE é um problema de que é preciso falar. É preciso procurar ajuda sem tabu.
“É um problema que todos os homens, por norma, em qualquer momento da vida podem passar. Mesmo que não seja por uma doença orgânica, [pode acontecer] por questões de origem psicológica, como o stress. É sempre bom abordar [os problemas] e sempre existem alternativas para o tratamento da doença como tal”, avalia Mário Frederico.
O urologista lembra ainda que, embora a DE seja vista como um mal da velhice, é na realidade “um problema de saúde tratável” e a “sexualidade não tem idade. Temos alternativas para fazer uma boa abordagem”. “Sempre existe e existirão alternativas”. Soluções.
Também o psicólogo Jacob Vicente destaca a importância de que se fale destes temas e de que se faça uma reeducação sexual, em que se perceba que o homem não pode nem tem que estar sempre apto a dar uma resposta sexual.
“Os homens têm de aprender a dizer isso, a falar disso, a exteriorizar o seu sentimento, o seu pensamento”, defende. Ademais, “temos de conhecer o nosso corpo bem, saber as respostas que nós podemos dar, educar a nossa mente, fazer aquilo que nós chamamos de higienização mental quando falamos do aspecto sexual da nossa vida”, conclui.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1108 de 22 de Fevereiro de 2023.