A possibilidade de Felisberto Vieira ser o embaixador de Cabo Verde em Cuba esbarrou no veto do Presidente da República.
Em comunicado, a Presidência veio explicar que logo após a sua investidura, “o Presidente da República, para evitar discricionariedade, pessoalização ou mesmo partidarização, definiu critérios muito claros e precisos para a ponderação sobre propostas de nomeação de Embaixadores Extraordinários e Plenipotenciários”.
No comunicado, a Presidência da República reconhece que “nos termos da Constituição da República, tais propostas [nomeação dos embaixadores] devem ser formuladas pelo Governo”, e explica que “os critérios atrás referidos foram partilhados com esse Órgão de Soberania e são, aliás, do conhecimento público”.
As linhas vermelhas
No comunicado, o Presidente da República traça algumas ‘linhas vermelhas’ que não pretende ver ultrapassadas no que respeita à nomeação de embaixadores:
“para a chefia de Missões Diplomáticas, o Presidente da República concede preferência a Diplomatas de Carreira, respeitados, naturalmente, os requisitos que o seu Estatuto específico impõe, como seja a categoria mínima; em se tratando de propostas de individualidades que não pertençam à Carreira Diplomática, ou seja, os casos de propostas de Embaixadores com base na escolha política, as ‘linhas vermelhas’ fixadas pelo Presidente da República são as seguintes: não é nomeado quem já esteja aposentado; não é nomeado quem já esteja prestes a aposentar-se; não é nomeado quem seja fortemente conotado com a política activa ou esteja no ‘furacão da política’, recordando a expressão que o Presidente da República utilizara quando explicitou publicamente esses critérios. De entre as personalidades cuja proposta de nomeação assente em ponderações exclusivamente de natureza política, o Presidente da República concederá particular atenção a quem tenha especial experiência acumulada na frente da Política Externa, como será o caso de um antigo Presidente da República, de um antigo Primeiro Ministro ou de um antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros”.
Referindo que “os Diplomatas de Carreira cessam, por força da Lei, todo e qualquer tipo de funções ao atingirem o limite de idade (65 anos)”, José Maria Neves lembra que em “obediência aos critérios acima enunciados, várias propostas de nomeação já foram recusadas pelo Presidente da República” e que tem “reiteradamente defendido que, para um Estado já nas vésperas de celebrar os seus 50 anos de existência, é fundamental apostar nos Diplomatas de Carreira para chefiar as Missões Diplomáticas de Cabo Verde. De resto, em 2016 já se estava à beira de atingir esse patamar (havia apenas um único caso de um Chefe de Missão não Diplomata de Carreira). Deve ser igualmente bandeira da classe política nacional contribuir, pelo seu discurso e pela sua postura de elevação, para que Cabo Verde atinja de vez esse marco de maturidade na gestão da sua Diplomacia”.
A concluir o comunicado o Presidente da República defende que “nesse concreto caso do Senhor Dr. Felisberto Vieira, uma sua eventual nomeação para o cargo de Embaixador equivaleria a trespassar todas as ‘linhas vermelhas’ referidas mais atrás neste texto. De onde a estranheza pela proposta de nomeação, ela mesma”.
Condições reunidas
Por seu lado, o Primeiro-ministro disse, esta terça-feira, nos EUA, que Felisberto Vieira reúne as condições para ser o embaixador de Cabo Verde em Cuba.
Em declarações à RCV, Ulisses Correia e Silva disse que Felisberto Vieira é “um cidadão cabo-verdiano que tem historial daquilo que foi a sua dedicação na política e ao serviço da Nação cabo-verdiana. Portanto, teria as condições para representar o país”.
Ainda assim, lembrou que o Presidente da República tem os seus critérios, e que o Governo “converge” relativamente a situações de entendimentos que têm que ser definidos.
“O Presidente da República tem de aprovar ou não aprovar. Por isso não entro em pormenor. Uma coisa é ter perfil e outra coisa é a decisão para que isso aconteça”, esclareceu Ulisses Correia e Silva, apontando que se trata de uma questão a ser discutida num quadro institucional.
Felisberto Vieira não comenta
Felisberto Vieira recusa comentar o caso. Num texto publicado no Facebook o antigo secretário-geral do PAICV escreve que não comenta “nesta oportunidade, por imperativos da responsabilidade cívica e da coerência política, a proposta do Governo para que considerasse ser o Embaixador de Cabo Verde em Cuba e a já pública recusa do Presidente da República em viabilizar tal proposta”.
No mesmo texto, Felisberto Vieira defende que a “República precisa ampliar e modernizar a soberania, a democracia e o desenvolvimento. A todos e a cada um, dizer que estou tranquilo e sereno, preocupado com o andamento das coisas, mas sempre que possível disponível a dar o meu modesto contributo, em prol do bem comum”.
Júlio Correia critica
Também no Facebook, Júlio Correia diz que o comunicado da Presidência da República levanta “mais questões do que aquelas que, alegadamente pretendeu responder ou esclarecer”.
“Em que Estado de Direito Democrático estamos e que regime político inventámos em que a Presidência da República resolve de moto próprio afirmar os critérios para nomear Embaixadores, à revelia do que está nas leis e de duvidosa constitucionalidade?”, questiona Júlio Correia.
O antigo deputado do PAICV e vice-presidente da Assembleia Nacional defende que “certos entendimentos, para que se tornem práticas, devem ser aprovados como leis no Parlamento e/ou como decretos-lei no Conselho de Ministros, devidamente promulgados pelo Presidente da República e sempre vigiados pelo Tribunal Constitucional”.
*com Inforpress
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1179 de 3 de Julho de 2024.