A prevalência do HIV1 e HIV2 entre os adolescentes, em Cabo Verde, é de 0% de acordo com os dados do relatório do Inquérito Demográfico e de Saúde Reprodutiva (IDSRIII). Ao Expresso das Ilhas, a secretária executiva do CCS-SIDA, Maria Celina Ferreira, ressalta a importância do conhecimento e da prevenção na manutenção desses números.
“Falamos de atitudes e comportamentos em relação à vida quando tratamos do HIV. A baixa prevalência do HIV entre adolescentes em Cabo Verde é resultado do alto nível de conhecimento que os jovens têm sobre a prevenção do HIV, além do trabalho colaborativo com entidades parceiras na promoção da saúde sexual e reprodutiva”, afirma.
“Em termos de dados programáticos do Ministério da Saúde a prevalência do VIH no seio dos adolescentes é muito residual ao longo dos anos e em 13 adolescentes seropositivos ao VIH existem 100.000 adolescentes seronegativos”, reforça.
Um factor fundamental para o sucesso na prevenção do HIV, diz, é a inclusão de módulos e conteúdos de prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), incluindo o HIV, em todas as escolas do país, bem como o reforço das competências sociais dos adolescentes para manterem estilos de vida saudáveis.
O relatório do IDSRIII revelou que 32,7% dos adolescentes do sexo masculino e 43,4% das adolescentes do sexo feminino nunca tiveram relações sexuais, destacando isso como um factor de proteção contra o HIV entre os jovens nacionais.
“Com o ritmo de vida actual, o uso acelerado das novas tecnologias e a vulnerabilidade socioeconómica devido à crise, os educadores e pais estão perdendo cada vez mais o controlo do acompanhamento e da orientação dos filhos. É fundamental o reforço do acompanhamento de proximidade dos adolescentes, com intervenções que incluam informações correctas e a atribuição de responsabilidades aos jovens na gestão da sua sexualidade”, ressalta.
Enfrentando, os desafios da rápida mudança na sociedade, a CCS-SIDA e os seus parceiros adaptam constantemente as suas abordagens para envolver os adolescentes de forma eficaz, reconhecendo-os como agentes activos e parte do processo.
No entanto, Maria Celina Ferreira avança que há desafios adicionais, como a inclusão de adolescentes pertencentes à comunidade LGBTQIA+, que enfrentam estigma e discriminação nas suas famílias, escolas e comunidades. Para avaliar a eficácia dos seus serviços, o CCS-SIDA realiza uma escuta activa dos jovens e conduz inquéritos para avaliar a satisfação em relação aos serviços prestados.
“Procuramos constantemente melhorar os serviços destinados aos adolescentes, monitorando os indicadores que medem o início das relações sexuais, as taxas de prevalência e incidência do HIV e a taxa declarada de uso de meios de prevenção”, revela.
Factores que contribuem para a propagação do HIV entre adolescentes
Segundo a directora executiva da Associação Cabo-verdiana de Protecção da Família (VERDEFAM), Elizabete Xavier, são vários os factores que têm contribuído para a disseminação do HIV entre os adolescentes, incluindo o início precoce da vida sexual.
“Aqueles que iniciam relações sexuais precoces têm probabilidade de ter mais parceiros sexuais, o que predispõe à contracção do HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, além da gravidez precoce, que envolve maior comportamento de riscos”, explica.
Outros factores incluem a não realização de testes de HIV periódicos e o não uso consistente de preservativos nas relações sexuais, influência dos pares e a abordagem da sexualidade no contexto familiar. Xavier também mencionou o “pensamento mágico”, que leva alguns adolescentes a acreditar que o HIV é algo que acontece apenas aos outros.
No que se refere ao aumento da consciencialização e o acesso a testes de HIV entre adolescentes, a directora executiva da VERDEFAM realça a importância da educação sexual nas escolas.
“Abordar a saúde sexual nas escolas, criar mais espaços de informação nas escolas e nas comunidades, além de trabalhar em parceria com associações comunitárias, Ministérios de Saúde e Educação, são medidas fundamentais”, acredita.
Elizabete Xavier recomenda ainda a criação de programas e disciplinas específicas nas escolas, parcerias com estruturas de saúde e a formação de técnicos especializados. A criação de grupos de pares nas escolas e comunidades é uma estratégia eficaz para informar e consciencializar os adolescentes sobre a importância dos testes de HIV.
Além disso, a criação de gabinetes de educação sexual, bem como programas de orientação sexual, género e prevenção de infecções, é essencial para garantir o acesso a informações e apoio adequados.
Desafios na prevenção na adolescência
Conforme a directora executiva da VERDEFAM, ainda há muitos tabus em relação à abordagem da sexualidade e saúde sexual e reprodutiva. A falta de espaços adequados ou insuficientes nas estruturas de saúde destinados a adolescentes representa um desafio.
“Profissionais capacitados na orientação e aconselhamento sobre a matéria, trabalhar junto da família, comunidade e adolescentes, questões ligadas à procura de informação nos lugares adequados, desmistificar o conceito de Sexualidade, ver como algo natural inerente ao ser humano”, especifica.
Entretanto, a VERDEFAM tem vários programas e recursos disponíveis para apoiar adolescentes que vivem com o HIV. A instituição tem um eixo de intervenção dedicado a adolescentes e jovens, com uma equipa multidisciplinar que trabalha na área da saúde sexual e reprodutiva.
Há também jovens voluntários do Movimento de Acção Jovem (MAJ) que colaboram na prevenção e capacitação em educação sexual abrangente nos bairros e escolas. A instituição oferece uma linha de apoio (8002200) para assistência e suporte aos adolescentes.
“Temos o programa ‘Fronteiras e Vulnerabilidade ao VIH na África Ocidental – FEVE IMPULSE’ e o programa ‘Investindo para alcançar a eliminação do Paludismo e impacto na luta contra a Tuberculose e VIH-SIDA em Cabo Verde”. Consultas médicas e psicológicas, apoios psicossociais são disponibilizados a estes jovens de forma gratuita. Encaminhamento para outras estruturas, com seguimento dos nossos técnicos em caso de necessidade de outros apoios, não suportados pela instituição”, acrescenta.
Papel da educação sexual na redução da incidência do HIV e outras IST
De acordo com a sexóloga Sandra Gonzalez, a Educação Sexual tem um grande impacto na prevenção do HIV e IST, uma vez que a adolescência é uma fase de “profundas” mudanças, tanto físicas quanto psicológicas.
“Os adolescentes experimentam uma mudança a nível físico, muitas mudanças, principalmente na genitália. Eles experimentam um festival de hormónios, entram na puberdade, os rapazes têm a sua primeira ejaculação espontânea. Então começam a ver mudanças nos seus corpos de criança para adulto e isso traz, sim, um despertar de uma curiosidade sexual”, explica.
“Na adolescência é quando começamos a definir a nossa identidade, acompanhando o desenvolvimento da nossa personalidade e a nossa identidade sexual também. É uma idade de experimentação onde, se não tiverem informações correctas sobre todos os meios de protecção disponíveis e de como essas experiências podem ser atravessadas de forma segura, o desconhecimento pode levar ao aumento do contágio de doenças, incluindo o HIV”, alerta.
Sandra Gonzalez sublinha a necessidade de acesso à informação adequada, pois, sem orientação adequada, os adolescentes podem expor-se a riscos desnecessários durante esse período de descoberta e exploração.
A sexóloga ressalva que é importante os pais e os professores desempenharem um papel activo na educação sexual dos adolescentes.
“Os pais, muitas vezes, sentem vergonha de falar sobre este assunto. Então, devem procurar um especialista e perguntar como podem conversar com os seus filhos sobre a sexualidade”, aconselha.
Isto porque, a adolescência é um momento em que os jovens começam a afastar-se dos padrões dos adultos, buscando descobrir a sua identidade e afirmar-se na sociedade. Apesar desse desejo de independência, os pais têm a responsabilidade de abordar a sexualidade com os seus filhos de maneira aberta e informada.
“Isso inclui conversas sobre como se proteger adequadamente, bem como o uso de contraceptivos, como o preservativo, sendo o único meio de proteção que previne não apenas a gravidez, mas também as IST”, completa.
Gonzalez diz que é importante uma abordagem sensível quando se fala sobre a sexualidade com os adolescentes.
“Devemos focar mais em perguntar aos adolescentes se há algo que lhes preocupa. Quando impomos a nossa maneira de fazer as coisas, psicologicamente, propriamente pela etapa, eles resistem. É melhor adoptar uma abordagem do tipo: “Queres conversar sobre algo? Se algo te preocupa, saiba que estou aqui por ti, estamos abertos a ouvir”, aconselha.
A sexóloga, que também é psicóloga, observa que é vital prestar atenção aos sinais que os adolescentes dão, como isolamento, recusa em participar em eventos familiares, passar muito tempo ao telemóvel, mudanças radicais de humor e perda de apetite.
“Não podemos invadir a privacidade deles, mas devemos estar atentos aos sinais e garantir que eles saibam que têm alguém com quem conversar quando precisarem”, indica.
Sandra Gonzalez argumenta que o foco deve ser na prevenção, destacando que os adolescentes muitas vezes aceitam relações sexuais não desejadas devido a pressões sociais, curiosidade ou influência do grupo.
Também enfatiza que a educação sexual não introduz a ideia na mente dos adolescentes, mas esclarece dúvidas e coloca informações essenciais à disposição deles.
______________________________________________________________
O HIV é um vírus com dois principais subtipos: HIV-1 e HIV-2. O HIV-1 é amplamente disseminado em todo o mundo. Por outro lado, o HIV-2 é mais comum em algumas regiões específicas, principalmente na África Ocidental, onde é endémico.
Ambos os subtipos são transmitidos de maneira semelhante, principalmente através de relações sexuais desprotegidas, exposição ao sangue e transmissão perinatal. No entanto, o HIV-2 é menos infeccioso que o HIV-1 e está associado a níveis mais baixos de viremia.
Além disso, a libertação de vírus na região genital é menor em pacientes infectados com o HIV-2, tornando a infecção por via sexual menos eficiente.
Segundo a OMS, além de menos infeccioso, a fase assintomática da infecção pelo HIV-2 é mais longa que no HIV-1, levando em média 14 anos para progredir para SIDA, em comparação com os 6 anos do HIV-1.
Uma pessoa infectada pelo HIV pode viver com o vírus por muitos anos sem desenvolver sintomas. A SIDA, por outro lado, é o estágio mais avançado da infecção pelo HIV e ocorre quando o sistema imunológico enfraquecido leva a infecções oportunistas, devido à baixa imunidade causada pelo vírus.
______________________________________________________________
Cabo Verde busca eliminar a transmissão vertical do HIV-SIDA e acabar com a doença até 2030. O país pretende obter a certificação de eliminação da transmissão vertical do HIV-SIDA em 2024, conforme divulgou a secretária executiva do CCS-SIDA num evento realizado em Setembro de 2022.
Na altura, Maria Celina Ferreira destacou que esse objectivo é alcançável e requer a participação de todos, incluindo pessoas vivendo com VIH, sociedade civil e outros actores.
Apesar de ter uma baixa prevalência do HIV, Cabo Verde ainda enfrenta desafios, especialmente entre grupos vulneráveis e os esforços de combate à SIDA são direccionados principalmente a esses grupos.
O V Plano Estratégico de Luta contra a SIDA 2022-2026 tem um orçamento de 16 milhões de euros, com o Governo contribuindo com cerca de 40%, e o restante vindo de organizações como o Fundo Global, o Sistema das Nações Unidas e a OMS.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1142 de 18 de Outubro de 2023.