Robert Scott - Vice-Comandante para o Engajamento Civil-Militar do AFRICOM Obangame Express: “As aprendizagens sobre como trabalhar juntos são o verdadeiro sucesso”

PorSara Almeida,25 mai 2025 8:30

Trinta países, 930 pessoas, mais de 100 embarcações e 11 aviões. Os números mostram bem a dimensão do Obangame Express 2025, um mega-exercício de segurança marítima promovido pelo AFRICOM (Comando dos Estados Unidos para a África) e conduzido pela 6.ª Frota dos EUA. Cabo Verde foi, pela primeira vez, o país anfitrião do Estado-Maior (ou seja a sede e coordenação do comando central) desta operação regional, que decorreu entre 5 e 16 de Maio e que este ano apostou na coordenação regional, no reforço da vigilância marítima e na melhoria da prontidão operacional, tudo com vista a reforçar a segurança no Golfo da Guiné e Atlântico Oriental. De passagem pela Praia para participar no encerramento, o embaixador Robert Scott, vice-comandante do AFRICOM para a Cooperação Civil-Militar, sublinha que problemas comuns devem ser combatidos conjuntamente e lembra que ninguém consegue garantir a segurança nos vastos mares sozinho. Nesse sentido, aprender a trabalhar em conjunto é, para o embaixador, o verdadeiro ganho. Em entrevista ao Expresso das Ilhas, Scott passa ainda em revista algumas acções concretas do exercício e aponta novas possibilidades trazidas pela tecnologia, como o uso de software avançado que permite rastrear navios em tempo real e identificar actividades suspeitas, desde pesca não autorizada até tráfico de armas e pessoas. O embaixador elogia ainda a vontade clara de Cabo Verde em assumir o controlo da sua própria segurança, garantindo que os Estados Unidos continuarão ao lado do país, prontos para colaborar nestes desafios e ambições.

Na perspectiva do AFRICOM, quais são hoje os principais desafios da região, não só em termos de segurança, mas também sociais e democráticos?

Começando pela questão da segurança, penso que o exercício Obangame Express 2025 é um bom indicador dos desafios que todos enfrentamos, juntos. Tive conversas interessantes, desde que cheguei aqui a Cabo Verde, centradas na economia azul, na prosperidade, na capacidade de controlar e compreender o que se passa nos seus próprios oceanos. Estes são, aliás, eixos centrais do nosso trabalho com Cabo Verde e também do exercício Obangame Express. Este exercício, que tem vindo a crescer todos os anos - e estamos muito satisfeitos e agradecidos por Cabo Verde nos receber -, reúne 22 países africanos e oito outros países, incluindo os Estados Unidos que o organizam. Contamos com representações da América do Norte, América do Sul, Europa e, naturalmente, África: quatro continentes reunidos em Cabo Verde para tratar dessas questões centrais. Estamos a falar de como garantir o nosso futuro, que para muitos países são os mares, o oceano, seja pelo comércio, pela pesca ou pelo combate, em conjunto, a actividades ilegais que ocorrem nas nossas águas. Portanto, todas estas questões são centrais para África, fazem parte do Obangame Express e correspondem também ao que temos ouvido das pessoas em Cabo Verde, que querem trabalhar connosco para garantir esse futuro.

Como é que Cabo Verde se insere neste contexto e qual é a sua importância estratégica para a AFRICOM? Porque é que escolheram Cabo Verde para o exercício, por exemplo?

Penso que Cabo Verde tomou a iniciativa. Então, aconteceram duas coisas em paralelo: por um lado, a AFRICOM procura sempre parceiros que queiram partilhar o fardo, que queiram assumir responsabilidades pela sua própria segurança, e Cabo Verde deu esse passo em frente, manifestando vontade de partilhar responsabilidades, de assumir um papel activo na sua própria segurança; por outro, Cabo Verde mostrou interesse em acolher o exercício. E isso é extraordinário, porque permitiu, como referi, que 30 países se juntassem. Além disso, Cabo Verde está situado numa posição geográfica muito interessante, tem uma vasta Zona Económica Exclusiva e um oceano imenso à sua volta, que se estende até à África Ocidental, até às costas do Senegal e da Gâmbia. As vossas águas territoriais são atravessadas por importantes rotas comerciais, com navios vindos da América do Sul, navios contornando o Cabo da Boa Esperança e subindo para o Atlântico. Portanto, estão situados num lugar muito importante.

Do ponto de vista estratégico?
Exactamente, porque todos esses navios passam pelas vossas águas e é importante saber quem são e o que estão a fazer. Todos os países querem ter esse controlo e é precisamente isso que o Obangame Express está a fazer. Começamos pela tecnologia, o que chamamos de maritime domain awareness ou, numa tradução simples, conhecimento do domínio marítimo. É um termo técnico que, basicamente, significa: como usar a tecnologia para saber o que se passa no oceano. Como se faz isso? Visitámos o vosso centro marítimo e encontrámos um grupo de 14 pessoas em formação, num programa de três meses, para aprender a usar tecnologia como o software Sea Vision, que nós fornecemos, mas há outros programas, para ver num ecrã de computador o que se passa no oceano. Que navio é este? Está a identificar-se correctamente? Como é que os rasteamos? Depois, talvez já se saiba quem são os navios, e identificam-se alguns que se pensa estarem a fazer algo que não é correcto. Nesse caso, quem é que vai até ao local verificar? E isso custa dinheiro. Ouvimos um jurista das vossas Forças Armadas dizer que, quando enviam um navio, este tem de ter a bordo representantes da fiscalização das pescas, da polícia judiciária, da marinha, para poderem actuar caso encontrem pesca ilegal, armas ilegais, drogas ou tráfico de pessoas. Portanto, esse é o passo seguinte. Então, temos a tecnologia para saber quem está lá, a capacidade de agir, e depois o sistema judicial, aquilo a que chamamos legal finish (conclusão jurídica). Se apanharmos alguém, que lei aplicamos em Cabo Verde, no Senegal ou nos Estados Unidos, para podermos processar esse crime? Tudo isto faz parte do que estamos a fazer neste exercício e penso que é muito positivo porque estamos todos a aprender uns com os outros como fazer isto. É um processo complexo, e precisamos de usar a tecnologia para o tornar mais fácil.

E recursos para lidar com essas situações?

Ninguém tem recursos suficientes. Vejam só o tamanho do vosso oceano! Ninguém tem navios suficientes [para fiscalizar]. Por isso, precisamos de encontrar formas inteligentes de o fazer e é nisso que estamos a trabalhar. E precisamos de encontrar formas de trabalhar uns com os outros. Se um navio sai das vossas águas e vai para águas senegalesas ou vem do Senegal para as vossas águas, como é que comunicam entre si? É isso que estamos a aprender neste exercício.

Qual o balanço?

Mais uma vez, a dimensão deste exercício é impressionante. Estão envolvidas 930 pessoas, mais de 100 barcos de 30 países. Há 11 aviões e drones lançados a partir dos navios para perceber como usar a tecnologia dos drones. Tudo isto está organizado sob o Código de Conduta de Yaoundé [um acordo regional para reforçar a segurança marítima na região do Golfo da Guiné], do qual Cabo Verde é membro. Inclui várias zonas marítimas, como a Zona A, Zona B, e outras, que abrangem uma vasta área desde o Norte de África até Angola, incluindo os Estados do Golfo da Guiné. O facto de todos estes países estarem juntos, com os centros regionais de operações marítimas, centros regionais e nacionais, significa que os 30 países estão a trabalhar em conjunto para aprender a cooperar melhor. Isso por si só já é muito complexo e o que fizemos foi bem-sucedido. Visitei o quartel-general das operações e vi um oficial naval da Gâmbia sentado ao lado de alguém da Guiné-Bissau e ao lado de alguém de Cabo Verde; um americano ao lado de alguém de Portugal, do Brasil. Enfim, todas estas aprendizagens sobre como trabalhar juntos são, penso eu, o verdadeiro sucesso, porque ninguém consegue fazer isto sozinho. Para mim, isso é fundamental. Também aprendemos aspectos técnicos importantes: como abordar um navio em conjunto, como segui-lo em conjunto. E realizámos simulações, que têm sido uma parte essencial do exercício. Por exemplo, quando um navio colide com outro, quem responde? E com que rapidez conseguem responder? Trabalhámos ainda em questões importantes, nomeadamente o combate à pesca ilegal, não regulamentada e não reportada (INN, ou IUUF ,do inglês Illegal, Unreported and Unregulated Fishing). A pesca é uma das maiores riquezas do vosso país, então, como garantir que os navios que pescam nas vossas águas o fazem de forma sustentável, pagam por isso e têm a licença correcta? Fazemos isso também nos Estados Unidos, aliás, todos os países o fazem, e é uma parte central deste exercício. Realizámos um exercício de simulação em mesa com todos os 30 países sobre como lidar com a IUUF. Esse foi um dos eixos principais usados em todo o exercício para articular os trabalhos. Como é que um jurista da vossa Marinha interpreta a lei? Como é que alguém do Ministério das Pescas a aplica? E temos notado um grande aumento de interesse nesta área.

Há depois algum seguimento do exercício, ou seja, das aprendizagens, dos resultados e da colaboração aqui gerados?

Estamos sempre em contacto. Cabo Verde tem participado no African Lion (Leão Africano), que é o maior exercício terrestre que realizamos em África. [A edição de 2025] terminou há poucos dias e contou com a presença de representantes cabo-verdianos. Em Junho, vamos ter uma grande reunião no Oceano Índico Ocidental, nas Maurícias, onde todos os chefes navais seniores de África se irão reunir para discutir temas como a pesca ilegal, não regulamentada e não reportada (INN). Cabo Verde também estará representado nesse encontro. Portanto, trata-se de uma conversa permanente, tanto ao mais alto nível como em termos técnicos. Dou-lhe um exemplo. Há alguns anos, foi com muito orgulho que estabelecemos uma parceria com o vosso país para ajudar a construir o vosso centro de operações marítimas. No âmbito deste exercício, remodelámos o centro, com nova pintura, novos equipamentos, e construímos uma nova caserna para que as pessoas que ali trabalham 24 horas por dia tenham um espaço onde possam dormir e relaxar. Falei com o comandante do centro e ele estava muito orgulhoso por termos conseguido que os dois países se unissem [no esforço de melhoria do centro], porque para ele é importante mostrar à sua equipa, aos militares que trabalham com ele, que há progresso, que coisas boas estão a acontecer. E nós temos orgulho em contribuir para isso. Portanto, é um processo contínuo.

O AFRICOM abrange toda a África. Recentemente, por exemplo, tivemos uma operação militar na Somália. Para o AFRICOM, qual é, neste momento, a sub-região mais problemática do continente?

Trabalhamos com 53 países em África, ou seja, praticamente todo o continente, com excepção do Egipto, que é gerido por outro comando combatente, mas que também participa nas nossas conversações. Temos relações bilaterais com todos os países e trabalhamos em conjunto. Também actuamos a nível regional, como acontece neste exercício, que utiliza a Arquitectura de Yaoundé. Na África Oriental, e mais concretamente na Somália, estamos neste momento a lidar com um conjunto de problemas. Mas o que se constata é que trabalhamos sempre porque são as próprias lideranças regionais que nos pedem apoio nas acções que estão a desenvolver. Penso que, de uma forma geral, respondemos aos sinais de demanda daqueles que estão a trabalhar para garantir o seu próprio futuro. Por isso, procuramos sempre parceiros que estejam a dar um passo em frente, assumindo o melhor que podem o controlo da sua própria segurança. Depois, vemos como podemos ajudá-los a atingir os seus objectivos de segurança. E é assim que actuamos em toda a África.

Mas diria que há uma sub-região ou país mais problemático para a AFRICOM?

Penso que os problemas surgem e desaparecem, mas nós estamos sempre aqui. Estamos aqui há muitas, muitas décadas e estaremos sempre presentes à medida que as regiões e os países enfrentam os problemas que precisam de resolver.

Quando se fala de AFRICOM, pensa-se, primeiramente, no lado militar, mas há também uma forte componente do envolvimento civil-militar. Como equilibram as diferentes componentes e mantêm o equilíbrio entre as acções militares e o apoio às comunidades locais e à melhoria das democracias?

Penso que a AFRICOM deve ser vista como parte de um amplo conjunto de instrumentos que os Estados Unidos têm para aplicar nas suas relações. Dou-lhe um exemplo: em 2010, há cerca de 15 anos, trabalhava em questões da África Ocidental em Washington. Eu era director de gabinete para a África Ocidental. Naquela altura, encontrei-me com o US Geological Survey (Serviço Geológico dos Estados Unidos), porque eles vinham a Cabo Verde naquele ano, tendo já vindo antes, para fazer um levantamento das águas subterrâneas. Por isso, o Serviço Geológico estava a fazer uma análise de todas as águas subterrâneas: onde se encontram, como se pode chegar a elas, como evitar a extracção excessiva para que a água salgada não suba, todas essas questões técnicas. Há pouco, estava a falar com colegas da embaixada [dos Estados Unidos em Cabo Verde], e soube que a informação do estudo ainda hoje é utilizada pelo governo de Cabo Verde para melhor uso dos recursos hídricos. Portanto, trata-se de um sentido amplo de segurança: segurança alimentar, segurança económica… O governo dos Estados Unidos, através do AFRICOM, desempenha um papel importante, mas há outras agências que se juntam para estabelecer parcerias com os países. Para mim, este é um exemplo interessante de como, 15 anos depois, um programa entre os nossos dois países continua a dar frutos.

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É um conceito moderno de segurança, uma abordagem holística.

Exactamente. A segurança de um país envolve várias dimensões. O nosso papel é específico: somos um comando combatente e é nesse âmbito que actuamos. Mas há outras agências do governo dos Estados Unidos que intervêm noutras áreas, e trabalhamos em conjunto.

E quais são as perspectivas para a cooperação futura entre Cabo Verde e os Estados Unidos, em particular o AFRICOM, no domínio da segurança e do desenvolvimento?

Bem, o que me tem impressionado, que senti várias vezes nestes poucos dias aqui em Cabo Verde, é a proximidade dos laços culturais e humanos entre os nossos dois países. Há tantos cabo-verdianos que têm família e relações nos Estados Unidos. Há muitos americanos que vêm para cá na reforma ou para visitarem. Isso é a base de tudo, o alicerce. Os nossos dois povos conhecem-se e partilham uma relação. A partir daí, continuaremos a encontrar áreas em que possamos cooperar. O Obangame Express é um excelente exemplo disso, que nos dará anos de trabalho conjunto. Quando se realiza um exercício desta dimensão, identificam-se possibilidades de colaboração. O próximo passo será, como disse, dentro de poucos meses, falar com os líderes navais ao mais alto nível numa outra conferência que estamos a organizar. Cabo Verde tem dado sinais claros de que está a cuidar da sua própria segurança. É um país líder, está a acolher o Obangame Express, e nós estaremos ao vosso lado para colaborar convosco.

Sob a nova administração, do Presidente Trump, fala-se de uma possível fusão com da AFRICOM com o EUCOM (Comando Europeu). Que impacto isso poderá ter nas relações dos Estados Unidos com África, em particular com a África Ocidental e Cabo Verde?

Circulam muitas histórias por aí, sim, mas não foi tomada qualquer decisão, e eu, pessoalmente, não tenho conhecimento de nenhuma decisão nesse sentido. Também estamos cientes das notícias que saíram na imprensa, mas até que algo aconteça, penso que devemos é concentrar-nos no que temos neste momento. É isso que fazemos no nosso comando: trabalhamos todos os dias em parcerias com os países africanos e isso é o mais importante. Como hoje, no Obangame Express, e amanhã, quando encerrarmos o evento. [NR: a entrevista foi realizada no dia 15, véspera do encerramento do exercício.]

Vai fazer o discurso de encerramento?

E estou muito orgulhoso.Cheguei de Estugarda para fazer um pequeno discurso e é uma honra representar o trabalho de 900 pessoas, de 30 países, e de um anfitrião como Cabo Verde, que fez um trabalho notável a receber-nos a todos. Estamos ansiosos pela cerimónia de encerramento e também muito orgulhosos por termos tido, aqui na Praia, o navio-chefe da 6.ª Frota da Marinha dos Estados Unidos.

Os objectivos do exercício foram cumpridos?
Acho que sim, absolutamente.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1225 de 21 de Maio de 2025.

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Autoria:Sara Almeida,25 mai 2025 8:30

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  25 mai 2025 16:03

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