Sr. Primeiro-Ministro, pediram-lhe aqui uma série de compromissos, mas até onde pode o governo comprometer-se?
Primeiro, devemos ser um facilitador. Sabe, muitas vezes, quando procuramos atrair investimento, não temos a capacidade de apresentar detalhadamente projectos que podem ser objecto de interesse por parte dos investidores. Agora, temos um projecto que é interessante, que integra muitos factores económicos – agricultura, turismo, pesca – educativos, patrimoniais, o que nos facilita a vida para fazermos o nosso trabalho posterior, como o de dar incentivos, para obter resultados para as pessoas. Daí que é um olhar interessado o que o governo tem, em relação a este projecto. Por último, do ponto de vista da sociedade, este país sempre teve duas pirâmides, a cidade – e as suas elites – e a roça. Hoje, a roça saiu da roça e veio para a cidade e na cidade ela não encontra o seu espaço, diria físico, nem o seu espaço ideológico.
Mas se calhar também já não quer regressar à roça.
Não quer regressar porque a situação está muito degradada. Mas notei ao longo destes anos, por exemplo, quando estendemos a rede eléctrica, as pessoas começaram a regressar. Se houver oportunidade de emprego, vão regressar. Se a descentralização se traduzir na absorção dos nativos das zonas em microempresas, administração local, projectos de empreendedorismo, as pessoas regressarão. Há uma componente a que devemos prestar atenção, na recuperação das roças, que é incutir nas pessoas o conceito de urbanização, de construção responsável, porque queremos fazer com que se proteja sempre o meio ambiente, a qualidade de vida e que se introduza, através da educação e da formação, o conceito de crescimento que não seja destrutivo como temos nas cidades. Pela qualidade dos intervenientes sei que todas essas preocupações serão tomadas em consideração e o Estado só pode ajudar.
Acha que este pode ser um projecto mais amplo? Ou seja, começar em Água Izé e alargar-se para as outras roças?
Certamente. Por isso disse que Água Izé é bastante interessante. Cabo-verdianos, são-tomenses, agricultura, pesca, turismo, uma experiência que começou como roça com alguém de religião judaica, tudo isso chama a atenção, tudo isso é, no fundo, um mundo global de antigamente, que é uma referência para este mundo global actual, que enfrenta também muitos desafios. Creio que se juntarmos gente boa, gente com conhecimento, com cultura, pode fazer-se em Água Izé algo interessante e depois replicar, se for uma história de sucesso.
Falou no apoio da sociedade civil, nos investimentos privados necessários. São Tomé, neste momento, tem um orçamento de Estado em que mais de 80% vem da ajuda externa, o que fragiliza a posição governamental, por isso, quais são os principais desafios para uma acção governamental mais interventiva?
Primeiro, é termos capacidade crítica. A ajuda internacional obedece à agenda dos doadores e essa agenda, muitas vezes, para nós traduz-se em recursos financeiros. A qualidade do projecto, a oportunidade do projecto (pausa). Como se diz, qualquer dinheiro que cai num país pobre é sempre bem-vindo. Temos de desenvolver capacidade crítica e essa capacidade crítica, por parte do governo – que é sempre um pouco fraca – tem de se apoiar nos outros parceiros, como o sector privado, e com o sector privado dizer: alto aí, isso é responsabilidade do governo, esses meios podem ser empregues de tal maneira e o privado pode fazer outras coisas. É essa articulação que falta, sabe.
Dê-me um exemplo.
Por exemplo, falamos muito de energias renováveis, mas qual é o maior problema, hoje, das energias renováveis em São Tomé no que diz respeito à energia solar? O transporte. Então, o governo tem de se concentrar no transporte dessa energia, a produção deixa aos privados. Outro exemplo, falamos muito de educação, na formação etc., mas quem pode definir o tipo de mão-de-obra especializada que precisamos são os privados. Não vamos estar a formar, como temos estado a formar, juristas, juristas, juristas, a não ser que queiramos ter um país de litígio permanente (risos). Se queremos um país de turismo, de pesca, é claro que temos de formar as pessoas. Essa articulação é o que muitas vezes falta. No que diz respeito a este governo, que é muito pró negócio, muito pró iniciativa privada, acho que conseguiremos.
O que falta para o conseguir?
O que nos falta é maior interacção com os privados. Os nossos privados nacionais, por vezes, também têm alguma fragilidade, mas temos de abrir.
Formar consórcios poderá ser uma solução?
Exactamente. Consórcios com estrageiros, com pessoas que têm capital, mas também acolher bem esse capital, proteger bem esse capital.
Hoje as pessoas estão seguras quando investem em São Tomé e Príncipe?
Ainda não. Temos tido alguns episódios ao nível do sistema judiciário que leva a alguma dúvida, mas são coisas em que estamos a trabalhar, como a reforma do sistema judicial, que fundamentalmente assenta nas inspecções, que queremos que sejam conduzidas por corpos mistos – são-tomenses e estrangeiros – de modo a dar mais credibilidade à inspecção e de modo a pôr alguma exigência no sistema judicial, que queremos independente, responsável, completamente livre e autónomo, mas que tem também de ser escrutinado. São essas as mudanças que estamos a tentar fazer. A tentar explicar o que estamos a fazer, porque um governo num país com tantos desafios tem de ser um governo interventivo, pró-activo.
Intervir agora, para depois se poder retirar?
Exactamente. E as pessoas têm de entender isso. Quando as pessoas virem que isso leva a resultados rápidos, terão mais confiança.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1132 de 9 de Agosto de 2023.