“São Tomé e Príncipe é um país que tem uma política de sobrevivência”

PorJorge Montezinho,6 ago 2023 8:40

Paulo Bacuda, presidente do distrito de Cantagalo
Paulo Bacuda, presidente do distrito de Cantagalo

O Seminário Internacional reINVENTAR as Roças: Roça Água-Izé propõe a reinvenção da ideia e vida das e nas comunidades, que não só construíram parte fundamental do imaginário de São Tomé e Príncipe, como são hoje a estrutura da paisagem e território e a memória da história.

Desde 23 de Julho a até 3 de Agosto, a são-tomense Roça Mundo e o cabo-verdiano M_EIA, as organizações do consórcio Entreposto das Artes, responsáveis por este projecto, estão no terreno, juntamente com os parceiros: a Cátedra UNESCO em Diálogo Intercultural em Patrimónios de Influência Portuguesa, sediada na Universidade de Coimbra; o Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade da Universidade do Porto; a GESPLAN, gestão, planeamento territorial e meio ambiente, das Canárias; o Instituto Nacional de Gestão do Território de Cabo Verde; a Direcção-Geral de Habitação de Cabo Verde; a Direção-Geral de Energia de Portugal; e a Universidade de La Laguna, Tenerife, Canárias. Água-Izé fica no distrito de Cantagalo, onde, dos cerca de 18.000 habitantes, à volta de 30% são cabo-verdianos. O Expresso das Ilhas falou com o autarca Paulo Bacuda.


Turismo e desenvolvimento é o caminho a seguir?

Sim. Porque por ser ilha e estarmos banhados por mar o turismo será com certeza uma das vertentes importantes para alavancar a nossa economia. Como pode perceber, em matéria de recursos internos temos algumas limitações e o turismo é um caminho que pretendo estimular enquanto presidente da câmara do distrito e criar as condições necessárias para que haja pessoas, investidores, empreendedores, que venham aqui para o distrito de Cantagalo investir nesta área. A política que pretendo e quero implementar é criar as condições necessárias para as pessoas que quiserem explorar esta área têm da parte da câmara toda a abertura para o que for necessário.

Já existe algum plano concreto para esse desenvolvimento?

O plano existe, e desde sempre, feito pelo poder central, uma vez que isto é uma visão estratégica a nível nacional, porque o poder central percebeu, desde cedo, que o turismo é com certeza um dos caminhos que irá contribuir de uma forma significativa para fazermos crescer a economia nacional.

Falou do poder central, mas e no caso do poder distrital, há instrumentos políticos locais ou há ainda um centralismo exagerado nestas tomadas de decisão?

Normalmente há um plano director que desenha os interesses nacionais e nesse plano há um outro específico para determinados distritos. As decisões são tomadas numa partilha de observações estratégicas ao nível do interesse comum. Logo, não há atitudes isoladas.

Ou seja, tem uma voz activa junto do poder central quando é preciso tomar decisões para Cantagalo?

Sim. Sobretudo com o XVIII governo, que conheço bastante bem, com um primeiro-ministro que é alguém com um conhecimento muito forte ao nível do país e que tem uma visão estratégica para a nação.

Que diferentes tipos de turismo espera conseguir aqui no seu distrito?

O meu distrito oferece uma diversidade de opções em matérias turísticas. Temos aqui histórias, que podem servir como um eixo de orientação para potenciais investidores nesta área. Temos praias. Temos as roças agrícolas e todo o património cultural relacionado com o cacau. A Água Izé – que vai ter uma intervenção neste projecto – julgo que não foi escolhida à toa, mas devido à sua importância na história que traz consigo. Temos vários edifícios da era colonial, com uma arquitectura extraordinária, algumas, é certo e, infelizmente, num elevado estado de degradação, e se surgirem empresários, empreendedores, investidores direccionados para esta área terá aqui muita oportunidade par recuperar estes edifícios. Água Izé foi o início da plantação do cacau, além disso temos as ex-dependências [dependência é o nome dado às diversas localidades que faziam parte das roças] do interior. Quem passa pela estrada nacional e entra um bocadinho diz que esteve numa roça – e de facto, esteve – mas se for para o interior há-de perceber o que é mesmo estar numa roça, pelo ambiente, pela convivência, pelos hábitos, pelas atividades, por isso convido todos a visitar essas comunidades – Água Izé é a sede, mas do lado direito há uma estrada que passa por cinco comunidades e que vai até à fronteira com o próximo distrito.

Por falar na intervenção em Água Izé, o grupo está aqui a estudar e conhecer e depois vai deixar os resultados para a acção que será feita com base nestes documentos que ficarem. A câmara tem depois autonomia para, por exemplo, procurar investimento directo estrangeiro?

Sim. A câmara tem autonomia para conseguir atrair empresários, mas importa realçar que esse expediente tem de ser partilhado com a visão estratégica do poder central, até para garantir que os investidores estão salvaguardados. A câmara pode identificar, pode procurar, pode encontrar, direccioná-lo para o seu distrito, mas tem de partilhar a responsabilidade de garantir que o investimento estará protegido junto do poder central. Isto porque há instrumentos que, digamos, ultrapassam o poder local. Mas o primeiro passo tem de ser sempre a abertura da câmara ao investimento.

Como esperam fazer o equilíbrio entre o turismo e a comunidade que já lá vive se, como disse em conversa prévia, tem um enorme problema de recursos humanos? [Os técnicos, por exemplo, são contratados e distribuídos pelo poder central em São Tomé e Príncipe]

Eu penso que as acções da câmara em relação a algumas exigências técnicas, são transversais. Porque há um acordo de intercâmbio de experiências dos técnicos ao nível das instituições. Quando há necessidade, é solicitado, porque a própria câmara por ter uma dependência financeira [do poder central], acaba por não ter uma estrutura suportada pelos recursos internos. Porque se nos formos financiar apenas a nível distrital, ficamos muito longe das necessidades no que toca aos encargos mensais.

Mas, por exemplo, falou também previamente na preservação patrimonial cultural. A câmara tem capacidade para o fazer?

A preservação do património cultural não é apenas uma tarefa da câmara, é uma tarefa de nível nacional. Sendo de nível nacional, envolve todas as instituições do Estado. A câmara, embora seja o poder local, nas suas acções de conservação terá sempre de ter na retaguarda o poder central, para garantir que essa acção é concretizada. Há uma relação umbilical das instituições. A lei-quadro das autarquias dá-nos autonomia, mas essa autonomia tem de ter as condições necessárias para existir. E neste momento, estamos aquém disso.

Está a falar de dinheiro.

Fundamentalmente.

Do que vi de São Tomé há muito património edificado. Vai conseguir-se dar reposta a todos os distritos? Ou umas coisas têm de cair para que outras possam permanecer? Como se estabelecem prioridades?

De facto, São Tomé e Príncipe é um país que tem uma política, diria, de sobrevivência [dados do Banco Mundial mostram que o desenvolvimento do país tem sido impulsionado essencialmente por despesas públicas financiadas externamente. Em 2022, as reservas internacionais brutas caíram drasticamente para cerca de 1,7 meses das importações, antes de serem reconstituídas por uma subvenção de emergência de 15 milhões de euros de Portugal]. O nosso orçamento geral de Estado, em mais de 80% depende dos nossos parceiros [dados do Banco Mundial referem que as fontes externas (créditos e donativos) correspondem a 92% do total do financiamento em determinados orçamentos]. Para financiar a nossa parte, são precisos muitos sacrifícios. São Tomé e Príncipe não tem indústrias, não tem fábricas, do que se consegue arrecadar para suprir a percentagem em falta deve-se a alguns impostos, essencialmente aduaneiros. Logo, é difícil haver uma cobertura de um património que, em condições normais, devia ser protegido.

E os parceiros ajudam, mas também trazem as suas agendas e o património não é prioridade. É isso?

Costuma-se dizer que quando não temos, somos por vezes forçados a submeter-nos ao que é exigido. Além disso, grande parte dos projectos espelhados no orçamento geral do Estado não se conseguem executar no ano económico para que está projectado. Porque as disponibilidades dos nossos parceiros não são ilimitadas. Estamos a lutar para sair desta dependência [na discussão do Orçamento de 2023, em Maio deste ano, o Governo são-tomense anunciou a intenção de reduzir a dependência da ajuda externa para o financiamento do investimento público].

Deixemos agora a política de lado e vamos falar de Água Izé. Há potencial, há grandes desafios, isto é encorajador ou assustador?

É encorajador. É um desafio, mas não assustador. Não enquanto político, mas enquanto cidadão comum, sinto que o que as pessoas precisam – e eu sou parte integrante do povo – é de oportunidades. Nós precisamos de oportunidades. Projectos desta natureza, com gente de boa-fé, com interesses claros, com vontade de fazer, é o que nos falta. Gente que nos pode ensinar a caminhar. Assim, não importam os obstáculos.

O que seria a Água Izé ideal para si? Ou mesmo a roça ideal?

Está a dar-me asas para sonhar. É isso?

Esteja à vontade para o fazer.

Pela idade que tenho, já tenho medo de sonhar (risos), porque muitos sonhos podem não me levar ao consolo que eu gostaria de ver rapidamente materializado. Mas ainda assim, confesso que gostaria de ver uma Água Izé muito diferente do que hoje é. Com uma melhoria significativa das infra-estruturas, sobretudo habitacional. Gostaria de ver Água Izé e as suas dependências com um nível de vida digna para os seus habitantes. Não digo que tenham de ter mais facilidades que os outros, mas oportunidades. O meu verdadeiro sonho é ter um bairro muito mais organizado, onde as pessoas tenham oportunidades de emprego e com famílias jovens formadas num ambiente digno.

O Expresso das Ilhas viajou para São Tomé a convite do Entreposto das Artes

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1131 de 2 de Agosto de 2023.

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Autoria:Jorge Montezinho,6 ago 2023 8:40

Editado porDulcina Mendes  em  7 ago 2023 7:52

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