Desafios emergem no Sal e na Boa Vista

PorSheilla Ribeiro,9 set 2023 9:25

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As deslumbrantes paisagens das ilhas turísticas de Sal e Boa Vista, conhecidas por suas praias de areia dourada e águas cristalinas, escondem uma realidade complexa de desafios de saúde. Enquanto esses destinos continuam a atrair turistas em busca de tranquilidade tropical, as comunidades locais enfrentam uma luta constante para equilibrar o crescimento do turismo com as necessidades de cuidados de saúde adequados. A falta de especialistas permanentes nestas ilhas está entre os obstáculos que exigem atenção urgente.

Sal e da Boa Vista são conhecidas por suas paisagens deslumbrantes e praias paradisíacas. Entretanto, enfrentam desafios significativos no sector de saúde que contrastam com a sua imagem de destinos turísticos de luxo.

Moradores locais têm-se manifestado sobre a situação da saúde nessas ilhas, como aconteceu no passado dia 15, em que a população da Boa Vista saiu à rua em manifestação para reivindicar mais e melhores condições de saúde e, sobretudo, a conclusão do bloco operatório, obra que está a decorrer há já quatro anos.

Ao Expresso das Ilhas, Carlos Nascimento, residente da ilha da Boa Vista, partilha as suas preocupações.

“Para mim, a situação da Saúde na Boa Vista é má. Desde o atendimento na recepção, ao atendimento médico. Para mim, é má quer no hospital, nas clínicas, quer nas Farmácias onde falam mal com os utentes”, considera.

Carlos Nascimento menciona a falta de agilidade no atendimento, citando o tempo de espera entre a elaboração da ficha médica e o atendimento médico.

Para ilustrar a “má situação da saúde”, na ilha, Nascimento aponta o exemplo do pai que sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e que teve de esperar três meses para começar a fisioterapia.

Isto porque, segundo conta, não há um aparelho de Tomografia Computorizada (TAC) e não quis deslocar-se para a Praia a fim de realizar dez sessões de fisioterapia.

“Seria muito custoso. O meu pai é reformado e só recebe 15 mil escudos do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Eu trabalho com canalização, então não recebo tanto para uma deslocação para a Praia. Ainda assim, temos de nos deslocar da vila para uma outra zona onde há uma clínica que possuí o aparelho TAC, a única na ilha”, comenta.

Para este utente, se o Serviço Público da ilha tivesse um aparelho TAC facilitaria a vida dos utentes, já que pagar 20 mil escudos para este exame é muito para os residentes.

Por sua vez, Renato Evarchi, da ilha do Sal, também aponta questões críticas.

“A situação, acho, é bastante preocupante em relação ao público porque até há pouco tempo, pelas informações que tenho, o Centro de Saúde de Santa Maria estava sem um pronto-socorro aberto 24 horas. Uma outra situação é que, na ilha do Sal, neste momento, não há cirurgião, ou seja, em caso de necessidade urgente, não temos quem possa acompanhar essa exigência”, enumera, acrescentando que a nível dos privados a avaliação é positiva.

Evarchi ressalta a importância do pronto atendimento, especialmente considerando o grande fluxo de turistas na região.

A falta de especialidades médicas adequadas nas ilhas também é um ponto sensível, conforme observa.

“Há tempos, a ministra tranquilizou-nos dizendo que no Sal temos de qualquer maneira um psicólogo, um pediatra, um ginecologista, mas numa ilha onde transitam 500 mil turistas por ano essas três especialidades são insuficientes”, argumenta.

“O turista que vem à ilha do Sal não vem procurar um ginecologista, nem um psicológico, vem gozar as suas férias, mas no caso de acontecer alguma situação urgente e tiver de recorrer a uma intervenção imediata não tem como, coisa que deixa triste muita gente em Santa Maria”, precisa.

Uma perspectiva da clínica Boa Esperança, Boa Vista

Marley Gomes Monteiro, director da clínica Boa Esperança, que busca atender tanto os residentes locais como os turistas, explica que a clínica vive do mercado turístico e que, portanto, um dos desafios que enfrenta tem a ver com o facto de ainda não ter alcançado os níveis pré-pandémicos.

Conforme destaca, a clínica oferece uma ampla gama de serviços médicos, incluindo consultas médicas e especialidades, além de radiologia e análises clínicas. No entanto, aponta desafios de recursos humanos, como a falta de técnicos de radiologia.

“Há dois meses que estamos sem um técnico de radiologia e não há muitos técnicos formados em Cabo Verde”, explica. Para superar essa dificuldade, refere-se à possibilidade de treinar enfermeiros para operar os equipamentos modernos.

Especialistas apenas uma vez ao mês

A falta de especialistas nas diversas áreas de saúde também é um problema enfrentado pela Boa Esperança.

Monteiro explica que o recrutamento de médicos especializados é desafiante pois muitos preferem trabalhar em centros urbanos maiores, como Praia e São Vicente, onde há hospitais maiores e mais infra-estrutura e explica as dificuldades em reter especialistas devido a questões salariais.

“Por exemplo, inauguramos o nosso bloco cirúrgico em 2021, foi licenciado pela ERIS em 2022 e desde então, praticamente, não foi utilizado porque não há recursos humanos na ilha da Boa Vista, cirurgiões, anestesistas, uma equipa que consiga implementar a actividade”, exemplifica.

O que também impede o funcionamento do bloco cirúrgico, segundo este responsável, é a falta de existência de um banco de sangue.

“Um banco de sangue teria de ser o público a ter. Temos procurado alguma parceria com o Ministério para trazer especialistas ou cirurgião para pôr o bloco a andar e não temos tido resposta. Nem conseguimos ser ouvidos. Há um pouco de inércia na área da saúde. Se houvesse colaboração podia-se fazer um pouco mais pela Boa Vista enquanto destino”, acredita, ressaltando que tal parceria possibilitaria enfrentar os desafios e garantir serviços adequados para a população e os turistas.

“Quer-se ter mais robustez no destino turístico, então, há que haver mais investimentos na área de saúde. Nós, como clínica privada, estamos a fazer a nossa parte. Mas, há coisas que nós não conseguimos fazer sozinhos e de mãos dadas com o sistema público de saúde, podemos conseguir”, realça.

Marley Monteiro aponta que há muita procura por parte dos nacionais pelas consultas de ginecologia, pediatria, oftalmologia, urologia e ortopedia.

“Normalmente, os especialistas tendem a deslocar-se uma vez ao mês ou uma vez a cada dois meses. Como não há só uma clínica privada, os pacientes vão consultando aqui e acolá, de acordo com a vinda dos especialistas em cada clínica”, narra.

No que tange ao atendimento aos turistas, a clínica trabalha em colaboração com a indústria hoteleira local, auxiliando na implementação de planos preventivos de contaminação nos hotéis e fornecendo serviços médicos quando necessário.

“Quando se trata de uma situação que não podemos resolver, fazemos a evacuação do turista em conjunto com a sua seguradora, normalmente, para as ilhas Canárias. Temos um ou outro paciente que já foi à Praia, mas os pacientes evacuados para a Praia, os processos por vezes não correm bem. Pela qualidade de serviços que esses pacientes têm na Europa, as seguradoras preferem que sejam evacuados para aquele continente”, pontua.

Clinitur, no Sal, aponta mesmos desafios

Marta Vieira, directora da Clinitur, na ilha do Sal, reconhece como desafios oferecer respostas efectivas e rápidas, em meio à carência de serviços permanentes na ilha.

“Os principais desafios da clínica são praticamente os desafios do Serviço Nacional de Saúde no todo”, afirma Vieira que menciona a dependência das evacuações e da presença de especialistas, muitas vezes de outras ilhas, devido às limitações de serviços na ilha do Sal.

A Clinitur, conforme assegura, posiciona-se como um apoio ao Sistema Nacional de Saúde, oferecendo atendimento médico, odontológico, fisioterapia, análises clínicas e serviços de imagem, incluindo raio-X e TAC.

A clínica lida com uma variedade de casos, desde acidentes de praia até situações clínicas críticas. Vieira enfatiza a demanda por especialistas e a complexidade de atrair e reter profissionais médicos e técnicos na ilha do Sal.

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“Actualmente, conseguimos formar uma equipa coesa. Temos os nossos próprios médicos, os nossos próprios técnicos e os nossos próprios enfermeiros. Acontece que muitas vezes os enfermeiros, os médicos e os outros técnicos querem fazer especialidades. A ilha do Sal não permite essa valência de trabalhar e estudar em simultâneo. Então, por vezes temos alguns enfermeiros que acabam por desistir porque querem fazer alguma especialidade clínica”, conta.

Contudo, a responsável precisa que há uma frequência de transporte de especialistas de outras ilhas, maioritariamente da ilha de Santiago. São pessoas que agendam as suas idas à ilha do Sal. Com esse agendamento, explica, a clínica faz as marcações dos pacientes.

“Tentamos ter um número que compense os custos do especialista entre o transporte de avião ou barco, a maioria das vezes é de avião; a hospedagem; alimentação, transporte interno na ilha entre uma clínica e outra para compensar as consultas. Normalmente conseguimos ter um especialista, por exemplo, de cardiologia, uma vez por mês”, exemplifica.

De acordo com a directora, a clínica Clinitur não adapta o seu horário de trabalho com base na sazonalidade do turismo, operando todos os dias do ano para atender à demanda.

Marta Vieira também ressalta a parceria com o Ministério da Saúde em emergência e a colaboração com outras instituições de saúde no país para oferecer atendimento adequado e evacuações quando necessário.

“Neste momento temos uma parceria com o Serviço Público, no caso, o Ministério da Saúde, em situações de emergência ou quando não têm um cirurgião na ilha do Sal. Em caso de emergência clínica cirúrgica, o nosso cirurgião tem disponibilidade para dar apoio ao cirurgião do Ministério que esteja no Hospital”, enfatiza.

Em situação de emergência, Vieira garante que a Clinitur pode trabalhar como qualquer instituição de Saúde.

“Nas situações em que não conseguimos trabalhar aqui na ilha do Sal, que dependem de uma evacuação para a ilha de Santiago ou para São Vicente, onde temos serviços centrais, agimos igual ao Hospital. Comunicamos, falamos com o Banco de Urgências daqui, bem como da ilha que vai receber o paciente, contacta-se a companhia aérea para ver as condições de evacuação”, descreve.

Mas, prossegue, maioritariamente, as situações são encaminhadas para o Hospital regional que trabalha essa parte de evacuação.

Com relação aos turistas, a maioria vem com um seguro de saúde e neste caso, a clínica acciona os seguros em situações que não podem ser resolvidas em Cabo Verde. É, então, resolvido no país de origem ou no país mais próximo que pode ser Espanha, através das ilhas Canárias, Senegal ou Portugal.

“O desafio maior, a meu ver, é o resgate”, afirma Vieira que aponta que essa questão não é apenas um desafio para clínicas privadas, mas um ponto fraco em todo o país, envolvendo diversas entidades como o Ministério da Saúde, as Câmaras Municipais e os Bombeiros.
Até o fecho deste jornal, o Expresso tentou ouvir o Ministério da Saúde para conhecer os desafios da saúde públicas nessas duas ilhas, mas não obteve respostas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1136 de 6 de Setembro de 2023.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,9 set 2023 9:25

Editado porEdisângela Tavares  em  28 abr 2024 23:28

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