“Um bom líder não pode ter medo de amanhã vir a ser substituído”

PorJorge Montezinho,25 mar 2023 9:06

Esta foi a semana da Leadership Summit Cabo Verde, a primeira fora de Portugal, onde se realiza há sete anos, um evento para produzir conhecimento relevante em todas as áreas relacionadas com Liderança. A Leadership Summit Cabo Verde teve como tema Nova Liderança Digital e debateu as questões relacionadas com os desafios que se colocam aos líderes e empreendedores perante a transformação digital. Filipe Vaz, CEO da Tema Central, empresa de comunicação por trás do Leadership Summit Portugal, e agora também da Leadership Summit Cabo Verde, juntamente com a empresa cabo-verdiana The Office, falou com o Expresso das Ilhas sobre liderança e sobre a Leadership Summit.

Pode treinar-se qualquer pessoa para ser um líder?

Poder, pode-se, desde que a pessoa esteja disponível para isso, creio que se pode e há uma série de regras, de princípios que podem ser incutidos, explicados, sugeridos às pessoas. Mas depois há, sem dúvida nenhuma, uma capacidade muitas vezes inata para determinadas pessoas assumirem a liderança. Agora, ter essa capacidade para ser líder e ser um bom líder são coisas completamente diferentes. Isso é que faz a diferença: aprender a ser um bom líder. Há muitos que chegam a ser líderes, a questão é serem bons líderes, reconhecidos pelas pessoas que estão a liderar e serem bons líderes por conseguirem resultados que sejam também reconhecidos pela comunidade. Diria que é possível formar líderes, mas nem todos serão bons líderes. E é nesse sentido que tentamos desenvolver o nosso trabalho, em potenciar o surgimento de bons líderes.

E quais são as características de um bom líder?

O bom líder, hoje mais do que nunca, será aquele que consegue liderar pelo exemplo e responsabilizar as pessoas que trabalham consigo, as suas equipas, para eles próprios desenvolverem as suas capacidades e poderem um dia vir a assumir o seu lugar. Um bom líder não pode ter medo de amanhã vir a ser substituído e tem de perceber que não há insubstituíveis. Acredito que muitas vezes haverá líderes que ao chegar à sua posição acreditam que são insubstituíveis, mas não são. E é importante que o bom líder tenha essa noção e prepare as suas equipas para um dia alguém vir a assumir a sua função, sem que se sinta ameaçado pelas pessoas que trabalham consigo, muito pelo contrário, tanto melhor líder ele será quanto melhor preparada estiver a sua equipa para vir a assumir a posição que ele desempenha num determinado momento.

O Leadership Summit vem a Cabo Verde. O que é o Leadership Summit, para começar?

A Leadership Summit surgiu em Portugal há sete anos. Na altura fomos desafiados por algumas organizações que sentiram que fazia falta um fórum de debate para lideranças, com o objectivo de desenvolver lideranças para o futuro. Criámos um projecto que tem como meta a produção de conhecimento para líderes, que envolve um grande evento anual, mas o projecto não se resume a um evento onde reunimos líderes e trazemos oradores nacionais e internacionais, é mais vasto do que isso, é um projecto de comunicação e de produção de conhecimento para quem é líder e para quem quer vir a ser líder, que se baseia numa plataforma de comunicação que tem uma revista, a revista Líder, trimestral em Portugal, um site líder – que todos os dias produz conteúdos para lideranças e para as organizações –, uma televisão, a líder TV, que nós chamamos de Netflix de conteúdos corporativos [em Portugal está disponível no MEO e na NOS e para o mundo inteiro em lidertv.pt] e depois reunimos uma comunidade de líderes em Portugal, são os conselheiros do nosso projecto, cerca de 170 pessoas, que são líderes de grandes organizações portuguesas, que estão divididos por grupos e que ao longo do ano se vão reunindo connosco, fazendo network entre eles, para verem connosco quais são os grandes temas a abordar em cada momento, fazendo propostas de oradores para levarmos aos nossos eventos, portanto, uma comunidade vasta que trabalha connosco. As coisas têm corrido muito bem, temos tido muitas organizações envolvidas e vamos continuar.

Pela primeira vez estão a internacionalizar o Leadership Summit. Porquê Cabo Verde?

Nós queríamos internacionalizar o projecto e avançar para os PALOP. Entretanto, uma empresa cabo-verdiana na área da assessoria, a The Office, por conhecerem o projecto que tínhamos em Portugal e por acharem que fazia sentido ser apresentado em Cabo Verde uma conferência relacionada com a produção de conhecimento. Desafiaram-nos, reunimos com algumas entidades locais e organismos oficiais, o projecto foi bem recebido e resolvemos avançar e fazer esta primeira edição em Cabo Verde.

Um dos objectivos do Leadership Summit é exactamente produzir conhecimento relevante em todas as áreas relacionadas com a liderança. Em sete anos, quais foram os conhecimentos mais relevantes que saíram do Leadership Summit?

Estes sete anos foram muito ricos em diversidade de acontecimentos a nível mundial que vieram condicionar a nossa vida e todas as actividades. Tivemos crises, tivemos covid, temos a guerra na Europa agora, têm sido anos extremamente desafiantes para os líderes dos Estados, dos governos e das organizações públicas e privadas. Temos tentado sempre acompanhar a realidade em que estamos a viver, com o apoio de todos os conselheiros que estão connosco, e todos os anos tentamos abordar temas que nos pareçam, por um lado, que tenham a ver com a realidade mundial que se vive naquele momento e, por outro, que sejam uma mais-valia de aprendizagem para as lideranças. Tendo esse cuidado, chegámos à conclusão que há algumas áreas que são fulcrais e a realidade com que os nossos líderes se têm confrontado nos últimos anos tem demonstrado isso: uma é a digitalização, crucial e algo que temos vindo a abordar há muito tempo. A covid acho que foi a maior demonstração da importância da transição digital no mundo em que vivemos e nem tínhamos bem consciência disso. A transição digital, a digitalização da economia, das instituições, das organizações, é um dos aspectos de aprendizagem fundamental, para os líderes e para as equipas que eles gerem. Outro aspecto que é crucial é a sustentabilidade e quando falo em sustentabilidade falo não só numa perspetiva ecológica, mas na sustentabilidade das organizações independentemente disso. Abordamos questões relacionadas com a sustentabilidade e consciencializamos os líderes para este assunto e como se consegue o equilíbrio destas duas sustentabilidades. Por fim, diria uma terceira área fundamental que é a humanização, não nos esquecermos das pessoas. Temos a digitalização, temos a sustentabilidade, mas na base disto tudo estão as pessoas.

Por falar em digitalização, o tema do Leadership Summit Cabo Verde é a nova liderança digital. Porquê esta escolha?

Para começar, Cabo Verde tem uma componente jovem muito forte. Percebe-se que há muita juventude com ideia de desenvolver novos negócios, novas actividades e muitas ligadas ao digital, isso é muito promissor para o futuro de Cabo Verde. Criámos este tema para nos adequarmos, por um lado, a este movimento de jovens e, por outro, para consciencializar as lideranças mais velhas da importância da digitalização e da importância que deve ser dada às ideias que os jovens estão a trazer. Quer para Cabo Verde quer para o mundo, porque uma das áreas que vamos abordar durante o evento é a possibilidade de o país funcionar como um hub de trabalho para nómadas digitais que podem instalar-se em Cabo Verde e trabalhar para o mundo. Queremos trazer para o palco e para a ordem do dia a digitalização da sociedade cabo-verdiana, dar voz aos jovens, fazer com que os jovens ouçam o que se está a fazer no mundo e consciencializar as actuais lideranças – políticas, empresariais, associativas, etc. – para o potencial e as oportunidades que existem neste novo mundo digital.

Referiu a questão geracional dos líderes. O líder mais clássico está preparado para lidar com esta nova geração de colaboradores e de líderes?

Se calhar, há uns tempos, diria que havia uma certa resistência das lideranças mais clássicas em incorporarem esta nova realidade, mas hoje em dia penso que qualquer líder está perfeitamente consciente que tem de incorporar as novas realidades e as novas oportunidades que surgem com a transição digital. Por isso, diria que hoje em dia há uma consciência dessa necessidade. E é também esse o nosso trabalho, apresentar às lideranças mais clássicas o que pode ser feito e aquilo que pode beneficiar a comunidade e a sua atividade a partir das novas ferramentas digitais disponíveis. Tendo em atenção algo que é muito importante, e que também vamos debater com profundidade na Leadership Summit, que é a questão da cibersegurança. A digitalização traz vantagens enormes, mas também traz riscos e nós vamos ter um cuidado especial nos conteúdos que vamos levar ao palco em analisar as questões relacionadas com a cibersegurança.

Cibersegurança, o digital como acelerador do empreendedorismo, a desmaterialização, todos estes temas vão ser abordados no Leadership Summit, há outro tema, que abordou um pouco quando falou da humanização do líder, que é integrar as ciências humanas com as tecnologias digitais. Será fundamental para o futuro, além de sermos rápidos a carregar em teclas, não esquecer esta abordagem humanista?

É absolutamente fundamental desenvolvermos o digital com o enquadramento que não esqueça nunca essa componente humana. Isso pode fazer-se, na nossa perspectiva, trazendo para o palco mediático áreas mais relacionadas com as ciências sociais, com as artes, com a cultura, e coloca-las nos mesmos palcos. O Leadership Summit é um evento que decorre em vários dias, sendo o central o dia 23 de Março na Assembleia Nacional, mas tem uma série de eventos paralelos que decorrem na Praia, muitos deles relacionados com as artes e a cultura.

Temos estado a falar de liderança e das características dos bons líderes. Vendo um pouco também o outro lado, quais considera serem as principais ameaças à liderança?

Depende muito da organização, do tipo de liderança, da geografia da realidade. Cada líder define quais são as maiores ameaças para a sua liderança. E é claro que será completamente diferente fazermos uma análise de um líder político que neste momento desempenha funções no Leste da Europa, por exemplo, ou um líder associativo de uma entidade na América do Sul. As realidades são completamente diferentes, mas na base há aspectos que são comuns e muito ligados ao que referi há pouco. Eu diria que o grande risco para um líder é a sua liderança não ser reconhecida pelas equipas ou pelo grupo que lidera. Se a boa liderança for reconhecida, os riscos são ultrapassáveis, mais do que riscos, são desafios. É por isso que costumamos dizer: se queres conhecer o líder, olha para a equipa que ele lidera, é assim que percebemos que líder está ali.

O segredo do bom líder, no fundo, é praticar a boa liderança diariamente.

É. Claro que depois podemos discutir o que é a boa liderança, como fizemos durante esta conversa, mas certamente que encontraremos um bom líder onde tivermos equipas que o reconhecem como tal.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1112 de 22 de Março de 2023. 

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Autoria:Jorge Montezinho,25 mar 2023 9:06

Editado porJorge Montezinho  em  14 dez 2023 23:28

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