O Expresso das Ilhas falou com a Amonest Comercial Limitada, uma empresa de carpintaria, da Cidade da Praia, que vem enfrentado vários desafios na busca por mão-de-obra qualificada e na manutenção dos seus funcionários.
No mercado desde 2018, a empresa utiliza hoje entre carpinteiros e ajudantes 16 colaboradores e ainda conta com dois serviços terceirizados que são a pintura e a estufagem.
“A demanda foi aumentando e, juntos, fomos aperfeiçoando a qualidade dos nossos produtos. Face ao aumento da demanda, temos procurado outros profissionais na estufagem e na pintura. Atingimos um nível de qualidade que não nos permite aceitar menos do que o perfeito e, infelizmente, o que temos encontrado não nos tem dado o mínimo de qualidade que precisamos”, diz Péricles Samuel Silva, um dos sócios da empresa.
A empresa recebe, em média, 20 pedidos por mês, sendo grandes ou pequenos, mas a falta de mão-de-obra qualificada que enfrenta nos últimos meses acaba por afectar o rendimento.
“Mão-de-obra não falta, o que falta é mão-de-obra qualificada, pessoas disponíveis para trabalhar, que não brincam, que não faltam ao trabalho e que não tentam roubar os clientes da empresa. Muitos carpinteiros aceitam clientes fora da empresa e isso acaba por afectar o seu rendimento dentro da empresa”, diz.
Para lidar com esses desafios, a Amonest Comercial tem implementado várias estratégias, incluindo a contratação de jovens sem experiência e a realização de reuniões mensais para tratar de assuntos que considera importantes tanto para a vida profissional quanto pessoal dos trabalhadores.
“Temos contratado jovens que não continuaram os estudos, mas com vontade de aprender a trabalhar. O incentivo para os manter no trabalho é dar orientação, aconselhar, uma boa remuneração e nunca falhar com o pagamento dos salários, além de pagar as horas extras para que não se sintam desmotivados ou tentados a aceitar trabalhos fora”, afirma.
Entretanto, Péricles Silva admite que nem sempre a contratação de novos trabalhadores corresponde às expectativas da empresa. Por exemplo, cita, só em 2024 já fez seis rotatividades de colaboradores.
Um dos problemas nas novas contratações prende-se com o facto de as pessoas afirmarem ser qualificadas, quando, na verdade, não o são, segundo o empresário.
Com pouca qualificação preços dos serviços aumentam
Outra esfera da construção civil que vem sentido falta de mão-de-obra qualificada é a pintura, conforme relata o pintor Sérgio Rodrigues, um profissional com 18 anos de experiência em pintura e oito anos em trabalhos com pladur.
“Desde que trabalho com pinturas, nunca senti tanto como agora a falta de mão-de-obra no país. Quando digo que sinto falta de mão-de-obra é porque os pedidos de orçamento dos trabalhos quase triplicaram. Muitos pedidos e poucos trabalhadores disponíveis. Acho que esse aumento de pedidos de orçamento tem tudo a ver com a falta de mão-de-obra qualificada” considera.
Com a alta demanda e a escassez de profissionais qualificados, os preços dos serviços também aumentaram.
“Com o aumento dos pedidos de orçamento, mais a falta de mão-de-obra qualificada, o preço do meu trabalho também aumentou. Tenho pessoas que trabalham comigo, mas não é nada fixo”, refere.
Mesmo colaborando com as mesmas pessoas há vários anos, apesar da não existência de um contrato fixo, hoje Sérgio tem dificuldades em trabalhar com elas porque, devido à experiência, têm estado sempre ocupados com alguma obra privada.
“Estou a ter dificuldades em recrutar pessoas quando aparece algum trabalho. Há muito trabalho e os poucos qualificados que aqui estão, estão atolados de trabalho. O problema é mesmo encontrar mão-de-obra qualificada e não tenho encontrado nenhuma” ressalta.
“Tenho encontrado apenas pessoas para fazer companhia nas obras e ajudar em uma ou outra coisinha. Falta encontrar alguém que eu possa deixar tomar conta de uma obra enquanto vou ver como a outra anda. Esse tipo de profissionais não tenho encontrado”, conta.
Para mitigar a situação, Rodrigues tem investido em ensinar os poucos trabalhadores que consegue recrutar, mas, prossegue, até que esses se qualifiquem ainda vai-lhe custar muito trabalho.
O pintor acredita que a causa da emigração de mão-de-obra qualificada é a procura por novas oportunidades e melhores condições de vida.
“Se se melhorar as condições de vida talvez não se opte pela emigração porque trabalho aqui é o que não tem faltado”, sublinha.
O lado bom, segundo este profissional, é a mudança na valorização do trabalho na área em que actua.
“Hoje as pessoas já valorizam mais quem trabalha na pintura ou com pladur, por exemplo. Actualmente, mesmo que o trabalho seja uma porcaria, acabam por aceitar porque não há solução,” observa.
Muito trabalho, poucos trabalhadores
Assim como os outros entrevistados, o serralheiro, Lucas Martins, afirma que a falta de mão-de-obra qualificada é o principal desafio no seu dia-a-dia de trabalho.
“Como consequência, o que tenho constatado é o aumento de trabalhos e muitas vezes tenho de rejeitar pedidos porque não consigo dar conta de tudo. E quando consigo, demoro mais do que o habitual para entregar”, revela.
Perante a escassez de profissionais qualificados, os preços dos serviços de serralharia aumentaram.
“Nos trabalhos que antes cobrava 1.500 ou 2.000 escudos, agora cobro 2.500 ou 3.000 escudos,” explica o serralheiro.
Esta inflação nos custos, justifica, é para compensar pelo maior tempo gasto na execução dos serviços.
Lucas revela que tem trabalhado sem descanso para atender às necessidades dos clientes.
“Tenho trabalhado de segunda a segunda para conseguir concluir todos os trabalhos que aparecem e conseguir satisfazer a todos os clientes que estão a ter dificuldades em encontrar serralheiros qualificados”, assegura.
A busca por melhores oportunidades fora do país agrava a situação. “Muitos já saíram e há ainda muitos trabalhadores a procurar sair do país. Eu tenho quatro trabalhadores e pela demanda até tenho necessidade de contratar mais pessoas, mas não tenho encontrado pessoas qualificadas para o trabalho,” relata Lucas.
Para este profissional, a solução tem sido treinar os poucos trabalhadores que possui. “Por esta razão fiquei apenas com quatro trabalhadores porque os que tenho, estou a ensinar a fazer o trabalho aos poucos e não consigo ensinar mais pessoas ao mesmo tempo”, reconhece.
Trabalhar sem folga para atender a todos
“Toda a mão-de-obra qualificada já emigrou, principalmente do ladrilho. A maioria está fora do país,” afirma o ladrilhador Carlos Jorge.
Esta fuga de talentos, segundo o entrevistado, resultou numa elevação dos custos trabalhistas, reflectida nos valores diários pagos aos poucos profissionais disponíveis.
“Tanto é assim que hoje em dia se eu quiser que alguém trabalhe comigo numa obra, tenho de pagar três mil ou três mil e quinhentos escudos por dia. Antes pagava dois mil escudos”, compara.
A sobrecarga de trabalho é um problema constante para Carlos Jorge, que actualmente gere cinco obras com apenas dois ajudantes.
“Estou sobrecarregado de trabalho, não consigo aceitar todos, antes de terminar um trabalho já aparece outro. É difícil dar conta de todas as obras sendo apenas nós os três e há clientes que estão aborrecidos porque todos querem ter as suas obras concluídas rapidamente, só que não há como, temos falta de gente que sabe fazer bem as coisas”, frisa.
A falta de mão-de-obra qualificada não afecta apenas a capacidade de completar projectos rapidamente, mas também a qualidade do trabalho.
“O que mais encontramos são pessoas que afirmam que sabem trabalhar bem, mas quando começam a fazer logo se nota que era conversa. Quando aceito outra obra porque penso que encontrei um bom trabalhador, afinal aumentei a minha sobrecarga”, salienta.
Carlos Jorge diz que a valorização do trabalho do ladrilhador aumentou. Isto porque, conta, antes cobrava 300 escudos por metro quadrado e as pessoas recusavam o preço e contratava quem cobrasse menos. Hoje trabalha por 400 ou 450 escudos por metro quadrado.
“Sabem que não há pessoas para trabalhar, então se dermos esse preço aceitam de qualquer forma”, reitera.
O profissional que antes pensava emigrar em busca de melhores condições, encontrou razões para permanecer em Cabo Verde.
“Houve um tempo em que durante um mês inteiro não trabalhei uma única vez. Hoje tenho tanto trabalho que não considero sair do país. Tenho cinco obras em andamento. Depois desses, tenho à minha espera três obras de sétimo andar cada. Três prédios com sete andares e vários apartamentos para trabalhar pelo não tenho porquê emigrar”, manifesta.
O lado negativo, aponta, é a carga horária exaustiva que enfrenta para dar conta das demandas.
“Normalmente começo a trabalhar às 08h00. Mas, durante a semana passada que tinha sete trabalhos, comecei a trabalhar às 06h30 para poder dar conta de tudo. E tenho regressado à casa às 19h00 senão não consigo terminar rápido para pegar noutro trabalho e há um ano que não tenho um fim-de-semana de folga. Há domingos em que não trabalho, isso porque o corpo exige descanso e não tem acontecido com frequência”, admite.
Mesmo trabalhando no sector informal, Carlos Jorge planeia regularizar a sua situação devido ao aumento da demanda. “Ainda trabalho no informal, por desleixo da minha parte. Mas penso fazer isso, principalmente agora que tenho muitos trabalhos”, constata.
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Dificuldades em encontrar profissionais da construção civil
A escassez de profissionais qualificados na construção civil tem afectado a vida de muitas pessoas que resolvem assumir essas tarefas por conta própria contratando alguém que as faça de qualquer jeito.
Sílvia, uma moradora de Safende, cidade da Praia, conta ao Expresso das Ilhas que concluiu a obra da sua casa há cerca de dois anos. Há um ano, faltavam os acabamentos para ter a residência pronta.
“Há um ano que estou à espera de profissional para pintar a casa toda. Todos dizem o mesmo: que vão aparecer, mas nunca aparecem. Alguns desses pintores ouvi dizer que saíram do país e os outros dizem que não podem porque estão com muito trabalho. Por isso mesmo pintei eu mesma a minha casa”, narra,
Nunca tinha feito isso antes, mas Sílvia tinha a ideia que “era só colocar água na tinta”.
“E foi o que fiz. A pintura não está das melhores, mas pelo menos tenho cor na minha casa. Quando alguém resolver aparecer para pintar será possível melhorar o aspecto”, frisa.
Sílvia explicou ainda que, diante das dificuldades para encontrar profissionais disponíveis, começou a aprender novas habilidades por conta própria.
“Agora estou a aventurar-me em aprender outras coisas. Tenho visto vídeos no YouTube e há dias fiz uma penteadeira com portas do meu velho guarda-roupa. Eu não posso ficar à espera até que alguém tenha disponibilidade para fazer algo que eu preciso no momento”, argumenta.
Maria, moradora de São Filipe, bairro da cidade da Praia, também relatou problemas semelhantes.
“Em Fevereiro deste ano resolvi pintar a fachada da minha casa e colocar azulejo no andar de baixo. Um trabalho que poderia demorar no máximo um mês, levou três meses porque os trabalhadores apareciam num dia e no outro não, porque tinham de aparecer noutras obras. Isso tudo levou três meses. Ainda assim não está totalmente concluída porque falta pintar uma janela do andar de baixo e envernizar os azulejos. Mas a desculpa é sempre a mesma: outras obras”, lamenta.
Maria diz que tentou outros profissionais que pudessem finalizar o trabalho ainda por concluir, mas não obteve sucesso.
“Houve dias em que me zanguei tanto porque queria que aquele trabalho terminasse que até cheguei a procurar uma pessoa qualquer para o concluir, mesmo que ficasse mal. Demorei dias à procura de um ladrilhador e não apareceu ninguém. Cheguei a chamar um vizinho para colocar de qualquer forma, mas no final a pessoa que tínhamos combinado para fazer o trabalho acabou por não aparecer na hora combinada, alegando que tinha outros trabalhos que tinha iniciado antes do meu”, conta.
Mesmo outros trabalhos que aparecem em casa têm sido um pouco complicado encontrar alguém disponível para fazer e terminar logo, conforme conta. “Antes era só chamar fulano ou sicrano e numa semana tinha o trabalho pronto, agora nada”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1184 de 7 de Agosto de 2024.