O estudo foi hoje apresentado na Universidade de Cabo Verde e a cerimónia foi presidida pela secretária de Estado da Inclusão Social, Lídia Lima.
“Se formos pegar na questão dos profissionais de saúde, de uma forma geral todos têm muito pouco conhecimento do que é mutilação genital feminina. Obviamente, que isso vai remeter que os cuidados dados a essas mulheres podem não ser mais adequados, porque os nossos profissionais muitas vezes não estão preparados para tal”, disse a investigadora Deisa Semedo em declarações aos jornalistas.
Segundo o estudo, as primeiras reações dos profissionais de saúde ao depararem-se com casos de MGF são, na maioria das vezes, de espanto e surpresa.
Além do desconhecimento sobre a prática, o estudo revelou que nenhum dos profissionais de saúde entrevistados conseguiu classificar correctamente os diferentes tipos de MGF.
Outro ponto ressaltado pelo estudo é a ausência de conhecimento sobre os países onde a MGF é uma prática enraizada.
Apenas um profissional de saúde relatou ter identificado uma criança sobrevivente, sem conseguir esclarecer se a prática foi realizada no país de origem ou em Cabo Verde.
Embora a MGF seja frequentemente associada a questões religiosas, os participantes do estudo reconheceram que se trata de uma prática cultural, enraizada em tradições e sem fundamento religioso.
Em declarações à imprensa, a presidente da Alta Autoridade para a Imigração (AAI), Carmen Barros, ressaltou que a abordagem da MGF exige compreensão, pois, com o aumento da mobilidade internacional, todas as sociedades acabam por se deparar com essa realidade.
“A mobilidade e a circulação internacional fazem com que as pessoas carreguem consigo a sua diversidade cultural – são conhecimentos, habilidades, crenças e visões de mundo. Portanto, o trabalho com a imigração deve também contemplar essa vertente na perspectiva de prevenir riscos para a existência desta prática, que acarreta graves consequências para a saúde física, sexual, emocional e psicológica de mulheres e meninas”, afirmou.
A presidente da AAI enfatizou que Cabo Verde já dispõe de um quadro legal que criminaliza a MGF, tanto no Código Penal como na Lei Especial de Violência Baseada no Género (VBG), embora considere que não seja suficiente.
“Estamos a falar de uma prática complexa, sensível e que exige uma actuação mais estruturada”, frisou.
“Chamamos sempre a atenção para que o nosso trabalho junto das comunidades imigrantes não gere generalizações ou preconceitos contra mulheres sobreviventes desta prática ou contra comunidades imigrantes. A imigração não traz apenas desafios, mas também contribuições valiosas para a sociedade, e essa distinção precisa ser clara”, clarificou.
O projetco "Conhecer e Capacitar para Melhor Intervir", no qual o estudo está inserido, tem como foco informar, sensibilizar e formar.
“Queremos sensibilizar as pessoas, dar a conhecer, porque quando damos a conhecer, as pessoas podem tomar decisões mais conscientes”, explicou Deisa Semedo.
O estudo piloto abrangerá quatro ilhas c e servirá de base para um estudo mais abrangente sobre a prevalência da MGF no país.
O próximo passo, segundo a investigadora, é realizar um estudo de prevalência que forneça dados concretos para a formulação de políticas públicas mais eficazes.
“Sabemos que temos grandes desafios pela frente, mas este é um primeiro passo importante para garantir que as mulheres afectadas recebam o suporte adequado que a prática seja erradicada no futuro”, pontuou.
Estima-se que pelo menos 200 milhões de meninas e mulheres tenham sofrido alguma forma de MGF, sobretudo nos países onde esta prática está concentrada (África, Médio Oriente, Ásia). Devido à imigração, a MGF é praticada em países onde tradicionalmente não ocorria, sendo realizada no seio das comunidades originárias daqueles países.