Novo salário mínimo com impacto na vida das pessoas ou nem por isso?

PorSheilla Ribeiro,21 jan 2024 8:57

A partir do final deste mês entrará em vigor uma alteração nos salários dos trabalhadores cabo-verdianos, impulsionada pela política de rendimentos e preços no Orçamento de Estado para 2024.

Com o aumento do salário mínimo na Função Pública de 15 mil escudos para 16 mil escudos e no sector privado de 14 mil escudos para 15 mil escudos, os empregadores enfrentam a necessidade de desembolsar mais mil escudos para manterem os seus funcionários. Enquanto alguns celebram essa mudança como um avanço positivo, outros destacam os desafios que podem surgir durante a implementação deste novo patamar salarial.

Na sequência do anúncio do aumento do salário mínimo, trabalhadores de diferentes sectores revelam, ao Expresso das ilhas, as suas experiências relativamente às mudanças salariais.

Ana (nome fictício), que trabalha como empregada doméstica, ganha actualmente dez mil escudos com a sua patroa. Embora o seu salário não atinja o antigo e muito menos o novo mínimo, Ana diz aceitar este valor devido às dificuldades em encontrar trabalho constante.

“Entro às 09h00 e saio às 19h00 de segunda a sábado. Não há muita oferta de trabalho e tenho de aceitar o que aparece. Apesar de não ter um contrato, espero que a minha patroa aumente o meu salário com o novo mínimo. Pelo menos mais mil escudos”, diz.

Já David (nome fictício) trabalha das 08h00 às 16h00 como vigilante. Este trabalhador recebe 17 mil escudos mensais, um pouco acima do salário mínimo, razão pela qual acredita que não terá nenhum aumento nos próximos tempos.

“Os salários devem aumentar, independentemente do salário mínimo. Tenho muitos colegas que ganham salário mínimo e outros não ganham nem sequer o mínimo. Kau sta mau, as empresas deviam ser um pouco mais sensíveis com a situação do trabalhador”, aponta.

Aliás, David menciona a falta de cumprimento dos Preços Indicativos de Referência (PIR) em alguns postos de trabalho, criticando a inação dos sindicatos e da Direção-Geral do Trabalho.

Mais do que apenas focar no salário mínimo, o vigilante aponta a necessidade de uma revisão mais abrangente das condições de trabalho e das práticas das empresas e sugere uma abordagem mais proativa por parte das autoridades.

Apesar de reconhecer que as denúncias dos trabalhadores são geralmente atendidas, David destaca a importância de melhorar as condições de trabalho, especialmente para os vigilantes noturnos.

“Os vigilantes noturnos deveriam estar a ganhar pelo menos 20 ou 25 mil escudos. Mas, não é isso que acontece, o vigilante para ganhar 20 ou mais só se for com gratificação. Aliás, deviam não apenas ter melhor salário, mas serem gratificados com consultas, mediante parcerias, com algumas clínicas”, considera.

Segundo relata este entrevistado, o trabalho noturno pode ter impactos na saúde dos trabalhadores, desde problemas no estômago devido à má alimentação até distúrbios do sono.

Por sua vez, Maria (nome fictício) revela que recebe o salário mínimo de 15 mil escudos e diz-se contente com o aumento para 16 mil escudos.

“Mil escudos de diferença não é muito, mas é melhor do que nada. Dois mil escudos seriam ainda melhores, considerando o aumento dos preços dos produtos”, ressalta.

Preocupações entre empregadores

Hamilton Gomes, um empregador com uma equipa de 10 funcionários, afirma que há muito tempo o valor do actual salário mínimo vem sendo aplicado e que muitos sectores do privado já não pagavam apenas 14 mil escudos.

“A maioria das empresas já paga os 15 mil escudos ou até mais e até dão algum bónus aos funcionários como forma de os manter, porque todos os trabalhadores querem ir para a Europa. Há muito que 15 mil escudos não é um salário digno para os trabalhadores em Cabo Verde. Na restauração, por exemplo, se o empregador não pagar entre 22 e 25 mil escudos, ninguém aceita trabalhar. Se aceitar, é porque não é alguém formado na área”, assegura.

Hamilton Gomes conta que actualmente todos os seus funcionários ganham 20 mil escudos, além dos outros benefícios definidos nos termos da lei, razão pela qual justifica não poder aumentar o valor que paga actualmente.

“São poucas empresas que ainda pagam o salário mínimo de 14 mil escudos. Até diria que as empregadas domésticas são as que mais recebiam este valor”, acrescenta.

Para este empregador, faz falta a existência de carteira profissional que permitiria conhecer o histórico do trabalhador e facilitar o processo de recrutamento.

“Há muitos trabalhadores em situação de vulnerabilidade que desconhecem as linhas de denúncia. Outros não denunciam porque não temos uma linha, ou uma organização independente para fiscalizar e fazer cumprir o pagamento do salário mínimo. Enquanto temos a Inspecção-Geral do Trabalho e a Direcção-Geral do Trabalho acautelados por um Ministério do Trabalho, será difícil fazer fiscalização e obter resultados”, presumi.

O Expresso das Ilhas também ouviu Ariana Pereira, proprietária de um jardim de infância em Ponta D’Água, cidade da Praia. Embora considere justo um aumento salarial, Pereira afirma que a quantia proposta ainda é insuficiente para cobrir as necessidades básicas dos trabalhadores.

“Acho até que é pouco porque 15 mil escudos para viver dá que pensar. É pouco para o custo de vida actual, para as necessidades básicas. Alimentação, água, luz, não compensa», profere.

Ariana argumenta que compreende a importância de melhorar as condições salariais, mas há empresas, como a dela, que enfrentam desafios específicos. No caso do seu jardim de infância, as monitoras vão além das suas atribuições, contribuindo para a preparação das refeições das crianças para evitar a contratação de mais pessoal.

“No meu caso, vai mexer com as minhas contas porque aqui no meu espaço as monitoras fazem além daquilo que é o seu trabalho. Por isso, mesmo com o salário mínimo anterior, todos os meses fazia um jeitinho para acrescentar algo mais do que eu já pagava”, explica.

Conforme destaca, para manter a motivação dos funcionários, não pretende deixar de pagar as gratificações. Contudo, diante das novas despesas, Ariana planeia estudar alternativas e estratégias para lidar com o aumento salarial.

“Temos de cobrar um preço abaixo do mercado para que as pessoas possam pagar, aplicamos o preço conforme as condições de cada família”, especifica, acrescentando que enfrenta o desafio adicional de operar num bairro onde a maioria das famílias enfrenta dificuldades financeiras.

A empresária pretende envolver os pais no processo, consciencializando-os sobre as dificuldades enfrentadas e discutindo a possibilidade de um aumento nas mensalidades.

“Temos de falar com os pais e tenho esperança de que vão entender caso optemos pelo aumento da mensalidade. Caso contrário, dificilmente continuarei a pagar as gratificações às minhas funcionárias”, admite.

“Não quero trabalhadores desmotivados. Para mim, em qualquer instituição, o maior investimento são os recursos humanos que têm de estar motivados e com vontade de trabalhar”, conclui.

IGT

Conforme o Inspector-Geral do Trabalho (IGT), Anildo Fortes, a instituição tem informado trabalhadores, empregadores e cidadãos em geral sobre o aumento dos salários mínimos, destacando a importância de todos estarem cientes da nova regulamentação.

image

Isto porque, prossegue, apesar da publicação no Boletim Oficial, nem todos têm acesso a essa fonte e, por isso, estão a utilizar meios de comunicação social, redes sociais, rádio e televisão para disseminar as informações.

“A questão do salário mínimo faz parte dos itens das nossas fichas de visitas, portanto, é algo corriqueiro. Vamos aguardar para o final do mês, em que as empresas começam a pagar o primeiro salário, este ano com esta nova alteração, para iniciarmos as nossas visitas inspectivas com foco, também na questão do salário mínimo, sem descurar os outros itens”.

“Nomeadamente, o cumprimento da obrigação com a segurança social, a questão dos horários, a questão dos equipamentos de protecção individual, férias, o seguro obrigatório de acidentes de trabalho, que é um diploma relativamente novo”, elucida.

Anildo Fortes reconhece, contudo, a complexidade das inspecções no que se refere às empregadas domésticas, devido ao ambiente específico em que trabalham.

Além das empregadas domésticas, Fortes ressalta a necessidade da regulamentação no sector da construção civil, visando reduzir a informalidade e melhorar as condições de trabalho.

Quanto às queixas recebidas, o Inspector-Geral do Trabalho menciona uma variedade de questões, incluindo falta de pagamento de INPS, não pagamento de horas extras e problemas relacionados a equipamentos de protecção individual.

Fortes precisa que, embora no início da aplicação dessa lei tenha havido muitos casos de incumprimento do salário mínimo, actualmente, esses casos são esporádicos.

Nesse sentido, encoraja os trabalhadores a denunciarem qualquer violação, reiterando a importância de ligar para a linha gratuita (82727) para pedir informações e solicitar intervenção.

___________________________________________________________________________________

Trabalhadores domésticos

Para a presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Comércio, Domésticos e Serviços, Ângela Lopes, o aumento do salário mínimo é um passo significativo que deveria ter sido conquistado há muito tempo.

Segundo observa, após várias crises que impactaram negativamente a situação dos trabalhadores, esse acréscimo no salário mínimo é uma medida razoável e oportuna. No entanto, salienta que o verdadeiro desafio estará no cumprimento efectivo desse valor pelas entidades empregadoras.

“É um aumento razoável que afectará de forma positiva a vida dos trabalhadores domésticos, proporcionando um apoio importante. No entanto, o problema reside no cumprimento do pagamento do salário mínimo, representando um desafio adicional para os trabalhadores domésticos”, enfatiza.

image

A líder sindical destaca que historicamente muitos empregadores não cumpriram sequer o salário mínimo anterior, tornando o cumprimento do novo valor um desafio ainda maior.

Nesse sentido, alerta para o risco de alguns trabalhadores domésticos perderem os seus empregos, dado o contexto desfavorável tanto para empregadores quanto para empregados.

De acordo com Ângela Lopes, há uma diversidade de situações entre os trabalhadores domésticos, desde aqueles que já recebem o salário mínimo estipulado por lei até os que, em regime de meio período, recebem valores inferiores.

Além do aumento do salário mínimo, a presidente daquele Sindicato aponta outros desafios enfrentados pela classe, como os descontos da providência social, despedimentos abusivos e atrasos no pagamento salarial, destacando a necessidade de as entidades empregadoras serem empáticas e cumprirem o que foi estabelecido.

O sindicato apela às entidades empregadoras para considerarem as vulnerabilidades da classe trabalhadora e compreendam que o salário mínimo é um apoio crucial que aliviará muitos trabalhadores de situações difíceis.

Em caso da não conformidade com o pagamento do novo salário mínimo, o sindicato reafirma o seu compromisso em ouvir, aconselhar e orientar os trabalhadores, visando garantir que os seus direitos sejam respeitados e preservados.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1155 de 17 de Janeiro de 2024.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Sheilla Ribeiro,21 jan 2024 8:57

Editado porFretson Rocha  em  22 jan 2024 9:51

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.