Os seus artigos não eram meros exercícios de crítica – eram diagnósticos estruturados, sustentados por uma análise rigorosa da realidade política, social e económica do país. Com um olhar incisivo e uma argumentação meticulosa, Humberto Cardoso desafiou a narrativa oficial e colocou no espaço público questões fundamentais: qual era o verdadeiro papel do partido único? Como evitar a estagnação económica? Até que ponto a centralização excessiva do poder impedia o desenvolvimento do arquipélago?
Escrevendo em um tempo em que a contestação era vista com desconfiança, soube desmontar a lógica do regime e demonstrar, com exemplos concretos, que a sua estrutura se tornara obsoleta. O grande mérito desses textos reside no facto de terem sido escritos – ou irem sendo escritos – à medida que os acontecimentos políticos se desenrolavam, o que lhes confere uma relevância singular nos dias actuais, num tempo em que coexistem diversas narrativas sobre o processo de abertura política. Mas Humberto Cardoso não se limitava à denúncia – propunha soluções, antecipava cenários e instava as elites políticas a conduzirem uma transição pacífica e ordenada. Inspirado pelos debates internacionais e pelas reformas em curso na União Soviética, alertava para a urgência de mudanças institucionais que evitassem a erosão do Estado e um colapso social irreversível.
A sua escrita, simultaneamente crítica e construtiva, defendia reformas essenciais: o fim do artigo 4º da Constituição, que consagrava o PAICV como força dirigente da sociedade e do Estado; o desmantelamento da polícia política; a descentralização do poder; e a criação de um ambiente onde o pluralismo fosse não apenas permitido, mas garantido.
O impacto dos seus textos foi incontornável. Humberto Cardoso soube ler os sinais do tempo e antecipou as transformações que se avizinhavam. A queda do monopólio partidário, a chegada do multipartidarismo e o nascimento de uma nova era para Cabo Verde foram acontecimentos que ele soube prever, contextualizar e, sobretudo, exigir.
Mais de três décadas depois, os seus artigos permanecem como testemunhos da força transformadora da palavra escrita. O pensamento crítico de Humberto Cardoso continua a ecoar, lembrando-nos de que a democracia não é uma conquista definitiva, mas um exercício permanente de vigilância e participação.
Ler Humberto Cardoso hoje é revisitar um tempo de mudança – e redescobrir a coragem intelectual de quem ousou escrever o futuro.
Textos - Humberto Cardoso - Terra Nova by Expresso das Ilhas