João Santos Luís, Presidente da UCID: “Há uma crescente insatisfação”

PorJorge Montezinho,26 jul 2025 7:52

O presidente da União Cabo-verdiana Independente e Democrática, e deputado, João Santos Luís aponta como principais desafios a justiça, a descentralização, as desigualdades sociais e a dependência em sectores limitados, como o turismo.

O que tem Cabo Verde de melhor actualmente?

Cabo Verde continua a ser reconhecido internacionalmente pela sua estabilidade política, pelo respeito à legalidade democrática e pela liberdade de imprensa. As transições de poder têm ocorrido de forma pacífica e há um capital social importante construído ao longo das últimas décadas, sobretudo no razoável investimento na educação, mas que precisa de ser aprimorado, e na diplomacia, com a nossa imensa emigração, mas que precisa de se aprofundar e tirar mais proveito, em vez de ficarmos somente pelas remessas, face ao enorme potencial, tanto em termos de conhecimento como da capacidade de investimento da nossa emigração espalhada pelo mundo.

O que ainda precisa ser trabalhado?

Há uma crescente insatisfação com a lentidão da justiça, com a maior parte das decisões ainda centralizadas na Praia, com um elevado custo de vida, com as desigualdades sociais e com a dependência do país em sectores muito limitados, como o turismo. A juventude continua a emigrar por falta de oportunidades reais, o desemprego estrutural afecta famílias inteiras e muitas zonas rurais ainda sofrem com acesso precário à água, ao saneamento, saúde e energia. Além disso, é urgente rever o funcionamento das instituições que deveriam fiscalizar e garantir equidade, como os tribunais e os reguladores, que muitas vezes se mostram ineficazes ou excessivamente alinhados com o poder político.

Como analisa o diálogo do governo com os cidadãos e as respostas às suas necessidades?

O diálogo entre o governo e os cidadãos tem sido mais retórico do que efectivo. Escuta-se, mas não se ouve com real intenção de agir. Muitos cidadãos sentem que as consultas públicas são apenas “de fachada” e que as decisões já vêm tomadas de cima. Há uma clara falta de mecanismos de participação comunitária real, de auscultação contínua, sobretudo a nível local, onde muitas vezes os autarcas estão isolados ou abandonados. As respostas às necessidades básicas - como habitação, emprego digno, justiça célere, qualidade da saúde - são insuficientes e, em muitos casos, desiguais. Há uma percepção crescente de que os recursos do Estado não chegam de forma justa a todos, e que os benefícios continuam muito concentrados.

Numa altura em que o populismo começa a tomar conta do espaço político global, acha que o governo de Cabo Verde tem feito tudo o que pode para promover a transparência, combater a corrupção e fortalecer as instituições democráticas?

A resposta curta é não, não tem feito tudo o que pode. Embora haja uma retórica constante de "tolerância zero à corrupção", a prática revela falta de acção concreta. Os casos de má gestão, abuso de poder e conflito de interesses raramente têm consequências legais reais. A justiça continua lenta e pouco acessível, e muitas vezes parece servir mais para punir os críticos do sistema do que para corrigir injustiças. O governo poderia ser muito mais proactivo na digitalização de processos públicos, na protecção dos denunciantes (whistleblowers), na auditoria de obras públicas e contratos estatais. O combate ao populismo só se efectiva com instituições fortes, independentes e transparentes — e infelizmente, muitas instituições em Cabo Verde ainda são vulneráveis a pressões políticas e a lógicas de clientelismo.

O que espera para o futuro de Cabo Verde em termos de desenvolvimento económico e social?

Cabo Verde precisa de um modelo económico diversificado, resiliente e justo. O futuro só será promissor se fizermos uma aposta clara em:

Economia verde e Economia Marítima, aproveitando os nossos recursos naturais de forma sustentável;

Tecnologia e inovação, especialmente para reter os jovens talentos e reduzir a dependência da emigração;

Reforma do ensino técnico-profissional, alinhado com as necessidades reais do mercado;

Investimento nas comunidades rurais e periféricas, combatendo desigualdades regionais;

E sobretudo: reforço da justiça, transparência e cidadania activa.

Socialmente, é preciso garantir que ninguém fique para trás: isso implica acesso real a saúde de qualidade, apoio à maternidade e juventude, combate eficaz à violência doméstica e promoção da igualdade de género. A justiça social é a base do desenvolvimento sustentável.

O povo cabo-verdiano é resiliente, trabalhador e confia na democracia. Mas a democracia não sobrevive apenas com boas intenções — exige acção, coragem e responsabilidade. A nossa missão, enquanto oposição, é garantir que a justiça não seja selectiva, que os recursos sejam partilhados com equidade e que cada cabo-verdiano tenha a oportunidade de construir uma vida digna no seu próprio país.

Cabo Verde tem potencial. Mas precisa de coragem política para enfrentar os seus próprios bloqueios: uma justiça reformada, uma economia ao serviço do povo e um governo que fale menos e ouça mais.

Está nas nossas mãos — e no poder da cidadania activa — garantir que o futuro de Cabo Verde seja construído com justiça, dignidade e verdade.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1234 de 23 de Julho de 2025.

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Autoria:Jorge Montezinho,26 jul 2025 7:52

Editado porSara Almeida  em  26 jul 2025 15:59

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