Começo por lhe perguntar sobre o programa de eficiência hídrica que a Águas de Santiago (AdS) está a implementar. O que é e como é que vai funcionar?
Este programa faz parte de um conjunto de cinco grandes programas que nós temos na AdS e que tem como objectivo trabalhar para melhorar a sustentabilidade da empresa. Como sabem, a ADES é uma empresa que entrou em actividades em 2016 e tem a função, conforme o seu estatuto, de fazer a operação e a manutenção dos sistemas de água e saneamento aqui na Ilha de Santiago. Tem um contrato assinado com os municípios, que é um contrato de gestão e nele a responsabilidade para fazer os investimentos é dos municípios e do governo. A AdS tem a responsabilidade de fazer a operação e a manutenção dos sistemas. Não obstante isso, nós temos vindo a trabalhar com propostas de melhoria das infraestruturas que têm como objectivo a sustentabilidade da empresa. É um dos cinco programas que nós temos. Também temos o programa de produção e disponibilidade de água, temos o programa de extensão e densificação de redes, o programa de eficiência hídrica e de gestão de perdas, o programa de eficiência energética e de energias renováveis e o programa de recolha e tratamento das águas residuais. São as cinco âncoras que nós pensamos ser necessárias para garantir a sustentabilidade da empresa. Falando especificamente do programa de eficiência hídrica e de gestão de perdas, tem essa função principal de melhorar a eficiência hídrica, como o nome já diz, dos sistemas de água e saneamento. O que isso quer dizer? Quer dizer que nós precisamos melhorar todos os nossos sistemas por forma a transportar e a distribuir a maior quantidade de água em menor tempo possível e menor custo possível. E dentro disso, um dos aspectos fundamentais são as perdas. E as perdas, quando nós falamos das perdas, nós falamos das perdas totais, porque existem as perdas físicas, que ocorrem nas redes, mas também existem as perdas comerciais que ocorrem, sobretudo a partir dos contadores das residências e principalmente em Santiago, na Praia, em primeiro lugar, a questão do roubo de água. Portanto, nós estamos a trabalhar tanto neste sentido de melhorar as perdas e, por isso, nós criamos esse programa de eficiência hídrica que vai trabalhar sobretudo na redução das perdas físicas e comerciais aqui na ilha de Santiago.
Uma das grandes reclamações dos consumidores, principalmente aqui na Praia, é a falta de água na rede durante 24 horas. A AdS tem uma estimativa de quando é que isso virá a acontecer, esse abastecimento de água em pleno?
É o grande desafio, o grande objectivo que nós temos. Melhorar e aumentar o abastecimento e que se insere no nosso primeiro grande pilar, que é produção e disponibilidade de água. Neste momento ainda não temos, e creio que aqui em Cabo Verde não existe um município que tenha água 24 horas na rede, mas é um objectivo a que temos de chegar, até porque vai melhorar substancialmente a vida útil das infraestruturas. Uma coisa é uma infraestrutura trabalhar sob pressão interna durante 24 horas e outra coisa é a intermitência que provoca uma variação de pressão interna, o que diminui consideravelmente a vida útil do sistema. Então, ter água 24 horas na rede não só é bom para os clientes, como também é bom para os sistemas e para a AdS. Mas isso tem vindo a melhorar. Repare que há uns 7 anos atrás, nós tínhamos uma captação em Cabo Verde, em Santiago, a maior ilha, a rondar os 43 litros por pessoa/dia. Neste momento nós já estamos com 73 litros por pessoa/dia. O nosso principal objetivo é chegar aos 90 litros por pessoa/dia. A Organização Mundial de Saúde diz que o mínimo deve ser 40. Portanto, o caminho está a ser feito e, no futuro, creio que há de chegar na disponibilidade de água 24 horas por dia na ilha de Santiago.
Mas, entretanto, continuam os cortes no abastecimento que às vezes se prolongam muito no tempo.
Estamos a falar da intermitência. Sim. Muitas vezes nós temos ainda bairros que, infelizmente, nós abastecemos duas vezes por semana ou uma vez por semana. Neste caso, o grande desafio que nós temos é de fazer a gestão da água e dos bairros durante esse processo de intermitência para evitar que algum bairro tenha água em excesso e outro tenha em diminuto. Portanto, esse equilíbrio é o grande desafio que nós temos. Mas o processo é caminhar para aumentar a disponibilidade e ter a água disponível em 24 horas. Quero aqui também dizer o seguinte: na Praia, em particular, não é a AdS que produz a água, é uma outra empresa que produz a água e essa água é vendida à AdS, que faz depois a distribuição em baixa. Portanto, também dependemos um pouco dessa variável.
E como é que têm estado as relações entre a AdS e a Electra?
Têm sido normais, boas. O nosso principal parceiro é a Electra. Nós compramos-lhe a água em alta e fazemos a distribuição. Nós somos um dos principais clientes da Electra em matéria de energia. Temos várias estações elevatórias de água para transportar a água dos pontos mais baixos aos pontos mais altos. A orografia da ilha exige que assim seja. E nós somos um dos principais clientes da Electra em matéria de compra de energia, além de compra de água em alta. Portanto, tem sido uma relação boa. São duas empresas pertencentes ao Estado de Cabo Verde. As relações são normais.
Já houve alturas em que houve alguma troca, acusações, por assim dizer, por causa da questão do abastecimento de água.
Eu não creio que tenha havido troca de acusações. Tem havido uma discussão normal entre dois clientes. Entre um que fornece e outro que compra. Entre um que fornece um produto e outro que também tem que pagar o produto. E dentro disso existe um grande problema que são as perdas de água e as infraestruturas. Aqui temos que lembrar o seguinte. É que todas as infraestruturas, ou se calhar 99% das infraestruturas de água existentes na Praia foram transferidas da Electra para a AdS há pouco mais de 6, 7 anos. Portanto, o problema de perdas que existe na Praia é um problema que vem de há muito tempo. Das infraestruturas que não foram feitas no passado. E essa separação veio a pôr a nu um problema muito importante, que são as perdas. Antes ninguém falava de perdas. Hoje fala-se de perdas. Hoje as perdas são quantificadas. Nós quantificamos as perdas e nós sabemos quanto de perdas comerciais existe na Praia e quanto de perdas físicas existe na Praia, porque há um trabalho que está a ser feito dentro desse programa de eficiência hídrica, exactamente para quantificar e saber onde estamos. Até porque é para poder fazer os investimentos que têm que ser feitos, até para que os accionistas, neste caso a Câmara Municipal e o Governo, possam ter em mãos os instrumentos técnicos necessários para saber fazer e dar as prioridades que são necessárias aos investimentos. Portanto, a relação com a Electra é normal, de colaboração mútua. Quando a Electra precisa de algum equipamento que nós temos, nós entregamos e vice-versa. É claro que há um lado comercial que tem que ser resolvido e estamos a gerir esse processo que vai sendo resolvido em parceria com o accionista comum, que é o Estado de Cabo Verde.
Falava da infraestrutura. Qual é o estado da rede de distribuição e qual a responsabilidade da infraestrutura nas perdas que a AdS tem.
O estado de arte das infraestruturas de água na ilha, de uma forma geral, é desafiante e preocupa-nos muito. E a sustentabilidade da empresa está a depender do estado de arte das infraestruturas. Na cidade da Praia, só para se ter uma ideia, as perdas de água estão mais relacionadas com o estado das infraestruturas. Representa 50% do total de perdas. Tanto é que estamos com o programa de eficiência hídrica. São infraestruturas obsoletas, são vários tipos de materiais. Nós temos neste momento na Praia 5 tipos diferentes de materiais nas redes e isso é que tem causado muitas rupturas. Estamos a substituir muitos troços. Já temos identificados cerca de 180 troços das redes que vamos substituir. Neste momento fizemos intervenções na Várzea e estamos em Palmarejo. Vamos depois passar para a zona da Achadinha. E temos já identificados, em toda a cidade, os vários pontos onde vamos substituir as redes para garantir melhor distribuição. Havendo menos ruptura há menos perda de água e menos problemas para os nossos clientes.
E em termos de roubo de água, tem uma quantificação de quanto isso significa para as perdas da empresa?
Nas perdas totais ronda os 60%. Portanto, são elevadíssimos. E nós temos que estar a trabalhar com empresas para fazer o desmantelamento dos roubos de água. Com algum sucesso, em alguns casos. Com outros, não temos tido sucesso, pela agressividade que normalmente as nossas equipas são recebidas nos bairros. Nós temos sempre que estar acompanhados pela polícia. Mas é um trabalho que não vamos parar e vamos continuar a fazer.
A Electra conseguiu promover a criminalização do roubo de electricidade. A AdS está a trabalhar nisso também?
A informação que eu tenho é que a legislação para roubo de água não existe. Ou seja, roubar electricidade é crime, roubar de água não é. Mas isso, portanto, cabe aos deputados na Assembleia a analisar melhor. Porque o roubo de água põe em causa toda a distribuição numa cidade inteira. Nós estamos a falar de uma cidade de mais de 150 mil habitantes, e o roubo de água em pontos hidráulicos importantes, pode pôr em causa toda a distribuição, danifica as infraestruturas, cria pontos fracos dentro delas e, com a pressão, esses pontos começam a rebentar, e depois a culpa é sempre da AdS. Temos estado a falar disso com o governo, em primeiro lugar, para ver a possibilidade de também criminalizar o roubo de água, e não só a danificação das infraestruturas.
Em termos de esgoto e saneamento, qual é a situação e quais são os planos da AdS?
Neste momento, cerca de 30% do esgoto é tratado. Nós temos, na Ilha de Santiago, 5 estações de tratamento de esgoto, que fazem o tratamento primário do esgoto, e algumas estações também fazem o tratamento secundário. O tratamento de esgoto passa por 3 etapas fundamentais, primário, secundário e terciário que é quando a água é reutilizada na agricultura. Temos estado a propor aos accionistas mais investimentos para a recolha e tratamento do esgoto. A boa notícia é que há um projecto que está a ser financiado pela cooperação com a Hungria, que vai fazer a reabilitação e a melhoria das ETAR da ilha. Sobretudo a ETAR da Praia, do Tarafal e de Santa Cruz.
A ETAR da Praia é a do Palmarejo? Está a funcionar?
Sim. Está a funcionar em tratamento primário. A ideia é reabilitar essa estação e introduzir o tratamento terciário. Quero dizer com isso que a água será aproveitada para a agricultura, para a construção civil e outras atividades. Portanto, estamos a aguardar que esse projecto inicie, para fazer essa reabilitação. Também temos a informação de outro projecto, financiado pelo BAD, cujo concurso já foi lançado, e que, em princípio, vai arrancar no próximo ano. Vai incidir, sobretudo, na Praia com a extensão e melhoria da rede de esgoto e na ETAR. Vai complementar os trabalhos que nós temos estado a fazer no âmbito do programa de eficiência hídrica e de extensão de rede. São projectos que estamos a aguardar com alguma ansiedade tendo em conta o estado e a necessidade de expansão das redes de esgoto aqui na cidade da Praia.
Há também um problema de civismo...
Basta ver as nossas publicações de entupimentos de zonas de esgoto. Eu diria que mais de 90% dos entupimentos das redes de esgoto são por causa da má utilização do esgoto. Na cidade da Praia, sobretudo. Nós temos encontrado de tudo nas redes de esgoto. Nós temos encontrado panos, fraldas, pedaços de carne e peixe, um pouco de tudo. Nós temos feito muitas campanhas sensibilizando as pessoas a não utilizar o esgoto como lixo. Mas tem sido um desafio muito grande e muitas vezes não temos tido o sucesso que gostaríamos.
Falando agora de uma questão de saúde pública como é o caso da dengue e dos casos que já foram confirmados na cidade da Praia. Qual é o papel da AdS na prevenção desta doença?
Nós vamos fazer aquilo que nós temos estado a fazer, que é cuidar da água, cuidar bem da água. Não obstante sabermos que as larvas não têm muito sucesso no esgoto devido ao excesso da matéria orgânica. As larvas vivem em água limpa e parada. Vamos continuar a reforçar aquilo que nós temos feito, que é cuidar da água, não deixar a água estagnar, prevenir tapando onde existem pontos que podem eventualmente ter uma estagnação de água, intervir com rapidez onde há alguma ruptura, para evitar estagnação de água nas ruas. Vamos apelar às pessoas em casa, através dos meios que nós temos de comunicação com os nossos clientes, para a prevenção. Mas basicamente vamos continuar a trabalhar e a reforçar aquilo que temos feito, que é cuidar e cuidar bem da água.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1146 de 15 de Novembro de 2023.