Exercício da Cidadania que já dura sete anos

PorAntónio Monteiro,19 mai 2023 6:34

João Cardoso, presidente do conselho directivo da Associação Provedor da Praia
João Cardoso, presidente do conselho directivo da Associação Provedor da Praia

Criado em 2016, pelo engenheiro civil João Benício Cardoso, o Provedor da Praia tem dado nestes sete anos voz aos praienses através da publicação, na sua página do Facebook, de queixas e denúncias dos problemas da cidade que vão desde o mau atendimento nas diferentes instituições públicas e privadas aos trabalhos inacabados das empresas de água, electricidade e telecomunicações que dão um aspecto pouco estético à cidade.

O também administrador da página ressalta que a insegurança e poluição sonora continuam a ser dois aspectos que mais afligem os cidadãos. No mês de Outubro o Provedor da Praia constituiu-se em associação, o que para João Cardoso dá ao grupo mais força para continuar e angariar mais apoios financeiros em prol da cidade.

Qual é a missão do Provedor da Praia?

A missão do Provedor da Praia é de contribuir para uma cidade melhor, onde os cidadãos e os visitantes do concelho se sintam melhor. Isto adveio da constatação diária de diversos problemas que mexem com a vida dos cidadãos. Decidi então criar a página no Facebook. Devo dizer que a ideia não foi minha, mas de um amigo que vive em Mindelo. Ele criou uma página cívica com o nome de Provedor de Mindelo. Como eu publicava na minha página pessoal problemas que acontecem no dia-a-dia na Praia ele então deu-me essa ideia de criar a página o Provedor da Praia. Então há sete anos criei a página. Devo dizer que 90% das publicações que inserimos são fruto da contribuição dos cidadãos dos diferentes bairros da cidade que apontam os problemas. Como alertamos na nossa página, são problemas de carácter cívico, não há política: é algo que nós rejeitamos liminarmente. É uma página para unir as pessoas em torno de um bem comum que é a Cidade da Praia. Na definição da nossa página está escrito claramente que não permitimos a publicação de conteúdos políticos. Tudo o mais que tem a ver com um mau serviço nas diferentes instituições públicas e privadas, por exemplo, os bancos comerciais, os registo e notariado, os concecionários da água, energia, telecomunicações, questões que têm a ver com o ordenamento do território, recolha de lixo e entulhos, etc. Como eu disse, a nossa missão é contribuir para que a cidade seja um local mais aprazível para quem está a viver aqui e quem nos visita.

O Provedor da Praia foi criado em 2016. O propósito do grupo mudou com o tempo?

Não, logo no início, em 2016, definimos claramente o que queremos e nunca fugimos a este propósito. O que aconteceu diferente foi a quantidade de solicitações e aderência que a página teve. Isso é que é diferente. Mas o propósito continua o mesmo, e vai continuar assim. Devo dizer que no passado mês de Outubro constituímos a Associação Provedor da Praia, portanto já temos personalidade jurídica. Estamos com uma associação criada, com os seus corpos sociais eleitos. Isso dá-nos mais força para continuar e termos agora mais apoio também, não só dos membros, mas também dos munícipes para contribuírem também como sócios para a associação. Abrimos duas contas em dois bancos e os munícipes da Cidade da Praia e no estrangeiro também têm contribuído mensalmente com uma cota, pois nós também temos despesas.

Com as publicações...

Sim, a nossa força é assim. Nós não temos força nem poder de impor nada. A nossa força é o alcance das publicações. E como publicamos no Facebook, e para que as publicações atinjam um grande número de pessoas, temos de pagar para isso. Em escudos cabo-verdianos são no mínimo quinhentos a mil escudos cada publicação conforme o número de pessoas que queremos alcançar, quer dentro e fora do país. Isso paga-se, mas temos tido boa colaboração dos cidadãos, temos sócios fieis que contribuem mensalmente e isso dá-nos mais alento para continuar.

Diz que o propósito do Provedor continua a ser o mesmo, mas as queixas e denúncias não sofreram evolução durante estes sete anos?

Sim, houve, mas devo dizer que nunca fugimos do nosso propósito e como lhe disse, as queixas referem-se às coisas do dia-a-dia: o mau atendimento; trabalhos inacabados das empresas de água, electricidade e telecomunicações que dão um aspecto pouco estético à cidade. Devo ressalvar que a poluição sonora e a insegurança são dois aspectos em que recebemos mais denúncias que afligem mais os cidadãos. Por exemplo, no quesito poluição sonora é uma desordem total, apesar de existir uma lei de 2013 que é o regime jurídico de contorno da poluição sonora. É uma lei muito bonita, muito bem feita, mas na prática não se aplica nem 10% desta lei. Em qualquer bairro da cidade as pessoas sentem-se desesperadas, quer seja em zonas ditas nobres, quer seja nos bairros periféricos. Temos também com relevância o mau, aliás, o péssimo atendimento nos bancos comerciais: em todos sem excepção. Demora no atendimento que não se compreende nesta era digital. Há também a questão do mau atendimento e do mau serviço nas empresas de electricidade e água. Por exemplo, uma simples ligação de água numa nova habitação leva meses, se não um ano. Isso é inadmissível, mas acontece. Há casos que já publicamos e nós mesmos como membros da página já passamos por isso: para colocar um simples contador levaram dois meses. Resumindo: além da insegurança e da poluição sonora, é o mau atendimento nos diversos serviços públicos e privados; é a cidade que se descaracteriza; é a falta de manutenção dos equipamentos públicos; são praças, pracetas e polidesportivos que se inauguram com pompa e circunstância, mas nunca se faz a manutenção. É só visitar os diferentes bairros para se constatar que desde a sua inauguração esses equipamentos desportivos, esses park fitness e também esses parques infantis nunca tiveram manutenção corrente e estão praticamente todos degradados. É só ir visitar os diferentes bairros, Achada Grande-Trás, Achada Grande-Frente, Lém-Ferreira, Achada Santo António. É só ir e constatar, não estamos a mentir. Dou o exemplo da Cruz do Papa: está a cair aos pedaços e não tem iluminação pública. Os equipamentos estão lá, mas constituem agora um perigo para as crianças. Por exemplo, vamos agora celebrar o Dia das Crianças. Há uma tendência dos pais levarem as crianças para visitar a Cruz do Papa. Mas o que vão lá fazer? Os equipamentos estão lá, mas constituem agora um perigo para as crianças.

Qual tem sido a taxa de sucesso das denúncias?

Eu posso dizer que há uma taxa grande de sucesso porque temos dados estatísticos. Nós interagimos assim: quando se faz uma denúncia, ficamos com o registo de quem faz a denúncia, mas fica obviamente no anonimato. Por exemplo, uma pessoa diz-nos que uma rua do seu bairro está esburacada há meses. O que nós dizemos é o seguinte: se houver reacção positiva, informa-se. E temos tido sempre feedback e posso dizer-lhe que temos tido uma taxa de sucesso muito grande, e, como eu disse, nós sequer temos poder de decisão. São apenas os comentários e o alcance das publicações que acabam por chegar aos dirigentes e às diversas entidades que contribuem para que as questões sejam resolvidas. Nós temos uma prática que é assim: quando se denuncia um problema e for resolvido nós informamos na nossa página que tal problema foi colocado e foi resolvido no prazo x.

Louvores?

Louvores? O que me dá sinceramente prazer é ver os problemas resolvidos. Já agora devo dizer que nós temos com algumas empresas...isso aconteceu com os anos, não foi de imediato. Nos primeiros dois e três anos, quando começamos a publicar, não houve uma recepção positiva das entidades visadas. Havia uma rejeição à página que nos via como inimigos, entre aspas. Mas com o passar dos tempos, alguns serviços contactaram o administrador da página, que sou eu...Dou o exemplo do Grupo CVTelecom. A Administradora Geral que agora é Primeira Dama, há cerca de três anos quando exercia o cargo na CVTelecom, chamou-me e estabelecemos um acordo, pois as nossas publicações estavam a mexer com a imagem da empresa. Então acordamos o seguinte, sempre que um cidadão colocasse um problema, antes de publicarmos dávamos conhecimento aos diferentes sectores da CVTelecom: à CVMultimédia; à CVMovel e à CVTelecom e eu tinha três pontos focais. Colocávamos os problemas, eram resolvidos e não publicávamos. Essa era a minha satisfação e a satisfação do público. Nos últimos anos não publicamos praticamente nada sobre o Grupo CVTelecom. O que já não acontece em relação a outras empresas e grupos de actividades. Mas registamos também com alguma satisfação que houve aderência a esse acordo de algumas outras entidades nesse mesmo sentido. É que o nosso objectivo não é o sensacionalismo, nem o protagonismo, senão que procuramos estar à margem, um pouco na sombra.

Actualmente quandos membros tem o Grupo Provedor da Praia?

É assim, actualmente temos uma associação que se chama Associação Provedor da Praia. No Facebook temos uma página com este nome que é pública e visível a todos e temos um Grupo Provedor da Praia que é privado. Aqui só entram pessoas que querem entrar por livre vontade. A Associação que nós criamos é composta por onze membros: tem uma assembleia geral; um conselho fiscal e um corpo directivo.

Como decorre o processo de publicação?

Quando uma pessoa tem um problema ela não consegue publicar directamente na página; não consegue porque passa pelo crivo do administrador da página. Como eu disse, temos um propósito que é o exercício da cidadania, portanto há uma forma de publicar e tem de ser sobre assuntos que se encaixam no nosso propósito. Como dito, assuntos de caracter político ou ofensivo não publicamos. Quando uma pessoa tem uma queixa, coloca-nos o problema e nós elaboramos o texto, perguntamos-lhe se está de acordo e publicamos.

Qual é a carga horária do administrador?

Como sabe, eu tenho a minha profissão e o que eu faço é nos tempos livres, depois do horário do meu trabalho, principalmente à noite e nos fins-de- semana. É claro que entram em toda a hora mensagens, mas ficam ainda registados e quando tenho tempo disponível eu acesso às mensagens, analiso os assuntos e publico conforme os casos.

Qual é a periodicidade das publicações?

Isso aí depende do cidadão e também de nós. Depois de sete anos não estamos a conseguir sozinhos dar vazão a todas as solicitações. Por isso mesmo foi criada a associação para que mais membros possam ajudar nesse processo porque realmente eu sozinho não consigo. Já criamos a figura de editores e moderadores porque eu sozinho não consigo: são dezenas de pedidos de publicação por dia que recebemos e para uma pessoa que tem o seu trabalho e não tem muito tempo livre, torna-se difícil. E repare, a página já foi duas vezes devassada. A primeira vez foi há três anos e a segunda foi agora no mês de Abril.

Qual o interesse?

Não sei, mas segundo um informático que consultei disse que conseguiram entrar na página e bloquearam-me. Fiquei sem acesso e tive de criar uma nova página com o mesmo nome. Já tinha milhares de membros, mas agora tive de começar do zero. Não sei qual foi o interesse, mas aconteceu.

Como é o relacionamento com a actual gestão camarária?

Quando a Câmara Municipal da Praia era suportada pelo MpD até 2020, nós erámos conotados com a oposição. Com a actual Câmara do PAICV estamos novamente a ser conotados com a oposição. Ou seja, aqui não se pode criticar: basta criticar, é oposição. Retomando a sua questão, tenho de dizer que o relacionamento com a actual gestão camarária, não é nada amistoso. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1120 de 17 de Maio de 2023.

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Autoria:António Monteiro,19 mai 2023 6:34

Editado pormaria Fortes  em  21 mai 2023 9:23

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