“O saudoso Presidente Mascarenhas Monteiro terá sempre, segura, indiscutivelmente e por mérito próprio, um lugar cativo, na galeria das grandes figuras históricas de Cabo Verde”

PorAntónio Monteiro,17 fev 2024 9:23

O primeiro Presidente da II República completaria na próxima sexta-feira, 16 de Fevereiro, 80 anos de idade. Esta efeméride deu o mote à entrevista com Amílcar Spencer Lopes que foi o Presidente da Assembleia Nacional que conferiu posse ao antigo Presidente da República. Spencer Lopes recorda o estadista como um democrata convicto e coerente e um exemplo de rigor, exigência, visão de longo prazo e solidariedade social e institucional. “Ele era um homem de grandes qualidades: era inteligente, ponderado, discreto e, de mais a mais, uma pessoa bem formada e culta. Tinha, por isso, uma grande autoridade moral”, acentua Amílcar Spencer Lopes.

Mascarenhas Monteiro completaria no dia 16 de Fevereiro, 80 anos de idade. Foi o primeiro Presidente da Segunda República. E também o mais jovem na história do nosso país independente?

Sim, o Dr. António Mascarenhas Monteiro foi o primeiro Presidente da República de Cabo Verde a ser eleito por sufrágio universal e directo, em eleições livres, concorridas e participadas. Quando ele foi eleito, em 1991, contava 47 anos de idade. Parece-me, pois, que até agora, foi o mais jovem Presidente, de Cabo Verde.

Se foi o melhor Presidente já é outra questão.

Não gostaria de entrar por essa via de compará-lo com os demais. O que posso dizê-lo é que ele foi um bom Presidente da República. O homem certo, no momento certo, que desempenhou o cargo com muita dignidade e competência e a quem o país fica a dever, muitíssimo.

Qual é o legado de Mascarenhas Monteiro na Construção do Estado de Direito Democrático Cabo-verdiano?

O Presidente Mascarenhas Monteiro era um homem que sempre se preocupou com as condições, muitas vezes precárias, em que os cabo-verdianos viviam, nestas ilhas. Aquilo a que ele gostava de chamar o país real. Deste modo, uma vez eleito Presidente da República, procurou exercer essa alta magistratura a bem do país e dos cabo-verdianos. Primeiro, pelo exemplo de rigor, exigência, visão de longo prazo e solidariedade social e institucional. Ele era um homem de grandes qualidades: era inteligente, ponderado, discreto e, de mais a mais, uma pessoa bem formada e culta. Tinha, por isso, uma grande autoridade moral. Ele era, por outro lado, um democrata convicto e coerente. De modo que ele procurou trabalhar com todos os poderes instituídos – Assembleia Nacional, Governo, Poder Judicial, Municípios e representantes da Sociedade Civil, em geral, por forma a promover o desenvolvimento sustentável e duradouro, destas ilhas e favorecer o bem-estar económico, social e cultural, das populações, especialmente, das zonas rurais. Mas o desenvolvimento não é um caminho linear, nem a democracia um dado adquirido; há sempre progressos e retrocessos. Daí, a exigência de uma atenção permanente, alguma flexibilidade e acima de tudo, coerência, ao longo do processo. Penso que, graças aos atributos que ele possuía e a que me já referi, conseguiu exercer uma verdadeira magistratura de influência e velar para que o barco da nossa jornada quotidiana, prosseguisse, são e salvo, na senda da liberdade e da consolidação do nascente Estado de Direito Democrático.

O homem certo, no momento certo, que desempenhou o cargo com muita dignidade e competência e a quem o país fica a dever, muitíssimo.

A aprovação da Constituição de 1992 é tido como um dos acontecimentos importantes da Primeira República porque marcou a mudança de regime. Mas havia algumas reticências por parte de Mascarenhas Monteiro na promulgação da Constituição. Porquê?

A aprovação e entrada em vigor da Constituição de 1992 é um marco, na história recente, destas ilhas. Tenho por mim, que as três datas marcantes da jovem República de Cabo Verde são o 5 de Julho (1975), o 13 de Janeiro (1991) e o 25 de Setembro (1992). Não sei se “reticência” será o termo correcto, para expressar a posição do então Presidente, na altura. Ele entendia que a Constituição era boa. No entanto, achava que o processo da sua aprovação não teria sido o melhor, seja do ponto de vista da consecução de um maior e melhor consenso à volta da forma de Governo, seja do ponto de vista jurídico-formal. Aliás, ele expressou isso mesmo, num dos seus mais bem-conseguidos pronunciamentos, na mensagem que entendeu dirigir à Nação, na altura. Expostos os seus motivos, decidiu, no entanto, promulgar a lei constitucional, tendo em conta os superiores interesses do País.

Mascarenhas Monteiro, no seu discurso por ocasião da promulgação da Constituição, lamentou que o texto constitucional foi aprovado sem o concurso de todos os eleitos da nação.

Sim! Mas há que ver que, muito dificilmente, se conseguiria unanimidade, em matéria tão sensível. Para todos os efeitos, a exigida maioria qualificada tinha sido respeitada. Eu diria que, para alguma coisa, o povo cabo-verdiano tinha atribuído ao MpD essa maioria. E é esse, na minha maneira de ver, o grande significado do 13 de Janeiro: a expressão inequívoca, daquilo que a Ciência Jurídica chama de uma nova ideia do Direito.

Também afirmou que a uma Constituição não basta ser moderna. Ela tem de reflectir a sociedade para a qual se destina.

Bom, a verdade é que o Presidente da República tinha sido eleito no âmbito da Constituição de 1980, com as alterações que se lhe tinham sido entretanto introduzidas, de maneira a permitir a transição para a democracia. Deste modo, com a nova Constituição e a opção feita por um novo sistema de Governo, os poderes do Presidente ficaram, necessariamente, reduzidos. Ora, ele fora eleito e tomara posse sob a égide da antiga Constituição. Pensava, pois, que essas circunstâncias deviam ser ponderadas. Ele compreendeu, no entanto, que essa tal “nova ideia do Direito” tinha que prevalecer. Rigor não se confunde com rigidez.

Ele [Mascarenhas Monteiro] procurou trabalhar com todos os poderes instituídos – Assembleia Nacional, Governo, Poder Judicial, Municípios e representantes da Sociedade Civil

O que pensava MascarenhasMonteiro da nossa cabo-verdianidade?

Na minha opinião, a cabo-verdianidade era uma das ideias chaves do seu pensamento e da sua acção. Aparece citada em vários pontos dos seus pronunciamentos públicos e foi dele (do Presidente Mascarenhas Monteiro) a ideia da importante iniciativa “Verão 91 – Encontro da cabo-verdianidade”. Veja, a Independência Nacional trouxe-nos a libertação do jugo colonial, mas depois ficamos um bocado castrados na nossa liberdade de pensar, de exprimir livremente, de manifestar e debater questões relativas à nossa identidade. Com o advento da democracia, era urgente criar espaços de diálogo e participação, que envolvesse os cidadãos na nobre tarefa de concretização dos ideais democráticos e consolidação das instituições e do processo democrático. Ele entendia que a cabo-verdianidade – traduzida na consciência comum e sedimentada de usos, costumes, linguagem e outras formas de cultura – era factor aglutinador de toda a nação e condição da construção da própria democracia.

Na galeria das figuras históricas cabo-verdianas em que pedestal colocaria Mascarenhas Monteiro?

Não será apenas a minha opinião: O saudoso Presidente António Mascarenhas Monteiro terá sempre, segura, indiscutivelmente e por mérito próprio, um lugar cativo, na galeria das grandes figuras históricas de Cabo Verde.

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Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1159 de 14 de Fevereiro de 2024. 

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Autoria:António Monteiro,17 fev 2024 9:23

Editado porJorge Montezinho  em  18 fev 2024 14:32

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