Associações comunitárias intensificam esforços no combate à dengue

PorSheilla Ribeiro,30 jun 2024 13:56

Com cerca de 700 casos de dengue e aproximadamente 1.500 casos suspeitos, as associações comunitárias da Cidade da Praia intensificam os esforços para combater esta doença infecciosa.

Segundo dados do Instituto Nacional de Saúde Pública (INSP), São Filipe, Mosteiros e Praia são os municípios mais afectados, sendo a ilha do Fogo a mais impactada em comparação com Santiago.

Na semana passada, arrancou uma campanha de pulverização massiva do Ministério da Saúde que, até 9 de Julho, pretende chegar a 34.848 residências na Cidade da Praia. Também nesse período, o INSP promoveu uma formação para a capacitação de um conjunto de líderes comunitários da capital para a luta contra a dengue.

Estes, por sua vez, começam a mobilizar-se para implementar estratégias eficazes de prevenção e controlo, mesmo perante desafios nos seus respectivos bairros.

Eugénio Lima é um dos bairros que enfrentam desafios que dificultam o combate ao mosquito transmissor da doença.

Ao Expresso das Ilhas a presidente da Associação Comunitária de Achada Eugénio Lima(ACAEL), Ricardina Veiga, aponta que mesmo sendo um bairro grande, o mesmo não possui uma rede de esgoto e que o número de contentores de lixo é insuficiente para o número de moradores.

“Não temos uma rede de esgoto mesmo sendo um bairro grande. Temos no máximo uns cinco contentores para toda a população de Eugénio Lima. Isso faz com que o acúmulo de lixo seja constante e se o carro de lixo não fizer a recolha todos os dias, pior é a situação,” relata.

Associado à falta da rede de esgoto, surge o problema da água parada, uma vez que os moradores preferem despejar a água suja nas ruas, do que na fossa.

“As pessoas deitam toda a água suja das suas casas na rua, não apenas a água que usam para lavar o chão ou para lavar a loiça, mas também a água que usam para limpar os espaços onde criam os seus animais, como porcos, galinhas, etc. E essa água costuma acumular-se,” explica.

As obras feitas recentemente na encosta que desce para Achadinha permitiu que alguns moradores fizessem a ligação à rede de esgoto daquele bairro. Mas, a maioria ainda não possui esgoto adequado.

Com a chegada das chuvas, Veiga teme que a situação possa se agravar, aumentando a proliferação de mosquitos. Para mitigar este risco, a ACAEL planeia aproveitar a colónia de férias para educar as crianças sobre a importância da reciclagem e do embelezamento do bairro.

“Vamos trabalhar a reciclagem e a imagem do nosso bairro. Quando falamos da imagem do nosso bairro, engloba o embelezamento, limpeza e outros projectos,” diz.

Apesar dos esforços da associação, Veiga lamenta a fraca adesão dos moradores às campanhas de limpeza.

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“As pessoas de Eugénio Lima não aderem muito aos projectos como campanhas de limpeza, por exemplo, porque acham que o bairro está limpo. Mas não está”, “afirma, realçando a necessidade de maior participação comunitária e de apoio das autoridades para solucionar o problema do saneamento.

“Precisávamos de um reforço na apanha de lixo porque não adianta limpar se depois o lixo fica. O que queremos das autoridades é a solução para o saneamento. Já era para termos uma rede de esgoto. Há bairros muito mais recentes do que Eugénio Lima, mas que já têm redes de esgoto, e nós não,” reivindica.

Para prevenir a dengue, a associação está a organizar uma nova campanha de limpeza e uma conversa aberta com a população em parceria com a Delegacia de Saúde da Praia.

“Vamos realizar uma conversa aberta para falar com as pessoas e vamos aproveitar a oportunidade para anunciar a campanha de limpeza na comunidade,” conclui Veiga, ressaltando que com um sistema de saneamento adequado e uma gestão eficiente do lixo, a comunidade de Eugénio Lima pode vencer a luta contra a dengue.

Vala aberta e poucas casas de banho desafiam combate na Várzea

Assim como a ACAEL, a associação Black Panthers, na Várzea, está a mobilizar-se para combater a dengue com uma campanha de prevenção. Segundo o presidente daquela associação, Alcides Amarante, embora a situação do mosquito no bairro seja estável, há ainda uma certa preocupação.

Razão pela qual, este ano, o 44.º aniversário da associação será comemorado sob o lema ‘Black Panthers e comunidade juntos por uma Várzea sem mosquito de dengue’.

A campanha de prevenção envolverá toda a comunidade, com actividades programadas para o período de 17 a 31 de Julho, aproveitando as férias escolares para haver maior participação de crianças e jovens.

“Vamos formar 25 jovens voluntários durante 15 dias. Esses 25 jovens vão ser orientados por outros jovens devidamente formados pelo Ministério da Saúde para termos um forte impacto com a nossa campanha contra a dengue na comunidade,” explica Amarante.

Além da formação, a campanha incluirá visitas porta-a-porta para sensibilização, palestras na comunidade e actividades como o concurso da rua mais limpa da Várzea, com um prémio surpresa para incentivar a participação.

Para Amarante, a participação activa da comunidade é essencial para o sucesso de qualquer iniciativa de saúde pública. “Porque é impensável erradicar qualquer situação do tipo sem um trabalho forte de sensibilização. O governo e a câmara municipal, mesmo querendo investir, a comunidade precisa estar sensibilizada para não ficar um trabalho em vão”, considera.

A campanha também abordará questões estruturais de saneamento na Várzea. “Temos muitos problemas de saneamento na Várzea. Muitas pessoas não têm casa de banho. Temos muitos focos de água parada, principalmente na época de chuvas,” salienta.

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Alcides Amarante refere que a construção de casas de banho pela Câmara Municipal da Praia é uma boa iniciativa, mas questiona se será suficiente para atender a todas as necessidades do bairro.

O problema das casas de banho leva ao problema das valas que acabam por se tornar esgotos a céu aberto e um lugar para descarte de lixo. Nesse sentido, o presidente da Black Panthers defende a necessidade de cobrir as valas a céu aberto, especialmente nas proximidades da escola primária que atende centenas de crianças.

“Se não pensarmos em cobrir aquela vala, que começa ao pé do antigo liceu até Santa Aninha, todo o esforço que podemos fazer para combater a dengue pode ficar em vão”, presume.

Moradores relaxados e com falta de preocupação com sintomas e prevenção

O Expresso das Ilhas falou com alguns moradores de diferentes bairros que consideram que, embora a doença já tenha afectado muitos, a despreocupação com a prevenção e os sintomas prevalece.

Miguel Florêncio, morador de Ponta d’Água, apanhou dengue em 2010. O entrevistado descreve sintomas como dores de cabeça, febre e dores no corpo.

“Na altura, tomei apenas paracetamol durante sete dias”, narra. Apesar da experiência, Miguel admite estar relaxado relativamente à dengue.

“As pessoas estão relaxadas em relação à dengue, eu mesmo estou relaxado, não tenho assim tanta preocupação. Tão relaxadas que as pessoas nem sequer estão atentas aos sintomas. Nem me parece que sabem que não devem tomar anti-inflamatórios em caso de suspeita de dengue”, acredita.

Miguel Florêncio afirma que na sua vizinha não tem nenhuma preocupação quanto ao lixo e tratamento de água.

“Ponta d’Água tem muito lixo. As pessoas não estão a prevenir-se para que os mosquitos não cheguem perto das suas casas, não vejo isso na minha casa, nem na casa dos meus vizinhos”, reitera.

Já Geovane Lopes, morador de Safende, foi diagnosticado com dengue há cerca de duas semanas e diz que continua a recuperar-se.

“Senti muita febre, dores de cabeça, dores nos olhos, corpo em baixo e decidi ir para o hospital. Fiz umas análises de sangue e constou positivo para dengue. Fui o único na minha casa com esses sintomas”, descreve.

“Pelo que vejo no meu bairro, as pessoas não estão muito alarmadas com a dengue, muito pouca preocupação com esta doença, não há alarmes como havia no caso da COVID-19. Mas há alguns que tomam cuidado com a questão de água estagnada e redes nas janelas, a maioria nem por isso”, aponta.

Por sua vez, Claúdia Ferreira, moradora de São Pedro, nunca teve dengue, mas está ciente dos riscos.

“Nunca tive dengue, nem ninguém da minha família. Em São Pedro, não dei conta também de alguém que teve nos últimos meses”.

Cláudia diz que São Pedro sofre um grave problema de lixo, o que costuma atrair muitos insectos, inclusive mosquito. Mas não há problemas de água parada.

“No meu redor, por acaso, fazemos de tudo para manter a rua limpa, o problema é um contentor que fica bem perto e está sempre cheio e rodeado de lixo e assim fica um pouco mais complicado. Pelo que noto, muita gente não está com medo da dengue, não vejo tanto cuidado para prevenir”, observa.

Projecto Tintaedes busca financiamento para voltar ao activo

Em 2022, o projecto Tintaedes pretendia pintar 300 casas com tinta insecticida nos bairros da Várzea e Tira-Chapéu, numa estratégia de luta contra as doenças transmitidas por mosquitos.

A tinta Inesfly utilizada no projecto contém insecticidas que servem para matar mosquitos, aranhas, baratas e outros insectos, quer sejam rastejantes ou voadores.

Foram pintadas 228 casas entre Várzea e Tira-Chapéu no âmbito do referido projecto, devido aos contratempos como a forma que as casas foram pintadas, o tamanho das mesmas, entre outros.

O projecto que já foi concluído, procura-se agora financiamento para uma expansão.

“Estamos a buscar financiamento para um maior alcance do projecto que inclua também outras localidades e outras ilhas de Cabo Verde para demonstrar que a experiência funciona não apenas na Praia, mas também em outros lugares”, revela a coordenadora do Tintaedes, Lara Gomez.

Questionada sobre os resultados nos bairros abrangidos, Lara Gomez admite que o mesmo ainda é incerto uma vez que aquando da pintura das casas não havia surto de dengue.

“O que fizemos foi avaliar directamente a pintura nas paredes que estavam pintadas durante um ano para ver se os mosquitos morriam, e demos conta que, depois de um ano, ainda morria a maioria dos mosquitos. Mas não podemos fazer comparação porque na altura não havia a epidemia da dengue”, clarifica.

Segundo a investigadora de doenças tropicais, esta epidemia é causada principalmente pelo mesmo tipo de dengue que aconteceu em 2009 e 2010, que é a dengue 3.

“Significa que, de certa forma, a população tem alguma imunidade. Por isso, não há muitos casos graves. As pessoas estão a passar por dengue sem saber porque não são diagnosticadas”, afirma Lara Gomez.

Assim, a especialista apela à consciencialização e à colaboração da população para combater a epidemia.

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A dengue, segundo a Organização Mundial de Saúde, é uma doença viral transmitida por mosquitos Aedes, principalmente o Aedes aegypti. A doença apresenta sintomas como febre alta (40 °C); dor de cabeça intensa; dor atrás dos olhos; dores nas articulações, músculos e ossos, náusea e vómito; erupção cutânea; sangramento leve (ex.: nariz, gengivas).

Não há tratamento específico para a doença. Mas para o alívio dos sintomas, a OMS recomenda repouso, hidratação com água, sumos, soluções de hidratação oral, uso de paracetamol para febre e dor (evitar aspirina e ibuprofeno) e acompanhamento clínico para casos graves.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1178 de 26 de Junho de 2024. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,30 jun 2024 13:56

Editado porSheilla Ribeiro  em  6 set 2024 23:24

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